Nova Iorque, Estados Unidos, 15 mar 2025 (Lusa) - Politólocos norte-americanos defenderam hoje que o desacordo interno que o Partido Democrata está a atravessar nas primeiras semanas de Governo de Donald Trump é "comum", e consideraram que também os republicanos têm manifestado inconsistências após a eleição.
Apesar da perceção pública de inação face à enxurrada de ordens executivas e decisões polémicas que Trump tem anunciado, cientistas políticos consideram "prematura" essa avaliação, especialmente porque o novo Governo está no cargo há apenas oito semanas.
"É comum que, após uma derrota eleitoral, um partido tenha algum desacordo interno sobre como proceder estrategicamente. As diferentes facções do partido têm naturalmente ideias diferentes sobre o que correu mal e o que fazer a seguir. Não creio que haja nada de anormal na posição dos democratas neste momento", advogou David Hopkins, professor de Ciência Política na Boston College e especialista em partidos políticos e eleições norte-americanas.
Em declarações à Lusa, o docente e escritor disse não estar surpreendido com o facto de muitos eleitores estarem descontentes ou assustados com as políticas e com o comportamento de Trump e que, consequentemente, estejam a "descarregar parte da sua frustração nos democratas" e a insistir para que façam mais para travar as ações do Presidente.
Porém, "quando um partido perde poder, tem uma capacidade limitada para bloquear as ações do lado vencedor", frisou.
As eleições de 2024 redefiniram o cenário político nos Estados Unidos.
Concederam não apenas uma vitória a Trump, mas também ao Partido Republicano como um todo, que passou a controlar o Senado e estreitou a sua maioria na Câmara dos Representantes, limitando a ação dos democratas.
No rescaldo das últimas eleições, o Partido Democrata teve de enfrentar aquele que terá sido um problema de comunicação e que contribuiu para a sua derrota nas presidenciais de novembro.
"Os nossos valores estão certos. Estamos com o povo americano. Só precisamos de comunicar isso e encontrar os canais certos", refletiu a congressista democrata Andrea Salinas num retiro de três dias do Partido Democrata em Leesburg, nos arredores de Washington.
"Não podemos comunicar-nos como fizemos em 2020 ou 2016. Precisamos de conectar-nos com os eleitores onde eles estiverem, seja no 'YouTube', 'Reddit' ou no 'Washington Post'. Vimos que a marca Democrata, conforme definida pelos republicanos, era o problema. Precisamos de sair e de nos definir e estamos a fazer isso", enfatizou a congressista Jennifer McClellan, admitindo precisamente esse problema de comunicação.
O Partido Democrata está agora numa corrida contra o tempo, com as próximas eleições intercalares agendadas para novembro de 2026, nas quais tentará recuperar o terreno perdido no Congresso em 2024, mas para as quais precisará de um novo modelo de comunicação e de líderes mobilizadores.
"Porém, os resultados das próximas eleições serão muito mais afetados pelo que Trump fizer do que pelo que os democratas fizerem. A história diz-nos que as eleições são, em grande parte, um referendo sobre o desempenho do Presidente em exercício. Se os eleitores estiverem satisfeitos com o historial de Trump no cargo, os republicanos beneficiarão, e se não estiverem, os democratas sairão bem", defendeu David Hopkins.
"Num sistema bipartidário, a única forma de manifestar insatisfação com o Presidente é votar na oposição. Cada partido parece mais forte depois de uma vitória do que realmente é, e mais fraco depois de uma derrota do que realmente é", frisou ainda o politólogo norte-americano, em declarações à Lusa.
Visão semelhante é defendida pela cientista política Marjorie Hershey, que refletiu sobre as particularidades do sistema político norte-americano, com os dois principais partidos a terem de incluir uma gama muito ampla de pontos de vista - o que pode dificultar uma resposta uniforme.
"Os EUA têm apenas dois partidos principais, apesar da grande diversidade dos 330 milhões de americanos, o que significa que os principais partidos devem necessariamente incluir uma gama muito ampla de pontos de vista e características socioeconómicas. O Partido Democrata varia da extrema-esquerda liberal a esquerda moderada, enquanto o Partido Republicano é mais uniformemente de direita", avaliou.
"Embora seja mais unificado, o Partido Republicano também não teve uma postura consistente durante esses últimos dois meses", sublinhou ainda a professora de Ciência Política na Universidade de Indiana.
Na prática, os democratas têm-se manifestado contra as ordens executivas de Trump, que violam normas e ultrapassam limites legais, mas esses movimentos não têm sido suficientes para se sobreporem ao ritmo diário que Donald Trump impôs nas primeiras semanas na Casa Branca.
Os democratas têm, por exemplo, recorrido aos tribunais para bloquear algumas dessas ordens executivas, como é o caso da revogação da cidadania por direito de nascença, o congelamento de subsídios e empréstimos federais e a proibição do tratamento de género para crianças.
Contudo, Marjorie Hershey disse à Lusa que os democratas precisam de mais tempo para reformular a sua resposta.
"O partido da oposição inevitavelmente quer encontrar a resposta mais eficaz e, para fazer isso, tem que esperar um pouco para determinar aquilo a que os seus eleitores respondem mais fortemente. E, de muitas maneiras, essa pode ser a resposta democrata mais eficaz", reforçou.
Leia Também: "Viste aquilo?" Jornalista atinge Trump com microfone na cara