"Os enfermeiros não podem continuar a ser tratados como escravos"

Lúcia Leite, presidente da Associação Sindical dos Enfermeiros Portugueses (ASPE) é uma das entrevistadas de hoje do Vozes ao Minuto.

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Melissa Lopes
08/02/2019 09:30 ‧ 08/02/2019 por Melissa Lopes

País

Lúcia Leite

Se a relação entre o Governo e os enfermeiros já estava tensa, com o decorrer da segunda fase da greve cirúrgica e com o primeiro-ministro a considerá-la "ilegal" e "selvagem",  a situação agudizou-se esta quinta-feira quando o Conselho de Ministros aprovou a necessidade de decretar a requisição civil - cujos efeitos são imediatos - , sustentada no argumento do incumprimento dos serviços mínimos por parte dos enfermeiros. O Presidente da República não contestou a decisão do Governo e considerou "intolerável" que a resposta dos enfermeiros passe por faltar ao serviço. 

A revolta aumentará, teme a presidente da Associação Sindical dos Enfermeiros Portugueses, Lúcia Leite, em entrevista ao Notícias ao Minuto.

A responsável garante que os serviços mínimos foram cumpridos e acusa o Governo de ter agido de má-fé e de ter criado um "estratagema" para fundamentar o recurso à "bomba atómica". Daqui em diante, avisa, vai ser "difícil" controlar "as vontades" dos enfermeiros que estão cada vez mais revoltados. 

Como reage à decisão do Governo de decretar a requisição civil da greve dos enfermeiros?

Esta atitude já estava previamente anunciada e já se percebia que as orientações que o Governo tinha dado aos Conselhos de Administração das instituições em greve tinham por objetivo decretar a requisição civil. Iremos cumprir porque os enfermeiros são cidadãos cumpridores. Irão cumprir o que for decretado e o sindicato vai reunir-se para avaliar o que fará a seguir. 

E o que fará a seguir poderá passar por que tipo de ações?

Neste momento não lhe posso dizer em termos de decisão do sindicato qual é a estratégia, a direção tem vários elementos, temos de ponderar várias situações.

A requisição civil vai aumentar a revolta dos enfermeiros

Mas pode passar por ameaças de demissão?

Ameaças de demissão são o que nos chega como vontade que os enfermeiros nos vão manifestando de solução, como também as faltas coletivas, e outras. O que me parece é que esta requisição civil não vai diminuir, pelo contrário, vai aumentar a revolta dos enfermeiros, que veem que além do fecho de negociações de forma unilateral por parte do Governo, também os impediram de lutar por aquilo que são os seus direitos. Não sei muito bem o que é que vai acontecer. O sindicato não vai atuar em nada que seja ilegal, isso com certeza que não, mas como é que se controlam essas vontades genuínas de quem está revoltado é que vai ser difícil.

Tendo em conta as palavras do primeiro-ministro, que considerou a greve dos enfermeiros “selvagem” e “ilegal”, e agora a requisição civil, não sente que a negociação com o Governo pode ter chegado a um beco sem saída?

A negociação foi fechada unilateralmente pelo Governo no dia 30 de janeiro. Portanto, o beco sem saída só acontece se o Governo se mantiver na posição irredutível de não querer negociar efetivamente com os enfermeiros. Neste momento, passou a ser uma luta política que está ao mais alto nível, onde o senhor primeiro-ministro está a gerir as expetativas relativamente aos resultados eleitorais.

[António Costa] está pouco incomodado com a situação em que os enfermeiros sobreviveram ao longo dos últimos anos e em que continuarão a sobreviver daqui para a frente. Esta é uma posição típica de um poder político que ignora os cidadãos, que pouco se importa com os seus problemas diários e que está pouco importado em resolvê-los. O que os políticos pretendem é manter o seu nível de popularidade e conseguir ganhar eleições. E é isso que é o mais importante para o senhor primeiro-ministro.

Criar as condições para poder usar a bomba atómica. Foi isso que o primeiro-ministro fez  Considera, então, que a forma como o primeiro-ministro está a lidar com a greve cirúrgica tem como objetivo obter ganhos eleitorais?

