Em declarações à Lusa, o investigador que foi revisor do relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas da ONU e que é um dos mais de 30 signatários da carta aberta dirigida ao reitor da Universidade do Porto, diz que a situação lhe parece "um apanhado em que a Universidade do Porto não percebeu bem o que se estava a passar".
Filipe Duarte Santos sublinhou que, apesar de respeitar muito a Academia onde trabalhou um ano, não pode rever-se nesta decisão, defendendo que ela vai contra o que os dados científicos demonstram.
"É no mínimo surpreendente que numa das suas faculdades [a Universidade do Porto] acolha uma conferência em que os seus intervenientes têm um currículo conhecido, no sentido em que são pessoas que negam que a principal causa das alterações climáticas que estamos a observar. E a principal causa das alterações climáticas que estamos a observar são as emissões de dióxido de carbono para a atmosfera que resultam da queima dos combustíveis fósseis", afirmou.
Mais de 30 cientistas de várias instituições do país subscreveram uma carta aberta ao reitor da Universidade do Porto, António Sousa Pereira, em protesto contra a realização de uma conferência de "negacionistas" das alterações climáticas, marcada para sexta-feira e sábado, na Faculdade de Letras.
Os signatários contestam o facto de a Academia "promover uma conferência que vem favorecer a desinformação, credibilizando ideias políticas que visam travar as ações para se conseguir obter a estabilização climática do planeta durante este século", lê-se na carta a que a Lusa teve hoje acesso.
Em declarações à Lusa, o presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, lembra ainda que, segundo inúmeros estudos científicos, "66% das causas das alterações climáticas provêm das emissões de gases com efeitos de estufa (CO2), 11% das alterações do uso dos solos, em particular da desflorestação que ocorre sobretudo nos trópicos, e 24% provêm de outros gases com efeito de estufa que resultam de atividades humanas".
Aquilo que está aqui em causa, acrescenta, "é que as companhias dos combustíveis fosseis, do carvão, do petróleo e do gás natural, não querem que se estabeleça esta relação de causa efeito, que está sustentada pela ciência".
Filipe Duarte Santos acredita mesmo que há uma "intencionalidade" na escolha da data para a realização desta conferência na Faculdade de Letras, uma vez que a mesma coincide com a realização da Marcha Mundial do Clima, a realizar no próximo no sábado, em que são esperadas várias manifestações em Portugal e no Mundo para exigir ações concretas no combate às alterações climáticas.
Segundo as Nações Unidas, "as alterações climáticas estão a afetar todos os países em todos os continentes" e a perturbar as economias nacionais "hoje e ainda mais amanhã".
Os padrões climáticos "estão a mudar, os níveis do mar estão a aumentar, os fenómenos climáticos estão a tornar-se mais extremos e as emissões de gases de efeito de estufa estão agora nos níveis mais altos da história".
Sem ação, alerta ainda a ONU, "a temperatura média da superfície do mundo provavelmente ultrapassará três graus centígrados neste século".
A conferência das Nações Unidas sobre alterações climáticas de Paris, em 2015, obteve o acordo de quase todos os países no sentido de travar o aquecimento global, limitando o aumento da temperatura a menos de dois graus celsius em comparação com a era pré-industrial.
Contactada pela Lusa, fonte da Universidade do Porto afirmou hoje não querer comentar esta carta e que nada mais adiantará sobre o assunto além do que já foi dito na terça-feira.
Em comunicado enviado à Lusa na terça-feira, a Universidade do Porto esclareceu que a realização da conferência "Basic Science of Climate Change: How Processes in the Sun, Atmosphere and Ocean Affect Weather and Climate" "não significa que as posições assumidas pelos seus oradores e participantes sejam um reflexo da visão da Universidade do Porto sobre o tema em debate".