"Portugal não tem dimensão para enfrentar sozinho esta situação"

Rui Pena Pires, Sociólogo das Migrações e professor no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

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Catarina Correia Rocha
01/04/2020 09:10 ‧ 01/04/2020 por Catarina Correia Rocha

País

Rui Pena Pires

Rui Pena Pires é sociólogo das Migrações e, numa altura em que a Covid-19 ameaça as populações e altera os hábitos de como nos relacionamos, falou com o Notícias ao Minuto fazendo um panorama do passado, do presente e do futuro.

O professor universitário sublinhou que vivemos em tempos de incerteza em que "há muita especulação sobre o que pode acontecer mas, em rigor, ninguém sabe". Mesmo assumindo não ter "a menor ideia" sobre como se irá comportar a imigração portuguesa em 2020, Pena Pires frisou que, "provavelmente, vem por aí abaixo aos trambolhões." 

Nesta conversa, o sociólogo e coordenador científico do Observatório da Emigração destacou ainda que a grande mobilidade nos dias de hoje prende-se com o turismo e não tanto com as migrações: "O turismo é o grande difusor de tudo o que há de bom e do que há de mau". O que parece é que estas viagens vão "quase desaparecer durante uns meses", com fortes consequências também para a economia portuguesa.

Já sobre se poderemos estar perante uma nova crise social, Rui Pena Pires considerou que vai "depender muito de qual for a reação da União Europeia e das instituições", até porque "Portugal não tem dimensão para enfrentar sozinho esta situação".

O novo coronavírus é um tema incontornável nos dias que correm e gostava de começar por aí a nossa conversa. As nossas rotinas foram alteradas de forma radical e abrupta. Perguntava-lhe que riscos, no seu entender, a sociedade corre em plena pandemia.

Acho que o mínimo que se pode dizer é que ninguém sabe. Há hoje muita especulação sobre o que pode acontecer mas, em rigor, ninguém sabe. Começa por não se saber mesmo do ponto de vista estritamente técnico, médico. A quantidade de artigos que são colocados em plataformas livres por cientistas que são retiradas uns dias depois porque, afinal, as projeções estavam erradas não tem paralelo no passado. Portanto, há um grau de incerteza muito grande, a começar no plano técnico.

Se me perguntar neste momento qual é a minha projeção para 2020 sobre imigração portuguesa, a única resposta possível é dizer que não faço mesmo a menor ideia. Mas, provavelmente, vem por aí abaixo aos trambolhõesAgora, é evidente que independentemente daquilo que se vier a saber melhor no futuro – do ponto de vista técnico – nós temos já um conjunto de processos sociais, de reação social à situação que tem consequências. E essas consequências, das mais importantes, estão desde logo a quebra da mobilidade. Se me perguntar neste momento qual é a minha projeção para 2020 sobre imigração portuguesa, a única resposta possível é dizer que não faço mesmo a menor ideia. Mas, provavelmente, vem por aí abaixo aos trambolhões. Porque há, neste momento, um conjunto de barreiras à mobilidade internacional muito forte e pode demorar um bocadinho a serem ultrapassadas até porque, infelizmente, estamos a assistir ao mesmo tempo a uma sobreposição entre este encerramento de fronteiras por razões médicas e há um renascimento de discursos e de reações xenófobas que empurram para mais fechos e alimentam-se dos fechos que ocorrem.

A situação do ponto de vista das migrações é uma situação de redução de mobilidade, sendo que, ainda há pouco tempo estava a ler um artigo que dizia que as migrações não têm nada a ver com isto. A grande mobilidade hoje mundial, como se sabe, não é a mobilidade migratória, é a mobilidade do turismo, das viagens internacionais e não da imigração propriamente dita. Em Portugal, terão entrado à vontade 60 mil pessoas, o número mais razoável, no ano passado. Também no ano passado aterraram nos vários aeroportos nacionais provavelmente uns 30 milhões de turistas.

