Síria vive a pior crise desde a queda de Assad. O que se sabe?

Uma emboscada a uma patrulha de segurança síria por homens armados leais ao ex-Presidente Bashar al-Assad resultou numa espiral de violência, que, segundo estimativas de uma organização de direitos humanos, matou mais de mil civis em quatro dias.

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© Moawia Atrash/picture alliance via Getty Images

Lusa
10/03/2025 20:26 ‧ há 2 horas por Lusa

Mundo

PERGUNTAS E RESPOSTAS

O ataque na quinta-feira perto da cidade portuária de Latakia, um bastião do regime do líder deposto, reabriu as feridas da guerra civil de quase 14 anos e desencadeou a crise mais grave desde 08 de dezembro de 2024, data em que uma coligação de rebeldes armados, liderada pela Organização para a Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham, HTS), assumiu o controlo do país.

 

A contraofensiva contra os apoiantes de Assad naquela região do nordeste da Síria, predominantemente ocupada pela minoria religiosa alauita (a que pertence a família do anterior líder sírio) causou também estragos em várias cidades e localidades.

Grupos de defesa dos direitos humanos relataram dezenas de execuções por vingança por parte de militantes sunitas que tiveram como alvo alauitas, independentemente de estarem envolvidos nos confrontos.

Eis algumas perguntas e respostas sobre a crise mais recente na Síria:

O que deu início à violência?

As tensões têm aumentado desde a queda do regime em dezembro passado, no seguimento de ataques contra os alauitas, que governaram a Síria durante mais de 50 anos sob a dinastia de Bashar al-Assad e, antes, do seu pai, Hafez.

A violência sectária prosseguiu apesar das promessas do anterior líder rebelde do HTS e atual Presidente interino da Síria, Ahmed al-Charaa, de que as novas autoridades do país iriam trabalhar para uma sociedade inclusiva e representativa de todas as comunidades do mosaico étnico e religioso do país.

Na emboscada ocorrida na quinta-feira, homens armados alauitas pró-Assad dominaram as forças de segurança do novo Governo e depois tomaram o controlo de Qardaha, a cidade natal do ex-Presidente sírio, enquanto Damasco enviava reforços para a região.

O Ministério da Defesa disse no domingo que as forças de segurança restauraram o controlo da região e já hoje anunciou o fim da operação militar no oeste do país.

Quem são os mortos?

Presume-se que a maioria pertence à comunidade alauita, que vive principalmente na província costeira, incluindo as cidades de Latakia e Tartous.

Segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, com sede em Londres e que mantém uma ampla rede de colaboradores na Síria, foram mortos 1.068 civis, muitos dos quais executados a tiro.

Além disso, foram mortos 231 membros das forças de segurança governamentais e 250 homens armados afiliados a Assad.

O Observatório acrescentou que a eletricidade e a água potável foram cortadas em grandes áreas em redor de Latakia.

Entretanto, a Campanha Síria e a Rede Síria pelos Direitos Humanos, que se opuseram a Assad após o início da guerra civil, afirmaram no sábado que tanto as forças de segurança como os homens armados pró-Assad estavam a "realizar execuções em massa e assassínios sistemáticos".

Qual é a causa da hostilidade sectária?

A fação alauita é um desdobramento do islamismo xiita e constituía o núcleo político do Governo de Assad num país de maioria sunita, que acusava o anterior regime de conceder privilégios à comunidade minoritária.

Após o início da guerra civil em 2011, surgiram grupos de oposição por todo o país, tratando os alauitas como afiliados do antigo líder sírio e dos seus principais aliados militares, a Rússia e o Irão.

O Governo interino da Síria, que resultou da queda do regime em 08 de dezembro, está sob domínio dos anteriores rebeldes e dos dirigentes do HTS, de inspiração islamita e com ligações no passado a movimentos terroristas como a al-Qaeda e o Estado Islâmico.

É caso de Ahmad al-Charaa, que era procurado pela justiça norte-americana pelo seu percurso radical na Frente al-Nusra, que manteve uma estreita colaboração com a al-Qaeda, mas com a qual acabaria por romper.

Desde o momento em que iniciou o seu percurso vitorioso para Damasco, numa operação relâmpago de apenas uma semana e meia, al-Charaa tem procurado tranquilizar as minorias do país e a comunidade internacional, indicando que o novo Governo é transitório e que no futuro haverá eleições justas, de modo a que todos os grupos religiosos e étnicos tenham representação, mas os céticos questionam se isso irá realmente acontecer.

Pouco se sabe atualmente sobre a insurgência alauita, composta por restos da rede de ramos militares e dos serviços de informações de Assad, que está exilado na Rússia, e quem poderão ser os seus apoiantes estrangeiros.

O que diz o novo Governo

As autoridades de Damasco responsabilizam "ações individuais" pela violência generalizada contra civis e argumentaram que as forças de segurança atuaram para responder aos homens armados leais a Assad.

No domingo, al-Charaa alertou num discurso à nação que a Síria enfrenta um novo perigo representado pelos restos do antigo regime e pelas forças externas que procuram arrastar o país para uma nova guerra civil.

"Devemos todos permanecer calmos e fortes contra aqueles que procuram incitar a discórdia sectária e as disputas internas", apelou.

Durante o seu discurso, o líder interino anunciou a formação de uma comissão de inquérito e indicou igualmente que o seu governo vai pedir contas a quem quer que esteja envolvido na morte de civis.

"Vamos chamar à responsabilidade, com firmeza e sem indulgência, qualquer pessoa envolvida no derramamento de sangue de civis (...) ou que tenha excedido os poderes do Estado", declarou.

Conseguirá Damasco restaurar a calma após os confrontos?

Apesar de ter ilegalizado o anterior partido no poder, Baas, e dissolvido as forças armadas, o parlamento e a Constituição, o novo executivo aceitou ao mesmo tempo a reintegração de antigos membros das forças de segurança e funcionários do estado, embora sujeitos à confirmação de que não tinham as mãos sujas de sangue.

Também determinou o fim dos grupos armados que lutaram para depor o regime, tentando dialogar com os curdos no nordeste da Síria, que mergulharam em confrontos com grupos apoiados pela Turquia, e também com a minoria drusa no sul, onde Israel aproveitou o período de transição para ocupar território na zona desmilitarizada entre os dois países.

Vários países levantaram parcialmente as sanções económicas que pendiam sobre a Síria no período de Assad e a generalidade dos estados da região reatou relações próximas com Damasco, de modo a contribuir para a recuperação económica do país devastado pela guerra e tirar milhões de sírios da pobreza.

No entanto, Washington e os países da União Europeia estão preocupados que a suspensão das sanções antes da transição da Síria para um sistema político inclusivo possa abrir caminho a um novo capítulo de governo autocrático.

O Irão, aliado do regime derrotado, negou formalmente qualquer envolvimento na violência, enquanto o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que apoiou os rebeldes contra Assad, disse que o seu país "continuaria a prestar todo o apoio possível" à Síria.

Noutras reações, o chefe da diplomacia israelita, Gideon Saar, pediu por seu lado à Europa que "deixe de conceder legitimidade" às autoridade de transição sírias "com um conhecido passado terrorista".

De Washington a Pequim foram escutadas palavras de condenação da violência e o Conselho de Segurança da ONU agendou para hoje uma reunião de emergência sobre a situação no país.

Leia Também: Síria anuncia acordo com curdos para integrarem instituições do país

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