Duas Coreias a agarrar o mesmo stick. Pode o desporto ainda salvar a paz?

Começaram os Jogos Olímpicos de Inverno e no ringue de hóquei no gelo vamos ter oportunidade de ver o que há anos não se via: uma equipa conjunta da Coreia.

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© Reuters

Pedro Filipe Pina
10/02/2018 08:00 ‧ 10/02/2018 por Pedro Filipe Pina

Mundo

PyeongChang 2018

Começaram esta sexta-feira os Jogos Olímpicos de Inverno de PyeongChang, na Coreia do Sul. São 2.925 atletas, de 92 países, que vão participar, o que fazem destas as maiores Olímpiadas de Inverno de sempre. Mas a atenção está centrada numa equipa em particular: a de hóquei no gelo feminino que vai juntar as duas Coreias.

Por cá, país mais habituado à seca do que à neve, ainda é pouca a atenção dada aos desportos de inverno. Mas este ano podemos olhar para a competição com o mesmo olhar atento do resto do mundo. É que depois de meses de crescente tensão, temos o desporto a tentar fazer o que sanções, diplomacia e ameaças não têm conseguido fazer: ter duas Coreias a 'remar' para o mesmo lado. Ou, dito de outra forma, de stick na mão a esquiar para o mesmo lado.

O desporto a fazer a vez da diplomacia

O ano de 2017 ficou marcado por testes balísticos da Coreia do Norte e por sanções como forma de retaliação. Vimos Donald Trump e Kim Jong-un em troca de 'galhardetes' sobre o respetivo poder nuclear, fazendo-nos quase temer o inimaginável. Vimos os Estados Unidos empenhados em pressionar a todo o custo o isolado regime de Pyongyang a recuar no seu programa nuclear, tática que mantém, com o 'vice' Mike Pence a adiantar esta semana, em vésperas da competição, que a pressão sobre os norte-coreanos era para aumentar.

Há apenas alguns meses, e à medida que a Coreia do Sul se preparava para os Jogos Olímpicos, as expectativas não eram as melhores. Há 30 anos, em Seul, quando a Coreia do Sul organizou os Jogos Olímpicos de Verão (onde Rosa Mota venceu o ouro na maratona), a Coreia do Norte não participou. 30 anos depois o cenário parecia estar a repetir-se.

Em janeiro, porém, Kim Jong-un abriu caminho à ideia de o regime levar uma delegação com atletas e artistas para participar nos Jogos Olímpicos, tanto em campo como na cerimónia. O 'sinal' dado foi acolhido.

O Comité Olímpico Internacional concedeu uma exceção à Coreia do Norte para levar 22 atletas, quando, na realidade, apenas dois patinadores tinham conseguido alcançar os lugares nas Olimpíadas. E a dada altura Moon Jae-in, presidente da Coreia do Sul, que marcou encontro para este sábado com a irmã de Kim Jong-Un, passou a referir-se a estes Olímpicos, que vão decorrer a algumas dezenas de quilómetros da fronteira mais militarizada do planeta, como os "jogos da paz". Mas pode o desporto resolver o que uma guerra, décadas de tensão e tentativas de diplomacia frustradas não conseguiram?

Notícias ao MinutoAdeptas pintam a península de azul. Será o símbolo da equipa conjunta © Reuters

Unir no ringue uma península dividida

Entre os 22 atletas norte-coreanos que participam nas Olimpíadas em cinco disciplinas diferentes, estão as 12 jogadoras de hóquei sobre o gelo que formarão uma equipa em conjunto com a Coreia do Sul.

Esta equipa das Coreias, a jogar sob uma só bandeira, é fruto de acordos alcançados já este ano entre os dois países, para que a Coreia do Norte integrasse o evento. E incluiu o desfile conjunto na cerimónia de abertura.

As 12 atletas de hóquei no gelo chegaram antes, integrando um estágio que não decorreu sem dificuldades. Como dava a conta a Lusa na altura, ambas as Coreias partilham o mesmo sistema de escrita, o Hangul, um alfabeto desenvolvido no século XV para substituir os caracteres chineses. Mas o desenvolvimento separado das duas Coreias traduziu-se numa língua distinta dos dois lados da fronteira.