Vai haver assimetrias neste processo todo e vamos ver o que vai acontecer. Mas, a única coisa que podemos dizer agora é que a incerteza é grande

Não são números comparáveis…

Não têm nada a ver. O turismo é o grande difusor mundial do que há de bom e do que há de mau. E muito mais do que as migrações. As migrações irão baixar embora haja, neste momento, uma pressão para um aumento particular de migração que é a de retorno. Há muitos portugueses que confiavam na possibilidade de voltar quando quisessem que, vendo-se em situação de não poderem voltar, começam a ponderar voltar já. Antes que seja mais difícil fazê-lo. Mas, simultaneamente, temos uma coisa de sentido contrário. Nós estamos em risco de ter uma crise económica sem precedentes. Estamos em risco de ter uma depressão económica mais forte do que a que tivemos na última crise. E, se isso acontecer, e se isso for acontecer de forma desigual entre os vários países da União Europeia, voltará a haver pressão para a emigração. Temos sinais contraditórios. A questão da mobilidade internacional é uma expressão, eventualmente, para a emigração.

Li, já não sei quem é que dizia, que, pela primeira vez nos últimos tempos, estamos perante uma crise simétrica: que apanhava todos os países da mesma forma. Não tenho a certeza que vá apanhar todos os países da mesma forma, não só porque as estratégias de combate ao vírus têm sido diferentes. Por exemplo, a Suécia praticamente não parou. Está a combater a pandemia de uma forma diferente. E, se essa estratégia se revelar correta, se entrar na crise sem grande destruição económica… A Alemanha está a parar parcialmente – não tanto como em Portugal – mas mais do que na Suécia. Mas, independentemente disso, afetou um volume imenso de dinheiro ao apoio à economia e pôde fazê-lo porque pôde fazer uma colocação de dívida pública no mercado internacional tendo-se financiado a juros negativos. Isto é, a Alemanha está a pedir dinheiro para recuperar a economia e estão-lhe a pagar pelo dinheiro que estão a emprestar.

De facto, não é verdade que as situações sejam totalmente simétricas. Vai haver assimetrias neste processo todo e vamos ver o que vai acontecer. Mas, a única coisa que podemos dizer agora é que a incerteza é grande.

Vamos ter países que vão ficar pior do que Portugal. Há, neste momento, um erro de perspetiva… como se esta pandemia fosse, sobretudo, de países ricos. Não tenho a certeza que esta epidemia não seja mais global do que parece neste momentoDestas questões todas que elencou – os riscos da falta de mobilidade, as questões económicas que poderão advir desta conjuntura – pode também Portugal sair prejudicado por deixar de ser, se poderemos assim dizer, um país tão apetecível para as pessoas que pretendem mudar-se para cá?

Nós temos situações muito diferentes. Esta crise, do ponto de vista da mobilidade internacional que envolve Portugal, vai, em primeiro lugar traduzir-se numa quebra, para já, temporária, depois logo se verá, mas numa quebra muito forte do turismo. Num certo sentido, o turismo quase que vai desaparecer durante uns meses. Se demorar depois a regressar, só isso terá consequências na economia portuguesa que tem uma dependência grande do turismo. Quanto à imigração – à migração para Portugal – depende de que imigração estamos a falar. Porque nós vamos ter países que vão ficar pior do que Portugal. Há, neste momento, um erro de perspetiva… como se esta pandemia fosse, sobretudo, de países ricos. Mas isso resulta do facto de nós, pura e simplesmente, nem sequer termos registos e estatísticas de outros países, muito mais do que só estar a ocorrer nos países ricos. Não acredito que na maioria dos países chamados de terceiro mundo haja capacidade para ir registando o que está a ocorrer. Não tenho a certeza que esta epidemia não seja mais global do que parece neste momento.

E quanto à integração de imigrantes em Portugal? Como a caracterizaria e o que pode melhorar ou piorar, dependendo também das lições que iremos aprender com esta nova circunstância?

