"Tenho pena de que não se faça este referendo. Ando a pedir e ando a sugerir pelo menos há um par de anos que o Partido Socialista tome esta iniciativa de promover um referendo do alojamento local. Não o fez, preferiu integrar-se ou associar-se a este movimento de ativistas e, pelos vistos, a coisa não correu bem", afirmou Miguel Coelho, em declarações à agência Lusa.
Em causa está a decisão do Tribunal Constitucional sobre a proposta de um referendo local sobre o alojamento local em Lisboa, em que determinou "não dar por verificada a legalidade" desta iniciativa popular devido à ausência de "um controlo efetivo das assinaturas" necessárias neste âmbito, à falta de um parecer do presidente da Câmara de Lisboa sobre o assunto e por considerar que as perguntas formuladas, inclusive quanto à proibição de estabelecimentos de alojamento local em imóveis destinados a habitação, "são inequivocamente desconformes com o quadro legal".
"Tenho pena de que o referendo não tenha sido validado, porque se perdeu uma grande oportunidade para pedir aos lisboetas uma opinião sobre algo que eu considero que está a retirar o direito à habitação de muita gente", afirmou o autarca de Santa Maria Maior, freguesia no centro histórico de Lisboa e um dos territórios mais afetados pelo alojamento local.
O socialista, que termina este ano o último mandato como presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior (o terceiro consecutivo), reforçou a necessidade de se realizar o referendo na cidade, desconhecendo qual poderá ser o desfecho final do processo.
A Lusa questionou o Movimento Referendo pela Habitação, responsável pela iniciativa popular, que indicou estar a "analisar em profundidade o acórdão e a deliberar sobre os próximos passos", perspetivando mais informação nos próximos dias.
A Assembleia Municipal de Lisboa (AML) também foi questionada, mas ainda não respondeu. Em 03 de dezembro, este órgão aprovou a conversão da iniciativa popular para um referendo local sobre alojamento local, com votos a favor de PS, BE, PEV, PAN, Livre e dois deputados não inscritos (Cidadãos por Lisboa, eleitos pela coligação PS/Livre), votos contra de PSD, CDS-PP, IL, PPM, Aliança, Chega e uma deputada não inscrita (que se desfiliou do CDS-PP), e abstenções de PCP e MPT.
Na semana seguinte, a presidente da AML, Rosário Farmhouse (PS), submeteu ao Tribunal Constitucional a deliberação quanto à realização do referendo por iniciativa popular, com as listas de assinaturas dos cidadãos subscritores, que incluem dois lotes, apresentados em momentos diferentes, tendo o último sido entregue para "sanar eventuais vícios" do primeiro.
Eram propostas duas perguntas: "Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local no sentido de a Câmara Municipal de Lisboa, no prazo de 180 dias, ordenar o cancelamento dos alojamentos locais registados em imóveis destinados a habitação? Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local para que deixem de ser permitidos alojamentos locais em imóveis destinados a habitação?".
Para o autarca de Santa Maria Maior, o referendo serviria para "se tirar a dúvida" sobre a posição das pessoas que vivem em Lisboa, tendo em conta "a liberalização" desta atividade económica por parte do atual Governo e "o fechar de olhos" da câmara.
Miguel Coelho disse ainda que o presidente do município, Carlos Moedas (PSD), "é um dos grandes responsáveis pela proliferação do alojamento local na cidade".
Com a inviabilização do referendo, perspetivou, "todos os grandes investidores nesta área vão sentir-se encorajados a pressionar ainda mais as pessoas para deixarem as suas casas". No seu entendimento, "isto é uma tragédia", sobretudo para quem tem casa arrendada e quer continuar a viver no centro histórico, porque pode haver um aumento do valor das rendas.
"Para quem tem casa própria, mas que, apesar de tudo, tem dificuldades, também vai ser mau, porque a pressão para vender vai ser muito grande", antecipou.
Atualmente, por proposta do PS no executivo, estão suspensas novas licenças de alojamento local em todo o território da cidade, onde o rácio entre alojamentos familiares clássicos e alojamentos locais é de 7,2%, ultrapassando o máximo previsto de 5%. Essa suspensão manter-se-á em vigor até à entrada em vigor da alteração ao Regulamento Municipal do Alojamento Local, que está em processo de consulta pública.
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