Segundo a investigação de uma organização não-governamental (ONG) britânica há um esquema de branqueamento de madeira russa para a UE, violando as sanções, que só para Portugal tem um valor superior a 100 milhões de euros.
O esquema abrange toda a UE e quer empresas estrangeiras quer comerciantes europeus admitiram, segundo a investigação, com imagens e áudios, ter violado as sanções num processo que chamam "mina de ouro".
A ONG que fez a investigação, "Eartsight", diz que sete dos 10 principais exportadores russos de madeira de bétula continuam a abastecer a UE e os lucros vão para os oligarcas que se encontraram com Vladimir Putin no dia em que a Ucrânia foi invadida.
As florestas, todas estatais, são uma importante fonte de receitas para a máquina de guerra russa, diz a organização.
Na UE empresas que fabricam brinquedos, pavimentos e mobiliário, bem como o maior fabricante mundial de paredes de escalada, foram identificadas como tendo comprado madeira de bétula a exportadores, que admitiram ter transacionado madeira ilegal mas negaram ter cometido qualquer infração.
Com o título "Bétula manchada de sangue: expondo o comércio da UE de contraplacado de conflito", a investigação apanhou empresas, através de câmaras, de chamadas de voz e de documentos internos, a organizar um fluxo constante de madeira russa para a UE cujos compradores são importantes fabricantes.
Elementos da "Earthsight", uma ONG do Reino Unido que utiliza investigações aprofundadas para expor crimes ambientais e sociais, injustiças e as ligações ao consumo global, fizeram-se passar por compradores durante nove meses e gravaram comerciantes a admitirem o crime.
A ONG estima que mais de 500 mil metros cúbicos de madeira saíram da Rússia para países terceiros e depois para a UE desde a imposição das sanções, em julho de 2022. Desses, mais de 30.000 metros cúbicos de madeira, o equivalente a 990 camiões, chegaram a Portugal, com um valor de retalho de 103,1 milhões de euros.
Todos os dias chegam aos portos e fronteiras da UE o equivalente a 20 grandes camiões de madeira (700 metros cúbicos). Os maiores volumes são enviados para a Polónia, seguindo-se a Alemanha, Espanha, Portugal, Itália e Estónia.
A ONG especifica que entre os exportadores russos que continuam a fornecer bétula à UE estão os oligarcas Alexei Mordashov e Vladimir Yevtushenkov, e diz que empresas estatais bielorrussas estão a ajudar no comércio e também a vender produtos de madeira proibidos à UE.
Empresas russas disseram aos investigadores que fazem o branqueamento da madeira através de países como o Cazaquistão ou a Turquia, embora a maior parte da madeira passe pela China.
A "Earthsight" gravou comerciantes a admitir ter comprado, para vender, contraplacado russo ilegal e revela o nome de várias empresas clientes. Diz também que tem vindo a partilhar conclusões com as autoridades de toda a UE, sem grandes respostas, apelando a uma maior liderança nesta matéria por parte da Comissão Europeia.
O documento revela ainda que muitas das empresas envolvidas no contraplacado ilegal proclamam-se como éticas e exibem o certificado FSC, "Forest Stewardship Council", o maior rótulo verde do mundo para a madeira. Acontece com implicados no processo da Polónia, China, Cazaquistão, Estónia, Itália ou Espanha, citados no documento.
A "Tianma Lvjian", empresa chinesa que a investigação sugere ser a maior contrabandista de contraplacado de bétula, ofereceu-se para rotular o contraplacado russo branqueado com um carimbo FSC, ao custo adicional de 50 euros por metro cúbico.
"O facto de tantas empresas se envolverem no contrabando de madeira ilegal enquanto detêm certificados do FSC sublinha falhas estruturais mais amplas dentro do FSC", alerta-se no documento agora divulgado.
A ONG diz ainda que a investigação mostra que apesar do "branqueamento desenfreado" as sanções da UE reduziram o fluxo de madeira russa para a Europa em cerca de 80%, privando exportações russas num valor estimado em 10 mil milhões de euros até fim de 2024 e poupando 100 milhões de árvores.
Mas, salienta, cerca de um quinto do contraplacado de bétula consumido na Europa é madeira ilegal. A Polónia é o maior ponto de entrada na Europa mas a ONG sugere que outros países tomem medidas. E cita-os: Espanha, Itália, Grécia, Alemanha, Bulgária, Estónia, Eslovénia e Portugal.
"Instamos o governo português a investigar todo o contraplacado de bétula que entra no país e a pôr fim ao comércio manchado de sangue", pediu Tara Ganesh, líder da "Earthsight".
Leia Também: Voos de deportação de colombianos nos Estados Unidos retomados hoje