A integração dos imigrantes em Portugal, uma vez mais, estamos a falar de um universo muito diferenciado. Não estou a ver que haja problemas muito graves para setores da imigração ligados, por exemplo, ao estatuto de residente não-permanente e a outro tipo de estatutos um pouco mais privilegiados. Agora, quando estamos a falar do outro lado da escala social, de imigrantes pobres em situação irregular, aí a situação poderá ser dramática, porque muitos dos subsídios de emergência que, neste momento, estão a ser concedidos implicam um qualquer tipo de relação de trabalho formal. E, no caso de imigrantes em situação irregular, como já foi salientado num artigo publicado nos últimos dias, no caso de imigrantes não documentados vai ser difícil encontrar uma forma de fazer chegar a estes – que eventualmente são dos mais afetados pelas consequências económicas da crise – os apoios que estão a ser concedidos aos portugueses em geral.

Se se repetir esta reação, vamos passar tempos muito difíceis em Portugal. Se, pelo contrário, desta vez houver uma resposta europeia de conjunto à crise, pode ser que, finalmente, a União Europeia sirva para criar condições iguais para todos os seus membros em situações de emergência Poderemos, no seu entender, estar perante uma nova e futura crise social até a nível global?

Vai depender muito de qual for a reação da União Europeia e das instituições europeias à crise. Portugal não tem dimensão para enfrentar sozinho esta situação. Portanto, vai depender mesmo muito de tudo aquilo que acontecer no plano europeu. Não sei se as pessoas ainda têm memória do que é que aconteceu em 2007 e 2008. Nestes anos, quando a crise financeira foi global, Portugal estava numa trajetória de correção do seu défice e da dívida pública.

Talvez já esteja esquecido mas, na altura, em 2007, o ministro das Finanças proclamava que tínhamos o défice mais baixo da democracia portuguesa. Um ano depois, com a crise, o que aconteceu foi que, a conselho das instituições europeias, os países da União Europeia fizeram um investimento maciço para tentar contrariar os efeitos da crise. Esse investimento, sobretudo em países como Portugal, com poucos capitais e dificuldades de capitalização interna, fez aumentar a dívida pública. E, passada a crise, as instituições europeias lavaram as mãos deste resultado. Disseram: ‘Bom está bem, dissemos que era muito bom investir mas, talvez, os países devessem ter averiguado melhor se estavam em condições de o fazer ou não’.

Ou seja, se se repetir esta reação, vamos passar tempos muito difíceis em Portugal. Se, pelo contrário, desta vez houver uma resposta europeia de conjunto à crise, pode ser que, finalmente, a União Europeia sirva para criar condições iguais para todos os seus membros em situações de emergência.

Parar a economia durante meses vai significar, se não houver apoios públicos, falências em massa e desemprego a explodirTodos os debates e perguntas – tanto em matérias sociais como de migrações – após esta pandemia terão de ter uma resposta europeia?

Não, não, não. O que estou a dizer é o que pode acontecer nesses planos depois da crise vai depender da forma como, na crise, a União Europeia se comportar. De uma forma muito simples: todos os países que estão a sentir-se mais ameaçados e que estão a isolar mais as pessoas estão a fazer parar a economia. E nós hoje temos um sentido de urgência em relação ao vírus que nos faz esquecer um pouco e fechar um pouco os olhos às consequências disto. Mas parar a economia durante meses vai significar, se não houver apoios públicos, falências em massa e desemprego a explodir. E vai demorar muitos anos a recompor o resultado de uma crise deste género. Tudo isto pode ser diferente se a União Europeia – como parece vir a anunciar, ainda não é certo – resolver criar um pacote de emergência para aguentar a economia e impedir esta ameaça de falências em cadeia. Vai depender é disto: Como é que a União Europeia se vai comportar durante a crise.

Tendo em conta que acabámos de assistir a um Brexit não sabemos como o futuro poderá ser em termos de união económica e financeira, não?

Uma vez mais depende como a União Europeia reagir. Se a União Europeia desta vez for, de facto, uma almofada importante e um recurso importante para cada um dos estados membros enfrentarem esta crise, se isso acontecer, então as pressões para a desagregação da União Europeia vão diminuir muito. Pelo contrário, a União Europeia sairá reforçada desta crise. Se isso não acontecer, de facto, a desilusão com a União Europeia pode ter consequências desagregadoras.

