"Em Itália, como em muitos outros países, sabemos que persistem fatores societais e culturais, como os papéis tradicionais de género e as normas patriarcais, que conduzem a desequilíbrios de poder e à objetificação das mulheres", mas, ao contrário do que sucede em diversos outros países europeus, o sistema educativo italiano não inclui a educação sexual e emocional nas escolas, aponta, em entrevista à Lusa, Giorgia Gabrielli.
Residente em saúde pública na Universidade Católica do Sagrado Coração, em Roma, onde se dedica principalmente à investigação no domínio da saúde pública, em particular da igualdade de género e da saúde planetária, e coautora de um recente estudo pioneiro sobre o feminicídio em Itália, Giorgia Gabrielli observa que a sua equipa de investigação "é nova no campo", o que também demonstra que "este problema social é subestimado".
"Precisamos de melhores dados e de mais estudos com uma abordagem interdisciplinar para compreender o fenómeno, identificar as suas causas profundas e combatê-lo. No entanto, há muito que sabemos a partir do trabalho de outros e de outras disciplinas"
"Uma grande parte dos femicídios é perpetrada por parceiros íntimos, atuais ou antigos, ou por membros da família, o que sugere que estes crimes podem ser o culminar de maus-tratos domésticos contínuos, muitas vezes devido ao não reconhecimento do direito da mulher à autodeterminação", nota.
Sustenta que é necessário "introduzir a educação sexual e afetiva nas escolas dos países onde não está sistematicamente incluída", referindo que a cientista política e ativista Flavia Restivo lançou uma petição que apela à inclusão obrigatória desta disciplina nos currículos das escolas secundárias de Roma e da região do Lázio e com o objetivo de a estender a todas as escolas do país.
"Sensibilizar desde cedo para o respeito pelo direito das mulheres à autodeterminação e por todas as identidades de género, ensinar conceitos como o consentimento, a gestão emocional saudável, promover relações equilibradas e reduzir os estereótipos sexistas, tanto masculinos como femininos) pode ser um dos investimentos a longo prazo para resolver esta questão", diz.
Entre outras medidas, preconiza também uma "formação obrigatória para autoridades e juízes sobre violência de género, reconhecimento de sinais de alerta e tratamento de denúncias", pois, argumenta, "é necessário aumentar a confiança nas instituições para que as vítimas de violência sintam que podem recorrer a elas sem receio de não serem levadas a sério ou de serem protegidas das potenciais consequências da denúncia".
Por outro lado, Giorgia Gabrielli defende ainda "ordens de proteção mais eficazes", notando que "houve casos em que as pulseiras eletrónicas não estavam disponíveis quando uma ordem de restrição foi aplicada", assim como a adoção de financiamentos plurianuais, e não anuais, para os centros e abrigos anti-violência, incluindo "programas de reabilitação para homens autores de violência".
"Um aumento das penas de prisão não reduzirá os casos de femicídio. Seria mais eficaz assegurar que o objetivo da detenção - a reabilitação - seja alcançado. Isto não acontece com frequência, e este é outro grande problema em Itália", considera.
Sobre a proposta de lei apresentada na semana passada pelo Governo italiano, que, pela primeira vez, introduz a definição legal de femicídio no direito penal do país e o pune com prisão perpétua, nota que "deve ser vista como apenas uma parte de um conjunto mais vasto de intervenções necessárias para o combater".
O reconhecimento do femicídio como um crime distinto do homicídio pode permitir uma recolha de dados melhores e mais específicos -- já que em Itália ainda não há uma base de dados institucional, pública e abrangente sobre femicídios -, tornar o fenómeno "mais visível e promover uma maior consciencialização social e institucional" e ainda prevenir que justificações baseadas no género, como "ciúmes" ou "stresse emocional", sirvam como atenuantes.
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