"País viveu estado de emergência. Enfermeiros ainda não saíram de lá"

No rescaldo da semana que foi dedicada aos enfermeiros no nosso país, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros lembra ao Notícias Ao Minuto as difíceis condições em que trabalham estes profissionais e o que é necessário fazer para não 'obrigar' mais enfermeiros a sair do país.

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Andrea Pinto
15/05/2016 09:25 ‧ 15/05/2016 por Andrea Pinto

País

Ana Rita Cavaco

Assumiu, em janeiro, a liderança da Ordem dos Enfermeiros. Desde então toda a sua conduta foi muito falada, quer por se ter candidatado sem o número mínimo de anos necessários para o efeito – 15 anos – quer por declarações polémicas sobre a eutanásia. Negando-se a falar sobre isso, Ana Rita Cavaco não hesita porém em denunciar as condições com que os enfermeiros têm que lidar diariamente. É por eles que se diz disposta a lutar, para lhes garantir as condições para que possam escolher se querem ficar no país ou emigrar. Confira a entrevista da bastonária ao Notícias ao Minuto.

Enfermeiros não podem servir de "arremesso político"

Candidatou-se em dezembro à Ordem dos Enfermeiros. Com que objetivos e ambições?

Exatamente os mesmos que são hoje. Há um esforço muito grande que temos de fazer a bem da profissão. Não nos podemos esquecer de onde viemos, nem nos desviar um milímetro daquilo que dissemos em campanha.

Algumas das medidas defendidas era contratar mais enfermeiros e reduzir as 40 horas de trabalho semanal. Em que ponto estão essas reivindicações?

Sabemos que o país, do ponto de vista financeiro, está numa situação complicada, e defendemos desde o início que a saúde não pode, sistematicamente, servir de arma de arremesso político. Não pode ser desculpa do governo A ou B, tem que ser um compromisso entre todos. Aquilo que nós ouvimos e ficámos muito contentes, mas evidentemente agora queremos ver se é verdade, é que os enfermeiros iriam passar às 35 horas e iria haver mais contratações pelo menos ate à entrada do regime das 35 horas que está previsto para julho. É um compromisso assumido pelo governo para toda a Função Pública. Tem havido uma abertura muito grande por parte do ministério para podermos dialogar e resolver problemas. Mas depois há uma altura em que as coisas têm de passar da intenção. E nos acreditamos que passarão, mas temos que ver.

Enfermeiros insatisfeitos e de 'costas voltadas' para o país

A classe dos enfermeiros é das mais insatisfeitas a nível profissional. Quais são os problemas que mais os indignam?

Sobretudo o problema de não haver o número mínimo suficiente de enfermeiros nos serviços, o que os coloca numa situação de exaustão. Mas não é só isso. Nós fomos uma das profissões mais castigadas durante os últimos anos em tudo: na reformulação, numa série de questões que para nós Ordem são essenciais do ponto de vista da qualidade dos cuidados. Se não há enfermeiros para fazer o básico depois também não os há para dar integração aos outros que vêm novos para os serviços. Toda a gente sabe que enfermeiros em exaustão, são enfermeiros que vão cometer mais erros. Têm uma margem e um risco de erro muito grande. E todas estas questões preocupam muito a Ordem porque são questões que estão a interferir com a segurança das pessoas, das nossas famílias, dos nossos amigos. Os enfermeiros são pessoas também e nós entendemos que temos sido verdadeiros heróis nas condições em que estamos a trabalhar há vários anos. Não é uma decisão continuar assim porque atingimos um ponto em que o país esteve num estado de emergência nacional mas os enfermeiros ainda não saíram de lá.

E não se trata de uma questão de não haver profissionais...

Não, claro que não. Eles todos os anos formam-se, saem milhares para o estrangeiro, não só por não estarem a ser contratados, mas porque os enfermeiros portugueses estão a ser queridos e reconhecidos no mundo inteiro. Os outros países procuram sobretudo e maioritariamente enfermeiros portugueses. Têm uma qualidade de formação muito boa e têm competência. Conseguem na prática exercer competências que enfermeiros de outras países não têm. Eles sentem-se muito valorizados. 

Porque é que isso não acontece em Portugal?

A enfermagem tem sido a profissão que mais evoluiu nos últimos 20 anos em termos técnicos, científicos e académicos. O que nós evoluímos não foi acompanhado em termos de sociedade e mentalidade. E como tal, olha-se para os enfermeiros como uma classe muito especial, um profissional e pessoa muito especial mas ainda não se interiorizou as competências que temos também na área da gestão.

E o que é que a ordem pensa fazer para inverter essa situação e, quiçá, convencer os enfermeiros emigrados a regressar?

Não é uma questão de os convencer. É uma questão de eles poderem ter uma hipótese de escolha. Para já precisamos deles porque há um défice de contratação muito grande, mas independentemente disso nós não queremos que a emigração seja uma coisa forçada. Eles têm o direito de optar. Se eles são precisos aqui, eles é que devem escolher se querem emigrar ou concorrer aqui. Serem forçados a isso é que não é uma opção.

Eutanásia, uma polémica sobre a qual não há nada a dizer

Protagonizou, recentemente, declarações polémicas sobre a Eutanásia dando a entender que havia casos destes, ainda que camuflados, nos hospitais portugueses…

Não vou falar mais sobre isso. Já disse tudo o que tinha a dizer sobre esse assunto. Prestei todos os esclarecimentos e não dei a entender nada. Isso está gravado, já foi debatido.

Mas não quer esclarecer a sua posição sobre o assunto?

Ela está tomada. A posição da Ordem dos Enfermeiros é que se deve fazer uma ampla discussão sobre o assunto . Foi pedido internamente aos nossos órgãos que se iniciassem os procedimentos e os ciclos de debate para que todos os enfermeiros possam dar a sua opinião. Porque a Ordem representa todos. Se o país tomar uma decisão relativamente a isso ou o parlamento ou por referendo, a Ordem tem que garantir é que todos são representados. E só consegue fazê-lo com seriedade se efetivamente ouvir toda a gente.

Não contem com os enfermeiros para "fazer política com o sofrimento das pessoas"

Esteve na passada semana na rua, junto dos enfermeiros de todo o país, numa iniciativa para assinalar o Dia Internacional do Enfermeiro. Como correu?

Muito gratificante. Era uma coisa que todos fazíamos quando trabalhávamos na prática e agora que estamos aqui a tempo inteiro dá para perceber o que já mudou e o que é ainda preciso mudar.

Foi, então, também um trabalho de avaliação que estiveram a fazer?

Se pensarmos numa Ordem cujo objetivo principal é regular o exercício do ponto de vista da segurança das pessoas, como é que se pode fazer isso sem conhecer o o terreno? É impossível. Este é o passo mais importante para nós quando vamos definir competências em novas áreas. Para tudo isso nós precisamos saber o que é que se está a passar nos serviços. Se não soubermos não podemos fazer nada disto.

E que rescaldo é que faz?

Uma coisa é comum em todo o lado: aquele que é hoje o número de enfermeiros no sistema de saúde todo -público e privado – não chega e não há como como contornar esta questão. Podemos ter todos muito boa vontade mas temos decisões a tomar. Desde o início que temos vindo a dizer que não contem com a Ordem dos Enfermeiros para fingir que se brinca com os cuidados de saúde ou para fazer política com o sofrimento das pessoas. Nós temos que dizer claramente e de uma vez por todas que cuidados podemos dar ao país. 

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