A emigração de enfermeiros não vai parar. A não ser que haja algo neste momento não previsto, o que com esta crise pode acontecer, que é cada país a fechar-se sobre si próprio de uma forma extremaFalando também do Reino Unido, que é também um país bastante procurado por portugueses, como é que o Brexit poderá influenciar algumas alterações nos movimentos migratórios de cidadãos nacionais? Ouvimos falar muito dos enfermeiros…

O Brexit ainda não está completamente consumado e ninguém consegue dizer como é que vai ser feita a saída no meio desta crise. Tudo o que estava tomado como certo há dois meses neste momento está incerto. Mas, antes dessa incerteza, o que se estava a verificar era uma descida gradual da imigração portuguesa para o Reino Unido, contrariada nos últimos meses por uma subida, porque as pessoas tiveram a perceção que era agora ou nunca. Que ou emigravam agora ou havia o risco de a fronteira ficar fechada. No futuro, antes desta crise do vírus – e, provavelmente, isso não se alterará muito – , havia a convicção de que a emigração para o Reino Unido iria diminuir, mas iria diminuir sobretudo a emigração não qualificada.

A emigração de enfermeiros não vai parar. A não ser que haja algo neste momento não previsto, o que com esta crise pode acontecer, que é cada país a fechar-se sobre si próprio de uma forma extrema. Mas, essa é uma hipótese, apesar de tudo, remota. Pode acontecer, mas é remota neste momento. E continua porque o Reino Unido precisa de mão-de-obra qualificada. Nós não temos ideia, mas o Reino Unido é dos países que tem mais emigração qualificada. Todos os anos perde muitos quadros para os Estados Unidos, para a Austrália, para a Nova Zelândia… para todo o mundo de expressão inglesa no espaço OCDE. E, portanto, o Reino Unido está habituado a compensar essas perdas com a imigração de quadros. A partir do momento em que decidiu fechar as portas no tempo de David Cameron – ou reduzir muito – a emigração de quadros de fora da União Europeia, virou-se para países como Portugal e a Espanha e a imigração dos enfermeiros, por exemplo, que foi o caso que referiu, tem todas as condições para continuar.

O Reino Unido vai continuar a precisar de enfermeiros, não produz os suficientes para as necessidades anuais do seu Sistema Nacional de Saúde. Nomeadamente porque, em Inglaterra, o ato médico é definido de uma forma mais restrita e, portanto, eles precisam de menos médicos e mais enfermeiros – em termos relativos – do que nós. Em Portugal é o contrário: os enfermeiros estão muito limitados naquilo que podem fazer. O ato médico esta definido de uma forma muito alargada e isso faz com que, por um lado, os ingleses precisem muito de enfermeiros e, por outro, faz com que os enfermeiros gostem muito de ir para o Reino Unido porque fazem tarefas mais qualificadas e têm hipóteses de carreira muito mais atrativas.

Sentem-se mais realizados…

Sentem-se muito mais realizados profissionalmente. Não estão em funções menores, estão em funções de saúde tecnicamente já com algum grau de sofisticação, de responsabilidade, e têm uma remuneração também proporcional com essa maior qualificação do seu posto de trabalho.

E que outros países os portugueses têm mais tendência para emigrar?

Sobretudo neste século, a emigração portuguesa é quase só uma emigração dentro do espaço europeu. Na União Europeia - incluindo aqui o Reino Unido, mas também incluindo aqueles países que tem acordos de circulação como a Suíça, a Noruega, entre outros – faz-se neste plano: os grandes países de emigração são, por ordem, neste momento, o Reino Unido – ainda apesar da queda dos últimos anos -, em segundo lugar a Espanha – voltou a ser um destino importante da emigração portuguesa. Antes da crise de 2007 era o principal destino, mas foi também muito apanhada pela crise como Portugal e perdeu importância, mas hoje está a retomá-la – em terceiro lugar a França, em quarto a Suíça, em quinto a Alemanha e em sexto o Luxemburgo. São estes os países para onde se dirigem a esmagadora maioria dos emigrantes.

Depois há no caso dos mais qualificados, alguns países que ganharam importância, mas estamos a falar de mão-de-obra muito qualificada onde o número de emigrantes é relativamente pequeno, que são países como a Noruega, a Suécia, a Holanda, a Dinamarca… mas estamos a falar de números, em termos absolutos, pequenos.