Obviamente. Neste momento, mais do que ser justo e correto com os enfermeiros, tem tomado posições de ataque - que são lamentáveis -  a uma profissão que é reconhecida pela sociedade nacional e mundial como das profissões com princípios de ética e deontologia mais elevadas. E, portanto, neste momento, vale tudo. É o que sinto que está a acontecer. As instruções dadas pelo Ministério da Saúde às instituições para agendarem exclusivamente doentes prioritários, fazendo crer à população que não estávamos a cumprir os serviços mínimos, eram os fundamentos de que o primeiro-ministro precisava para pedir uma requisição civil. Chama-se a isto criar as condições para poder usar a bomba atómica. Foi isso que o primeiro-ministro fez. 

Até onde é que os sindicatos estão dispostos a ir nesta greve?

Os sindicatos, seja com esta greve cirúrgica, seja com qualquer forma de luta, não vão desistir de lutar por aquilo que é justo para os enfermeiros. Permita-me que diga o seguinte: Há dois dias [na segunda-feira], a ACSS (Administração Central de Serviços de Saúde) enviou orientações relativamente ao descongelamento das progressões dos enfermeiros.

E, mais uma vez, as orientações não cumprem a palavra que a senhora ministra nos deu, que foi fazer um tratamento igual entre os enfermeiros que são contratos individuais de trabalho e os enfermeiros que são funcionários públicos. Foram deixados de fora os enfermeiros com contratos individuais de trabalho, que não vão ter o descongelamento da carreira, tendo em conta as orientações que foram dadas. O que significa que mais de 50% dos enfermeiros vão ver apagados todos os anos de serviço que tiveram ao longo dos últimos 15 ou 20 anos.

O que o Governo está a fazer é um roubo descarado aos enfermeiros

O descongelamento das carreiras é a principal reivindicação, ou seja, aquela de que os enfermeiros não abdicam mesmo?

O descongelamento das carreiras é impossível de abdicar. O senhor primeiro-ministro quando anunciou as regras do Orçamento do Estado veio dizer publicamente que os enfermeiros seriam dos mais beneficiados e, neste momento, o que nós vemos é que praticamente nenhum enfermeiro vai progredir a uma posição remuneratória pela forma como eles exigiram a implementação das regras. Os enfermeiros têm situações muito particulares que têm a ver com as alterações que foram feitas nos últimos anos.

Em 2009 foi alterada a carreira – uma coisa que os enfermeiros nunca aceitaram – e foi alterada a tabela remuneratória. À data, os enfermeiros, maioritariamente ganhavam abaixo daquilo que era considerado o ordenado mínimo de enfermeiro. Em 2010, saiu legislação que fez a integração na nova tabela remuneratória, faseadamente, 2011, 2012, 2013. E ao abrigo de um acordo coletivo de trabalho é que foi reconhecida aos enfermeiros, ao abrigo do Código do Trabalho, que podiam ganhar o ordenado mínimo. Quer dizer que estes enfermeiros estiveram desde 2010 até 2015 a ganhar abaixo do ordenado mínimo dos enfermeiros.

E agora, para o descongelamento, só querem contar pontos a partir do ano 2015. O que significa que não vão ter pontos suficientes para mudar uma posição remuneratória. Desses, alguns fizeram a especialidade. E, neste momento, com o diploma que o Governo quer publicar – e que negociou com os sindicatos – quer fazer uma transição automática para a categoria de enfermeiro especialista e com isso anular todos os pontos que estão acumulados e que não permitiam a progressão.

Na prática, o que o Governo está a fazer é um roubo descarado aos enfermeiros. E, ainda por cima, está a tentar aparecer aos olhos do cidadão comum, que não tem a informação toda, como se os enfermeiros quisessem mundos e fundos. Os enfermeiros querem ser reconhecidos como outros profissionais, querem ter direito a ver a sua formação académica reconhecida na remuneração como os outro profissionais têm, não pediram nada de mais a não ser um tratamento de igualdade. E se encontraram formas de luta com o impato que está a ter [a greve cirúrgica] foi porque não encontraram alternativa nos últimos 20 anos. Houve manifestações, várias greves, o ano passado e em anos anteriores.

Enfermeiros estão a ponderar avançar para situação de rescindirem os seus contratos de trabalho com o empregador. Temo revoltas que se aproximem da dos Coletes Amarelos franceses

Esta greve cirúrgica foi quase como um último recurso?

Não vou dizer que é o último recurso porque neste momento os enfermeiros estão a ponderar avançar para uma situação idêntica ao que fizeram os enfermeiros na Finlândia, há uns anos.

Que foi?

