Assumiu, em janeiro, a liderança da Ordem dos Enfermeiros. Desde então toda a sua conduta foi muito falada, quer por se ter candidatado sem o número mínimo de anos necessários para o efeito – 15 anos – quer por declarações polémicas sobre a eutanásia. Negando-se a falar sobre isso, Ana Rita Cavaco não hesita porém em denunciar as condições com que os enfermeiros têm que lidar diariamente. É por eles que se diz disposta a lutar, para lhes garantir as condições para que possam escolher se querem ficar no país ou emigrar. Confira a entrevista da bastonária ao Notícias ao Minuto.
Enfermeiros não podem servir de "arremesso político"
Candidatou-se em dezembro à Ordem dos Enfermeiros. Com que objetivos e ambições?
Exatamente os mesmos que são hoje. Há um esforço muito grande que temos de fazer a bem da profissão. Não nos podemos esquecer de onde viemos, nem nos desviar um milímetro daquilo que dissemos em campanha.
Algumas das medidas defendidas era contratar mais enfermeiros e reduzir as 40 horas de trabalho semanal. Em que ponto estão essas reivindicações?
Sabemos que o país, do ponto de vista financeiro, está numa situação complicada, e defendemos desde o início que a saúde não pode, sistematicamente, servir de arma de arremesso político. Não pode ser desculpa do governo A ou B, tem que ser um compromisso entre todos. Aquilo que nós ouvimos e ficámos muito contentes, mas evidentemente agora queremos ver se é verdade, é que os enfermeiros iriam passar às 35 horas e iria haver mais contratações pelo menos ate à entrada do regime das 35 horas que está previsto para julho. É um compromisso assumido pelo governo para toda a Função Pública. Tem havido uma abertura muito grande por parte do ministério para podermos dialogar e resolver problemas. Mas depois há uma altura em que as coisas têm de passar da intenção. E nos acreditamos que passarão, mas temos que ver.
Enfermeiros insatisfeitos e de 'costas voltadas' para o país
A classe dos enfermeiros é das mais insatisfeitas a nível profissional. Quais são os problemas que mais os indignam?
Sobretudo o problema de não haver o número mínimo suficiente de enfermeiros nos serviços, o que os coloca numa situação de exaustão. Mas não é só isso. Nós fomos uma das profissões mais castigadas durante os últimos anos em tudo: na reformulação, numa série de questões que para nós Ordem são essenciais do ponto de vista da qualidade dos cuidados. Se não há enfermeiros para fazer o básico depois também não os há para dar integração aos outros que vêm novos para os serviços. Toda a gente sabe que enfermeiros em exaustão, são enfermeiros que vão cometer mais erros. Têm uma margem e um risco de erro muito grande. E todas estas questões preocupam muito a Ordem porque são questões que estão a interferir com a segurança das pessoas, das nossas famílias, dos nossos amigos. Os enfermeiros são pessoas também e nós entendemos que temos sido verdadeiros heróis nas condições em que estamos a trabalhar há vários anos. Não é uma decisão continuar assim porque atingimos um ponto em que o país esteve num estado de emergência nacional mas os enfermeiros ainda não saíram de lá.
E não se trata de uma questão de não haver profissionais...
Não, claro que não. Eles todos os anos formam-se, saem milhares para o estrangeiro, não só por não estarem a ser contratados, mas porque os enfermeiros portugueses estão a ser queridos e reconhecidos no mundo inteiro. Os outros países procuram sobretudo e maioritariamente enfermeiros portugueses. Têm uma qualidade de formação muito boa e têm competência. Conseguem na prática exercer competências que enfermeiros de outras países não têm. Eles sentem-se muito valorizados.
Porque é que isso não acontece em Portugal?
A enfermagem tem sido a profissão que mais evoluiu nos últimos 20 anos em termos técnicos, científicos e académicos. O que nós evoluímos não foi acompanhado em termos de sociedade e mentalidade. E como tal, olha-se para os enfermeiros como uma classe muito especial, um profissional e pessoa muito especial mas ainda não se interiorizou as competências que temos também na área da gestão.
E o que é que a ordem pensa fazer para inverter essa situação e, quiçá, convencer os enfermeiros emigrados a regressar?
Não é uma questão de os convencer. É uma questão de eles poderem ter uma hipótese de escolha. Para já precisamos deles porque há um défice de contratação muito grande, mas independentemente disso nós não queremos que a emigração seja uma coisa forçada. Eles têm o direito de optar. Se eles são precisos aqui, eles é que devem escolher se querem emigrar ou concorrer aqui. Serem forçados a isso é que não é uma opção.
Eutanásia, uma polémica sobre a qual não há nada a dizer
Protagonizou, recentemente, declarações polémicas sobre a Eutanásia dando a entender que havia casos destes, ainda que camuflados, nos hospitais portugueses…
Não vou falar mais sobre isso. Já disse tudo o que tinha a dizer sobre esse assunto. Prestei todos os esclarecimentos e não dei a entender nada. Isso está gravado, já foi debatido.
Mas não quer esclarecer a sua posição sobre o assunto?
Ela está tomada. A posição da Ordem dos Enfermeiros é que se deve fazer uma ampla discussão sobre o assunto . Foi pedido internamente aos nossos órgãos que se iniciassem os procedimentos e os ciclos de debate para que todos os enfermeiros possam dar a sua opinião. Porque a Ordem representa todos. Se o país tomar uma decisão relativamente a isso ou o parlamento ou por referendo, a Ordem tem que garantir é que todos são representados. E só consegue fazê-lo com seriedade se efetivamente ouvir toda a gente.
Não contem com os enfermeiros para "fazer política com o sofrimento das pessoas"
Esteve na passada semana na rua, junto dos enfermeiros de todo o país, numa iniciativa para assinalar o Dia Internacional do Enfermeiro. Como correu?
Muito gratificante. Era uma coisa que todos fazíamos quando trabalhávamos na prática e agora que estamos aqui a tempo inteiro dá para perceber o que já mudou e o que é ainda preciso mudar.
Foi, então, também um trabalho de avaliação que estiveram a fazer?
Se pensarmos numa Ordem cujo objetivo principal é regular o exercício do ponto de vista da segurança das pessoas, como é que se pode fazer isso sem conhecer o o terreno? É impossível. Este é o passo mais importante para nós quando vamos definir competências em novas áreas. Para tudo isso nós precisamos saber o que é que se está a passar nos serviços. Se não soubermos não podemos fazer nada disto.
E que rescaldo é que faz?
Uma coisa é comum em todo o lado: aquele que é hoje o número de enfermeiros no sistema de saúde todo -público e privado – não chega e não há como como contornar esta questão. Podemos ter todos muito boa vontade mas temos decisões a tomar. Desde o início que temos vindo a dizer que não contem com a Ordem dos Enfermeiros para fingir que se brinca com os cuidados de saúde ou para fazer política com o sofrimento das pessoas. Nós temos que dizer claramente e de uma vez por todas que cuidados podemos dar ao país.