Bródy frisou que a reforma constitucional que eliminou a separação de poderes e aumentou a concentração de poder na Presidência lhe parece "a de uma monarquia absoluta".
"Há outros países onde foram mortas mais pessoas. Há outros países onde mais pessoas são torturadas. Mas infelizmente a Nicarágua está a caminhar para uma ditadura completa, sem vozes dissidentes, sem ONG, sem uma imprensa independente", alertou Bródy.
O especialista, conhecido como o 'caçador de ditadores', falava numa entrevista recente ao programa Esta Semana, apresentado pelo jornalista nicaraguense, que perdeu a sua cidadania, Carlos Fernando Chamorro.
Bródy descreveu as perspetivas para a Nicarágua, governada por Ortega desde 2007, como "muito desanimadoras" e "muito tristes".
"Trabalhei na Nicarágua noutra época, quando havia esperança de uma mudança muito positiva no futuro, e Daniel Ortega e Rosario Murillo, que num momento lutaram contra uma ditadura familiar [a dos Somozas], aperfeiçoaram e institucionalizaram agora uma ditadura familiar", apontou.
O húngaro sublinhou que a Nicarágua é o único país do mundo onde "a privação arbitrária da nacionalidade é utilizada por razões políticas".
"A situação que você [Chamorro] está a viver, que estão a viver mais de 453 pessoas [que foram privadas da sua nacionalidade], não há outro país que o faça. Esta é a violação paradigmática da Nicarágua, esta decisão de desnacionalizar os chamados traidores da pátria que tem agora respaldo constitucional", acrescentou.
O especialista observou que o Grupo de Peritos, criado pela ONU, espera que os procedimentos legais sejam iniciados com base no princípio da justiça universal ou que seja feito recurso para o Tribunal Internacional de Justiça para violações de convenções internacionais de direitos humanos.
"É nisso que estamos a trabalhar. Se pudéssemos levar um caso ao Tribunal Internacional de Justiça por violações da Convenção contra a Tortura ou da Convenção contra a Apatridia, isso seria muito importante", vincou.
Sobre a retirada da Nicarágua do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas após ter tido conhecimento do relatório do Grupo de Peritos, que pedia que o acesso preferencial da Nicarágua aos mercados dos Estados Unidos e da União Europeia (UE) fosse condicionado a parâmetros de direitos humanos, e que o Exército "participou ativamente na repressão das manifestações", Bródy sustentou que esta retirada não isenta o governo sandinista das suas responsabilidades.
"Isto não o salva das consequências institucionais ou, possivelmente, criminais das suas ações", garantiu.
A Nicarágua vive uma crise política e social desde abril de 2018, que se agravou após as polémicas eleições de novembro de 2021, nas quais o presidente Ortega foi reeleito para um quinto mandato --- o quarto consecutivo ---, com os seus principais concorrentes presos e que posteriormente expulsou do país, privando-os da sua nacionalidade e direitos políticos depois de os acusar de serem golpistas e traidores.
Vários países e organizações internacionais acusaram o governo sandinista de violar os direitos humanos da população no meio desta crise, em que, para além das organizações, o governo fechou os meios de comunicação social e as instituições académicas.
Leia Também: Mujica diz que se sente "desiludido" com a Nicarágua e a Venezuela