Rescindirem os seus contratos de trabalho com o empregador. Os enfermeiros da Finlândia resolveram os seus problemas, ao fim de dez anos de lutas, dessa forma. Tiveram que dizer: ‘assim também não trabalhamos mais’. Temo que estas posições irredutíveis do senhor primeiro-ministro, de fecho de negociações, de forma unilateral, prejudicando declaradamente os enfermeiros, e agora a requisição civil, possam levar a revoltas que se aproximem da dos Coletes Amarelos franceses e da posição que os filandeses assumiram, porque os enfermeiros não podem continuar a ser tratados como escravos neste sistema.

Sente esse desânimo e essa revolta crescente nos enfermeiros?

Sinto. Tenho tido o cuidado de manter alguma serenidade, de procurar que não haja atitudes intempestivas e que possam prejudicar toda a gente, nomeadamente também os cidadãos, que obviamente precisam dos enfermeiros. Tenho procurado que haja ponderação, mas temo que esta atitude possa levar a alguma escalada.

No que depender do sindicato, a nossa recomendação é que seja cumprida a requisição civil nos termos em que forma decretada, sem nenhuma arruaça, até porque os enfermeiros são profissionais que normalmente cumprem a lei, não são como os políticos que usam todos os estratagemas para se manter no poder. Os enfermeiros vão cumprir e vão encontrar outras formas, enquadradas na lei, que lhes permita reivindicar aquilo que consideram ser um direito de há muito tempo e que esperam com alguma passividade há bastantes anos que haja bom senso e que lhes deem atenção às suas necessidades e que neste momento são tratados como selvagens e criminosos. Não sei o que é que primeiro-ministro espera de uma profissão de 42 mil enfermeiros.

Os enfermeiros sabem o que é que passam quando precisam de conseguir um médico para um doente que precisa deleTem-se assistido já a uma escalada de tensão, não só entre o Governo e os sindicatos, mas também entre os sindicatos e a Ordem dos Médicos, tendo inclusivamente Miguel Guimarães vindo reagir a afirmações suas…

A primeira questão que eu quero salientar que não há memória de que haja comunicados nem intervenções de enfermeiros acerca das greves dos médicos, nem me parece que os enfermeiros tenham feito juízos de valor acerca dos médicos quando eles fazem as suas reivindicações, nem sempre justas para os utentes, e os enfermeiros sabem o que é que passam quando precisam de conseguir um médico para um doente que precisa dele. Às vezes parece que estamos a pedir para nós. É inédito que uma profissão se ache no direito de tomar essas posições públicas e antagónicas em relação a outra profissão da qual parte do seu trabalho depende bastante. Quero aproveitar para explicar que as minhas declarações na TVI não tiveram nenhum o objetivo de fazer nenhum ataque nem diminuição à classe médica.

Foram declarações que o bastonário considerou serem falsas e irresponsáveis.

Não foram nenhum ataque. Foram objetivamente factuais. Uma grande parte da intervenção dos médicos – sobretudo nos serviços hospitalares – são operacionalizadas pelos enfermeiros. Uma prescrição médica não sai do papel se não for operacionalizada por um enfermeiro. Quando disse que vivem melhor os enfermeiros sem os médicos do que os médicos sem enfermeiros, não quis diminuir em nada os médicos. Quis dizer que quando os enfermeiros passam as suas prescrições autónomas, não precisam de ninguém para as operacionalizar, e os médicos efetivamente quando prescrevem um medicamento precisam que alguém o administre, quando prescrevem um determinado tratamento, cuidado ou monitorização, precisam que  seja um enfermeiro a salvaguardar essa prescrição, se não não sai do papel, não chega ao doente.

No fundo precisam uns dos outros, não?

Ora aí está. Mas isso eu disse também nas minhas declarações. Fui atirada para essa expressão pelo Miguel Sousa Tavares. E a primeira coisa que digo é que não há nenhuma supremacia de uma profissão em relação à outra. Ambas precisam uma da outra, obviamente, em benefício daquilo que são os cuidados doente. Mas fazer crer que estamos no século passado, em que os enfermeiros não podiam casar – neste caso as enfermeiras porque somos uma profissão maioritariamente feminina – e que viviam da vocação e da caridade, isso já acabou.

Somos uma profissão e temos o direito de ser tratados com a mesma dignidade que outras profissões e que sejam cumpridas as leis laborais, ou seja, o Código do Trabalho, que é uma coisa que nenhuma instituição cumpre neste momento em relativamente aos enfermeiros com contrato de funções públicas. Todas as instituições do SNS deste país - e as privadas também, algumas delas - não cumprem o Código do Trabalho para manter os enfermeiros a trabalhar por turnos nas condições que os têm a trabalhar. Sejam sérios, querem falar de lei, querem falar de direito, de cumprir aquilo que são os princípios legais, deem o exemplo, e não venham agora acusar de ilegais e selvagens os enfermeiros que se têm submetido a todas estas situações e injustiças para defender os interesses os doentes.

