Doente do IPO Porto sem sinais de cancro após "tratamento revolucionário"

A 'magia' acontece num laboratório dos EUA, mas é no IPO do Porto que são visíveis os efeitos. O tratamento com infusão de células CAR-T começou a ser administrado em maio deste ano e há já um doente sem sinais da doença há mais de 80 dias.

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Filipa Matias Pereira
11/11/2019 08:15 ‧ 11/11/2019 por Filipa Matias Pereira

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Cancro

O IPO Porto deu em maio, deste ano, um passo rumo ao que poderá revelar-se um tratamento revolucionário do cancro, nomeadamente dos tumores líquidos. Falamos da infusão das células CAR-T, cuja investigação valeu a James Patrick Allison e Tasuku Honjo o Prémio Nobel da Medicina de 2018. Em Portugal, há um doente que está sem sinais da doença há mais de 80 dias. 

Por cá são o Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto e de Lisboa que estão habilitados para administrar a terapêutica que, recentemente, fez correr muita tinta quando o Brasil anunciou a cura de um paciente de 62 anos portador de um linfoma

Cerca de 20 dias após a infusão das células, indicam os médicos que Vamberto Castro já não tem sinais da doença. As células cancerígenas no organismo do paciente brasileiro terão desaparecido. 

Mas será correto falar em cura? Esta foi uma das questões para a qual o Notícias ao Minuto procurou resposta junto do diretor da Clínica de Onco-Hematologia do IPO do Porto, José Mário Mariz, para quem falar em cura é ainda “precoce”. Mas o especialista deu conta dos avanços que em Portugal se têm alcançado com o tratamento. 

[O tratamento] que está a ser comercializado está aprovado apenas para os linfomas e para as leucemias linfoblásticasEm que consiste o tratamento?

A terapia em questão aplica-se a dois tipos de tumores líquidos – linfomas e leucemias – e em doentes cuja doença não está controlada, mesmo depois de terem sido submetidos às terapêuticas convencionais, tais como quimioterapia e radioterapia. 

Apesar da “investigação na área”, que tenta alargar a aplicação “a outras doenças e outras neoplasias, nomeadamente tumores sólidos, [o tratamento] que está a ser comercializado está aprovado apenas para os linfomas e para as leucemias linfoblásticas, quer um quer outro são de células B”. 

O tratamento consiste na “utilização das células T, que são linfócitos T do próprio doente que são manipulados geneticamente”. Ou seja, o processo tem início com a recolha de linfócitos dos doentes que são posteriormente enviados para um laboratório dos Estados Unidos. E é aí que a ‘magia’ acontece

As células do doente com cancro são geneticamente modificadas para que consigam identificar mais eficazmente as células malignas que contêm determinadas proteínas. Ora, quando o processo está concluído, as células regressam a Portugal, num sistema de refrigeração de -150ºC, e são devolvidas ao sistema imunitário do paciente, que deverá passar a ser capaz de atacar as células cancerígenas

Uma das limitações desta técnica (...) precisamos de quatro a seis semanas para termos o medicamento disponívelA primeira administração deste tratamento no IPO do Porto foi realizada no dia 14 de maio, numa paciente com um “linfoma difuso de grandes células B, que é uma das indicações”. No total, esclareceu o especialista, “já incluímos no programa cinco doentes e em três já fizemos o tratamento”. Porém, um doente “infelizmente morreu antes de as células estarem preparadas”. Esta é, como explicou José Mário Mariz, “uma das limitações desta técnica, já que precisamos de quatro a seis semanas para termos o medicamento disponível”. 

Para lá deste caso, a primeira doente em que foram administradas as células CAR-T morreu devido a “uma toxicidade neurológica [efeitos colaterais provocados no sistema nervoso], rara, mas conhecida. Acabou por falecer ao fim de 14 dias”. 

Mas há boas notícias que se reportam ao caso de um doente que fez o tratamento há 80 dias “e está bem. Tem umas pequenas complicações, mas está controlado. Não há evidência da doença, contudo ainda é cedo para dizermos que está curado”. 

O diretor da Clínica de Onco-Hematologia do IPO do Porto defende que “não existe um período a partir do qual é seguro” falar-se em cura “já que a doença pode sempre voltar”. Porém, estas neoplasias, habitualmente, “não voltam depois de três anos de remissão. Este paciente está sem sinais da doença, mas não posso dizer que está curado”. 

Já quanto ao estadio da doença, “a indicação mínima é que o paciente tenha feito pelo menos dois tratamentos de quimioterapia e não tenha respondido ou a doença tenha voltado após o tratamento ter sido feito duas vezes. Só a partir daí é que haverá indicação para a utilização desta tecnologia”. 

Apesar dos resultados animadores, o tratamento com células CAR-T implica “muita toxicidade”. A  “própria empresa que produz o produto obriga que o doente esteja internado junto a uma unidade de cuidados intensivos nos primeiros dias após a infusão. Isto porque sabemos que há um potencial muito grande de complicações. Na maioria das vezes essas complicações têm solução, mas infelizmente há sempre um ou outro caso em que não conseguimos”. 

É de facto um tratamento revolucionário que vai ajudar muita gente, mas está longe de ser a solução para tudoE o custo?

Para já, em Portugal o tratamento é aplicado a oito doentes ao abrigo “de um programa de acesso precoce, isto é, não tem custo”. Depois desse processo, compete ao Infarmed negociar com a empresa que comercializa o tratamento qual o custo final. “Não sabemos qual será o custo em Portugal, mas sei que nos EUA se exige de imediato uma caução de dois milhões de dólares. Sei que na Alemanha há um hospital público que pede a um estrangeiro 470 mil euros. Um valor que pode aumentar se houver complicações”, nomeadamente pelos custos de internamento na unidade de cuidados intensivos. 

Se este é um tratamento revolucionário? José Mário Mariz não tem dúvidas: “Este é de facto um tratamento revolucionário que vai ajudar muita gente, mas está longe de ser a solução para tudo”. 

Em causa está o facto de “demorar muito tempo a ser produzido. Temos um compasso de espera que muitos doentes não aguentam”. Depois, “neste curto período de tempo já temos a experiência que também não funciona em todos os casos, uns pela toxicidade outros porque simplesmente não funciona”. 

Aliás, acrescentou o hematologista, “o ensaio clínico que sustentou esta aprovação mostra que ao fim de dois anos só 39% dos doentes é que se mantêm sem evidência da doença. O tratamento é de facto revolucionário, é diferente de tudo o que fazíamos até agora, mas está longe de ser a solução para todos os males”, rematou. 

Leia Mais: IPO administra terapia para cancro com células geneticamente modificadas

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