"No pior dos cenários, nunca perderemos o controlo da situação"

O primeiro-ministro António Costa foi entrevistado esta noite de segunda-feira na TVI. Respondendo às questões de Miguel Sousa Tavares e de José Alberto Carvalho, o chefe do Governo admitiu que não "vai ser um mar de rosas", voltou a elogiar o comportamento dos portugueses e admitiu que "gostava de ter uma bola de cristal para poder dizer como vamos estar em setembro".

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Melissa Lopes
23/03/2020 20:50 ‧ 23/03/2020 por Melissa Lopes

País

Covid-19

"Acho que este não é o momento para graduar qual é o susto. Aquilo que todos temos de ter consciência é da emergência que estamos a enfrentar e, simultaneamente, evitar um pânico generalizado. Isso seria duplicar o risco do vírus" , começou por afirmar António Costa, em entrevista na TVI

E passando de imediato aos elogios, afirmou: "E, é por isso que acho que tem sido notável a reação dos portugueses, mesmo antes de ter sido decretado o estado de emergência, havia uma enorme contenção". 

Perante este enorme desconhecido que é o vírus, o primeiro-ministro recordou "uma regra básica" mas fundamental: "Quanto menos contactarmos uns com os outros, menor é o risco de contaminar terceiros e de sermos contaminados."

"Tudo o que eu dissesse para diminuir a dimensão da emergência seria um erro. As pessoas têm de estar conscientes dessa emergência. Mas temos de ter também a calma suficiente para não entrar em pânico", reforçou, vincado que "as crianças têm sido particularmente adultas na forma como têm aceitado esta situação". 

"Até agora não faltou nada e não é previsível que venha a faltar o quer que seja"

Questionado sobre se faltam médicos, camas, ventiladores e outros equipamentos, Costa disse que essa tem sido "a preocupação que todos temos tido". "Até agora não faltou nada e não é previsível que venha a faltar o quer que seja"

Os médicos e o pessoal clínico têm estado a fazer um "grande esforço" e "os portugueses também tem tido uma atitude muito responsável", voltou a elogiar o chefe do Executivo, dando como exemplo a redução da afluência às urgências e centros de saúde. Paralelamente, "houve já um reforço de mil médicos de 1800 enfermeiros. Houve um reforço muito grande da capacidade de resposta da Linha de Saúde 24, para diminuir a pressão sobre o conjunto do sistema"

Governo comprou 500 ventiladores à China

"Relativamente às situações mais graves, temos hoje 47 [doentes infetados com Covid-19] nas Unidades de Cuidados Intensivos. No conjunto do sistema, sem estarem afetos a blocos operatórios e unidades de queimados, temos 1.142 ventiladores. A margem ainda é muito significativa", considerou, sublinhando que o Estado está a adquirir mais ventiladores. 

"Fizemos ontem o pagamento de 10 milhões de dólares para a aquisição de 500 ventiladores na China, e que chegarão progressivamente até ao dia 14". Ao mesmo tempo, disse, "tem havido donativos vários, da EDP, com 50 ventiladores que foram mobilizados. Uma investidora chinesa fez uma doação de 78 ventiladores que hoje foram entregues na embaixada portuguesa em Pequim para os os hospitais da área metropolitana de Lisboa. Há um movimento muito grande". 

Há 2 mil camas de reserva nas Forças Armadas

"Temos camas no SNS que estão com capacidade de acolher aquilo que é estimável como o crescimento progressivo que ainda vamos ter de doentes. Temos acordado com o setor privado a possibilidade de transferir doentes - não propriamente doentes com coronavírus -  para os hospitais privados, libertando espaço no SNS. E ainda nas Forças Armadas, "temos cerca de duas mil camas de reserva que estão disponíveis. Estamos a realizar obras para permitir a reabertura do hospital militar na Ajuda que abrirá na próxima segunda-feira já com um piso e as obras continuarão nos outros pisos. Estamos a ganhar capacidade". 

Não vamos atingir o ponto de rutura. É para isso que estamos a trabalhar

Compra de material tem sido "gigantesca"

Quanto ao material de proteção individual para os profissionais de saúde, o primeiro-ministro recordou que existe uma reserva estratégica e que tem vindo a ser disponibilizada. "Hoje, a DGS publicou - ou vai publicar- uma norma sobre o material de proteção individual adequado ao nível de risco", frisou, sublinhando a "compra gigantesca" de material para reforçar os recursos existentes. 

SNS "não vai atingir o ponto de rutura"

António Costa mostrou-se confiante e sereno quanto à resposta do SNS a esta pandemia, acreditando que "não vamos atingir o ponto de rutura". "É para isso que estamos a trabalhar", vincou, mencionando todos as autoridades de saúde responsáveis por traçar o cenário epidemiológico. "Neste momento, o cenário não tem sofrido evolução, e aquilo que se tem vindo a conseguir, com as medidas adotadas, é evitar um pico muito acentuado que poderia conduzir a uma rutura do sistema", notou.