Se o Governo entende que existem intervenções por parte da Ordem [dos Enfermeiros], tem mais é de atuar e não vir anunciar coisas como cortar relações e levantar suspeiçõesO Governo cortou relações institucionais com a Ordem dos Enfermeiros alegando que Ana Rita Cavaco extravasou aquelas que são as funções de uma ordem profissional no que diz respeito à greve cirúrgica, acabando até por considerar que a bastonária violou a lei. Como comenta esta decisão do Executivo?

Acho estranho. Não me parece que quando alguém viola a lei que a forma de a resolver seja cortar relações institucionais. Parece-me um bocadinho faits-divers. Se há suspeições ou se há factos concretos, então atue-se pelas vias legais. Não quero propriamente comentar essa questão, nem vou comentar aquilo que têm sido as iniciativas da senhora bastonária – tomou-as com certeza com a consciência do que estava a fazer e conhecendo o enquadramento da lei que rege o funcionamento da Ordem dos Enfermeiros. A mim não me compete fazer comentários acerca disso. Agora, se o Governo entende que existem intervenções por parte da Ordem, tem mais é de atuar e não vir anunciar coisas como cortar relações e levantar suspeições. Isso não me parece de um Estado de direito, onde os políticos são responsáveis, com ética e deontologia profissional.

É preciso esclarecer uma questão muito importante: Os doentes foram colocados em risco nesta greve?

Não é verdade. E os jornalistas têm um papel fundamental, também para não se deixarem instrumentalizar por este discurso político que quer manipular a opinião pública para resolver um problema que os políticos não querem resolver e para os quais se recusam a encontrar soluções. Os sindicatos sempre estiveram disponíveis para negociar, sempre encontrámos posições de aproximação e sempre pedimos que fosse faseada a resolução do problema porque entendemos que não podem resolver num ano aquilo que foram os prejuízos causados a uma profissão ao longo de 20 anos. Sempre dissemos isto e sempre atuámos desta forma.

Relativamente aos serviços mínimos, sempre nos apresentámos ao serviço, demonstrando a nossa boa vontade para operar todos os casos urgentes. O que aconteceu, nos últimos dias, foi uma ação concertada, de má-féMas foram cumpridos os serviços mínimos?

Relativamente aos serviços mínimos, sempre nos apresentámos ao serviço, demonstrando a nossa boa vontade para resolver os problemas dos doentes e operar todos os casos urgentes. O que aconteceu, nos últimos dias, foi uma ação concertada, de má-fé, para criar condições ao senhor primeiro-ministro para poder decretar a requisição civil. Os doentes prioritários, de acordo com a lei e com os tempos de resposta máxima garantida, têm tempos para ser atendidos. Quando temos um doente prioritário que tem ainda 15 dias para ser agendado, não é o facto de ser adiado hoje que põe em risco a sua situação. Obviamente que todos os doentes queriam ser operados no primeiro dia e na primeira hora, todos acham que a sua situação é prioritária.

Quem tem de gerir essas prioridades é a equipa médica. E, neste momento, o que a equipa médica fez foi criar motivos do ponto de vista público para denegrir a imagem e querer fundamentar que os enfermeiros não estavam a cumprir os serviços mínimos. Garanto-lhe que se os sindicatos levarem esta situação a tribunal e o tribunal se pronunciar em tempo útil, os enfermeiros terão razão, porque os enfermeiros estão a cumprir mais do que o número de profissionais do que aquilo que o tribunal arbitral está a decretar.

Ora, mas nós sabemos que o poder judicial demora muito tempo e como demora muito tempo beneficia o infrator, também sabemos como é que se montam estes estratagemas a nível político para se ganhar espaço e poder. O que temos aqui é uma batalha injusta entre um Governo e poderes e os enfermeiros não têm as mesmas armas para poder utilizar. Mas saberemos dar a resposta porque o poder está no povo. Felizmente tivemos o 25 de Abril e eu espero que este país não se deixe condicionar por intervenções que mais parecem ser de países ditatoriais, onde a democracia não é uma realidade, e a manipulação do povo pela comunicação social é uma forma também ela de atentar contra a democracia.

