Um doente com uma lesão grave numa mão, decorrente de um acidente de trabalho com uma rebarbadora, foi enviado do hospital S. José, Lisboa, para Gaia por avaria de um microscópio e por indisponibilidade de outros dois hospitais na capital, o Santa Maria e o São Francisco Xavier.
"É público que estamos a atravessar um período que não é de funcionamento normal. Mas anteriormente a este caso, tínhamos aceite dois outros casos de intervenções também de elevada excelência, com grande durabilidade e mesmo com restrição na nossa capacidade operacional cirúrgica. Desta vez não era possível alienarmos oito horas de uma das três salas que tínhamos para responder à urgência", afirmou à agência Lusa o presidente da administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, que integra o Santa Maria.
O Centro Hospitalar de Lisboa Norte é um dos cinco do país onde decorre a greve de enfermeiros em blocos operatórios, que se arrasta há três semanas e vai durar até final do mês.
De acordo com o administrador, a decisão de não receber o doente vindo do São José foi tomada pela equipa clínica e mereceu a concordância da administração, embora Carlos Martins rejeite falar em recusa do doente.
"Não recusámos o doente. À terceira não conseguimos, pela programação de urgência que tínhamos. Embora seja inopinada, temos diariamente 1.000 doentes em urgência e respondemos de Melgaço a Maputo. A avaliação feita foi essa e o doente foi tratado com o que de melhor há no Serviço Nacional de Saúde (SNS)", acrescentou Carlos Martins.
Segundo documentos a que a agência Lusa teve acesso, o caso aconteceu na quarta-feira com um homem de 38 anos, que sofreu um trauma grave na mão direita que necessitava de cirurgia.
O homem foi enviado do hospital de Setúbal para o hospital de São José, onde deu entrada cerca das 18:00.
A equipa de cirurgia plástica e reconstrutiva considerou que "dada a avaria do microscópio CPR e necessidade de meios de grande ampliação para sucesso cirúrgico" não existiu "capacidade para intervenção" no hospital S. José, "à semelhança [do que aconteceu] desta semana e semanas anteriores".
De acordo com os documentos a que a Lusa teve acesso, o caso foi discutido com o chefe de equipa de urgência e com a direção clínica e foi decidida a transferência do doente "para outra instituição com capacidade para a intervenção".
O hospital de S. José tentou transferir o doente para o hospital de Santa Maria (Centro Hospitalar Lisboa Norte), que recusou. Depois, foi feita nova tentativa para o Centro Hospitalar Lisboa Ocidental (hospital S. Francisco Xavier), mas esta unidade tinha uma intervenção a decorrer e não pôde também receber o doente.
Pelas 21:00, três horas depois de ter dado entrada em S. José, o serviço de cirurgia plástica e reconstrutiva de Vila Nova de Gaia aceitou receber o doente.
O processo do doente indica que a alta foi decidida às 22:35, ou seja, quatro horas depois de ter dado entrada no S. José, tendo sido determinada a sua transferência para Gaia.
Segundo disse à agência Lusa um profissional de saúde do hospital de Vila Nova de Gaia, o doente acabou por entrar no bloco operatório em Gaia já depois das 07:00 de hoje.
Entretanto, O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, a que pertence o São José, afirmou já que deu indicações para a compra de um microscópio cirúrgico.
Em resposta à Lusa sobre o caso, a administração justificou ainda que as transferências deste tipo de doentes, quando necessárias, são "equacionadas entre hospitais com serviços de urgência de cirurgia plástica idóneos e com a capacidade de resposta que a complexidade da situação clínica exige".