"No pior dos cenários", referiu, "nunca perderemos o controlo da situação", assinalando que, nas últimas duas semanas, o número de casos verificados foi inferior ao número de casos estimados. "Se há algo a apontar aos cenários que têm sido feitos é que pecam por excesso e não por defeito. E isso é essencial".

Medidas estendidas para lá dos 15 dias? 

Costa avisou ainda que a "achatar" a curva é prolongar a duração da epidemia e que isso é positivo mas obriga a que as medidas que estão a ser adotadas por 15 dias, "têm que ser para mais tempo", abrindo assim portas ao estender do estado de emergência. 

Recusando fazer comparações com as curvas epidemiológicas de outros países severamente afetados pela Covid-19 [Itália e Espanha], o primeiro-ministro voltou a colocar o foco na importância dos gestos que cada um de nós, individualmente, pode e deve ter para fazer a diferença. "Gestos tão habituais como esse, mexer no olho, são gestos que temos de contrariar", exemplificou, insistindo também no cumprimento do isolamento social. 

Uma das piores coisas que podemos fazer neste cenário é politizar aquilo que é a decisão técnica. E os políticos têm de ter a humildade de acatar a opinião técnica.

"Uma das piores coisas que podemos fazer neste cenário é politizar aquilo que é a decisão técnica. E os políticos têm de ter a humildade de acatar a opinião técnica. Muitas vezes é difícil, porque vai contra o que é o senso comum, e o político tende a ter dificuldade em não seguir aquilo que é a pressão pública, mas nós temos de ter essa maturidade democrática de resistir à tentação do senso comum", afirmou António Costa, defendendo que cabe à DGS a definição do protocolo e ao Governo compete-lhe criar as condições para a sua aplicação. 

E na economia? Sem bola de cristal, mas tsunami está à vista

Sobre o futuro a médio e longo prazo no plano económico, o primeiro-ministro não ousa 'arriscar' adivinhá-lo. Prefere antes analisar  a situação até onde é possível. 

"Gostava de ter uma bola de cristal para poder dizer como vamos estar em setembro. Aquilo que sabemos é o que podemos prever daqui até junho. Vamos ter esta situação pandémica até final de maio", afirmou, antes de pedir: "Vamos aguentar as coisas como estão, o melhor possível, até ao final de maio", esperando por dados "mais sólidos" em junho. Até lá, "é fundamental não destruir as empresas, os empregos, suportar o rendimento das famílias o melhor possível"

Não há bóias que nos ajudem num tsumani. Um tsunami é um tsunami. E temos um tsunami pela frente"O dinheiro do Estado não é meu, é de todos os contribuintes (...) Este ano prevíamos ter um superavit no orçamento. É evidente que não vamos poder ter. Temos que olhar para esta situação e ver como é que solidariamente vamos poder responder", defendeu Costa, referindo-se aos apoios fiscais das linhas de crédito.

Além disso, deu conta, "estamos a poucos dias de acordar com a banca uma moratória, seja para as famílias com crédito habitação, seja para as empresas, de forma a assegurar maior liquidez", garantindo: "Iremos utilizar todos os recursos que tivermos para, até ao limite do possível, sustentar esta situação. O Estado não tem uma varinha mágica para resolver o problema"

Assinalando que tem que ser um esforço conjunto, entre empresários, trabalhadores e Estado", Costa avisou, todavia, que "não há bóias que nos ajudem num tsumani". "Um tsunami é um tsunami. E temos um tsunami pela frente. Não vale a pena criar a ideia às pessoas de que vamos passar este processo sem dor. (...) Os danos económicos vão prolongar-se", afirmou. 

"Se for necessário impor um quadro sancionatório, imporemos"

Quase a terminar a entrevista, o primeiro-ministro deixou um aviso, depois de ter sido confrontado com casos de desrespeito pelas normas de distanciamento social para evitar a propagação do novo coronavírus.

"Se for necessário impor um quadro sancionatório, imporemos. Mas aquilo que eu quero acreditar é que os portugueses continuarão todos a mostrar a enorme maturidade que têm mostrado e civismo que têm mostrado", declarou.

Neste ponto, António Costa começou por defender que tem sido muito prudente na aplicação do estado de emergência. "Tenho bem consciência do que é que significa o estado de emergência no sentido de dar a um Governo poderes excecionais como aqueles que foram atribuídos agora", referiu.

Segundo António Costa, os poderes excecionais agora detidos pelo Governo têm de ser usados "com muita prudência, porque a liberdade é um bem preciosíssimo que importa saber salvaguardar". "Dissemos que há crime de desobediência para quem está doente ou quem está em vigilância ativa. Por isso, foram detidas sete pessoas no domingo e nove pessoas hoje, e foram reconduzidas ao domicílio. As forças de segurança serão implacáveis", advertiu.

António Costa defendeu depois que esta é uma fase todos os cidadãos têm de possuir disciplina e "muito sangue frio". "É importante que o sentido de comunidade se afirme. Temos de recusar o egoísmo. Acho que temos de nos manter conscientes da gravidade da situação", acrescentou.

[Notícia atualizada às 22h33]

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