Neste momento passaram para último as reivindicações dos enfermeiros. Já ninguém sabe exatamente por que razão acontece  esta greve cirúrgica …

Até agora tem-se estado a falar da espuma, do crowdfunding, como é que foi organizada a greve, das reivindicações, os cadernos reivindicativos são dados negociais, não são coisas intocáveis – em termos de negociações fizemos outras propostas mais aproximadas à posição do Governo.

Tem novos dados sobre quantas cirurgias foram adiadas nesta segunda fase da greve cirúrgica (que se iniciou no dia 31 de janeiro)?

Deixamos de dar informações sobre isso, até porque o Governo o faz muito bem, começou a dar esses dados de forma oficial. Não precisamos de dizer quantas cirurgias foram canceladas até porque esse dado não nos orgulha em nada. A única coisa que nos orgulha é que as salas operatórias estão a ser utilizadas para atender doentes oncológicos e prioritários que eventualmente seriam operados em tempos muito mais prolongados do que aquilo que está a acontecer. O sistema está a ajustar-se à greve, está priorizar os doentes que precisam das suas cirurgias. Orgulha-nos muito que esteja a acontecer. Outra coisa é o Governo e as instituições entenderem que os serviços mínimos são self-service: hoje preciso de três equipas de mínimos, amanhã preciso de quatro. Estão de má-fé a agendar os doentes, a tentar demonstrar que não estamos a cumprir, o que não é verdade.

Sobre o crowdfunding [sobre o qual o PS revelou ter intenção de proibir donativos anónimos], percebe o porquê desse financiamento suscitar dúvidas quanto à sua moralidade?

Percebo que esta situação inédita, que encontrar formas de parar um número pequeno de enfermeiros para ter este impacto incomoda as pessoas, mostra um poder que pode ser usado de forma subversiva. Compreendo esse tipo de preocupações. Já quanto ao financiamento e à sua origem, acho que no fundo se está a usar esse argumentos para denegrir mais uma vez a imagem e criar suspeições sobre os sindicatos e os enfermeiros.

Basta eu explicar que se todos os enfermeiros, que são 42 mil, fizerem um dia de greve, veem esse dia descontado do seu salário. Se os enfermeiros – 42 mil – entregarem ao crowdfundig o correspondente ao dia de greve que não vão fazer são 1 milhão e 700 mil euros. E, portanto, um dia de greve não tem o mesmo impato que 40 dias de greve de poucos hospitais. O que encontramos foi uma forma de o Governo e de o poder político estar obrigado a ouvir-nos, que foi aquilo que não conseguimos até agora.

Não acredito que exista financiamento com nenhum interesse oculto. Os enfermeiros estão efetivamente a mobilizar-se de forma voluntáriaNão poderá haver algum interesse oculto por trás desse financiamento?

Não acredito que exista financiamento com nenhum interesse oculto. Os enfermeiros estão efetivamente a mobilizar-se de forma voluntária, com uma organização informal, através das redes sociais, dando ideias, partilhando estratégias para serem implementadas. Esta é uma luta de todos, não é só destes sindicatos. É uma luta de todos os enfermeiros, independentemente de serem sindicalizados ou não, ou em que sindicatos estão sindicalizados. Recebo centenas de mensagens por dia a pedir-me que não desista desta luta e que dê visibilidade aos problemas dos enfermeiros como até agora ainda não foi possível dar.

E estão a conseguir dar essa visibilidade aos problemas dos enfermeiros?

Estamos a ter sucesso, só ainda não conseguimos fundamentar os problemas. Isso tem-se virado contra nós. Se as pessoas não entendem os motivos – que não são uma questão de aumentos salariais mas sim de igualdade no tratamento – obviamente que dito desta maneira … Há muita contra-informação e informação falsa que tem por objetivo diminuir a força e a mobilização dos enfermeiros.

Mas o que está a acontecer é o contrário. Não preciso de motivar os enfermeiros para fazer greve nem para continuar nesta ação de luta. A senhora ministra da Saúde e o senhor primeiro-ministro fazem isso muito bem, garanto-lhe. Cada vez que tratam os enfermeiros da forma como têm estado a tratar mobilizam até aqueles que eram descrentes. Começamos com uma dimensão de profissionais apoiantes desta greve e neste momento temos quase uma profissão a olhar para nós na esperança de que consigamos resolver, de uma vez por todas, aquilo que sucessivos governos não querem resolver.

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