No hóquei no gelo o caso é particularmente curioso: se no sul se habituaram a usar termos como stick e puck (o disco do jogo), que vêm do inglês, no Norte a gíria era própria.  Antes do primeiro treino, todas as jogadoras receberam uma espécie de mini-dicionário com os termos a ter em conta, numa lista que incluía ainda a pronúncia inglesa dos termos norte-coreanos, uma vez que a treinadora das sul-coreanas é a canadiana Sarah Murry.

A junção das duas equipas mereceu algumas críticas de cariz desportivo. Na Coreia do Sul houve quem achasse que as hipóteses de sucesso eram reduzidas. Mas quando o mostrador de resultado assinalar uma equipa como 'COR', saberemos que há algo que vai muito além do desporto a disputar-se.

Este sábado, quando forem 12h10 em Portugal Continental, as duas Coreias serão uma só equipa, tendo pela frente a seleção suíça, oriunda de um país há muito conhecido pela sua neutralidade em conflitos

A história a repetir-se?

Desde a divisão da península, só em 1991 as duas Coreias apresentaram equipas conjuntas. No ténis de mesa, as jogadoras conquistaram o ouro nos campeonatos mundiais do Japão, e os futebolistas chegaram aos quartos de final no mundial de sub-20, que, por sinal, se realizou em Lisboa e terminou com a vitória da célebre 'geração de ouro' do futebol português. 

Nos últimos anos, houve outros momentos em que a tensão deu lugar a esforços de parte a parte. Em 2004, nos Jogos Olímpicos de Atenas, as duas equipas marcharam juntas. O mesmo aconteceria em 2006, nos Jogos Olímpicos de Inverno de Turim, o gesto repetiu-se, tal como ano seguinte , nos Jogos Asiáticos de Inverno.

Formar uma só equipa, porém, nunca foi fácil. Discussões sobre o número de jogadores de cada país ou a escolha do treinador sempre dificultaram o processo. Já em 1987, quando a capital sul-coreana se preparava para receber os Jogos Olímpicos do ano seguinte, houve negociações, como recorda o New York Times. Mas após estas falharem, o Norte atacou um avião de passageiros. Norte e Sul, tão próximos geograficamente, voltavam a afastar-se.

 Notícias ao MinutoA chegada das atletas norte-coreanas fez-se sob fortes medidas de segurança © Reuters

São muitas as dúvidas em torno de um regime conhecido pela sua brutalidade mas também pelo seu isolamento. Da Coreia do Norte conhecemos a dinastia de lógica quase monárquica que a governa, mas do país sabemos apenas o que dissidentes do regime que escaparam com vida contam e o que o regime quer demonstrar, muitas vezes através da exibição do seu poderio militar.

Foi em 1953 que a guerra da Coreia terminou. E pese embora as gerações mais novas já não tenham conhecido o conflito na primeira pessoa, há uma fronteira mais do que física a manter a península tão dividida.

Será a tensão inevitável? O que temos por garantido é que, agora que os Jogos Olímpicos começaram, houve esforços de parte a parte que permitiram o que há bem poucos meses ninguém acreditava ser possível. 

Até ao próximo dia 25 de fevereiro, os Jogos Olímpicos continuarão a disputar-se em PyeongChang. Esta fase de relações mais serenas parece ter capacidade para se prolongar durante estas semanas. Mas quando tudo terminar, a Coreia do Norte ainda continuará a viver sob sanções e a alimentar o seu poder nuclear, capaz de causar calafrios em toda a região.

Há sinais positivos. Este sábado, por exemplo, soube-se que Kim Jong-Un convidou o Presidente sul-coreano, Moon Jae-in, a participar numa cimeira em Pyongyang. Ainda assim não há certeza alguma de que a tensão não volte a escalar no futuro próximo. Na hora de arrumar os sticks, logo veremos o que futuro da península nos reserva.

No entretanto, há um torneio por disputar. Se as coisas correrem bem à equipa da casa, será possível testemunhar uma só Coreia a festejar aquele momento em que o puck atinge as redes adversárias - será a linguagem universal do golo, que dispensa qualquer tradução, a fazer a vez das palavras. 

Notícias ao MinutoSímbolo das Olimpíadas em PyeongChang © Reuters

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