O que procuram? Baseiam-se em termos geográficos, melhores condições de emprego? Quais as justificações mais recorrentes?

A maioria das pessoas que sai de Portugal fá-lo por razões económico-profissionais. Estando Portugal inserido num espaço económico e de livre mobilidade em que há muitos outros países muito mais desenvolvidos, é normal que haja emigração de portugueses para esses países. Seria anormal se não existisse. Os portugueses com menos qualificações tendem a ir para países para onde já se ia, que têm uma história longa de imigração. Porque fazem essa imigração muito na base das redes de relações interpessoais que existem entre os países, pelo facto de existirem migrantes que vão de um lado para o outro, que visitam as famílias… Os emigrantes mais qualificados estão um pouco mais espalhados, embora haja uma grande concentração de emigração qualificada portuguesa no Reino Unido, devido ao facto de este país não só ter necessidade de uma mão-de-obra mais qualificada, como de a recrutar.

Os enfermeiros portugueses não estão a ir para o Reino Unido porque ouviram dizer que havia uma boa hipótese de trabalho neste país, estão a ir para o Reino Unido porque são contactados todos os anos por empresas de recrutamento inglesas, que recrutam enfermeiros para o Sistema de Saúde inglês, e que tratam de tudo: da equivalência do curso, da inscrição na Ordem… Portanto, é uma emigração com um suporte organizacional muito forte.

E que outras nacionalidades, outros países, procuram Portugal?

A emigração para Portugal, ultimamente, tem sido basicamente de três tipos. Por um lado, há uma reativação de alguns sulcos antigos, como é o caso do fluxo brasileiro. A emigração brasileira, em termos de acumulado, os brasileiros são a nacionalidade com mais emigrantes a viverem em Portugal. E o fluxo com o Brasil é um fluxo que cresce e desaparece em função da situação comparada entre Portugal e o Brasil. Quando Portugal estava em crise e o Brasil estava a prosperar, a emigração do Brasil para Portugal baixou, mas sempre que há uma inversão das tendências torna a aumentar. Uma é a reativação desta emigração mais clássica.

Depois temos um conjunto de novas migrações da Ásia, como é o caso dos nepaleses, que estão na agricultura em Odemira mas também nos restaurantes em Lisboa. Ou como a emigração do Paquistão, que teve uma grande visibilidade nos últimos tempos, que foi uma emigração de pequenos negócios que cresceu durante a crise porque durante este tempo o rendimento das pessoas baixou e, portanto, elas procuravam bens e serviços mais baratos que, normalmente, tendem a ser fornecidos pelos pequenos negócios associados à emigração. O período da crise foi um período em que prosperou a emigração chinesa, a emigração indiana, nepalesa… asiática, em geral.

E, finalmente, temos uma nova emigração que resultou de algumas decisões que tornaram Portugal atrativo do ponto de vista fiscal na União Europeia, como é o caso da emigração francesa - mas na emigração da União Europeia em geral - com um peso muito forte da emigração francesa, também um bocado italiana, que é uma emigração que resulta basicamente da atratividade fiscal de Portugal que tem origem nos regimes que definem um nível de fiscalidade muito mais baixo para cidadãos da União Europeia que se fixem em Portugal, mesmo que não permanentemente, mas que se fixem regularmente e parte do ano em Portugal.

As migrações vão continuar a ser necessárias e mais: vai continuar a haver muita pressão para que haja migrações

Se lhe pedisse para dar alguns conselhos a governantes da Europa ou do Mundo em matéria de migrações e de aceitação, quem escolheria e o que lhes diria?

Não há interlocutores internacionais sobre as migrações. As migrações, infelizmente, são um assunto que tende a ser regulado, no essencial, pelos governos dos estados nacionais. Mesmo a União Europeia não tem uma política migratória no sentido pleno do termo. Tem algumas limitações comuns à imigração… Só tem a parte negativa, se quisermos, da política migratória. Que é ter um conjunto de regras comuns para limitar alguns fluxos migratórios.

As migrações vão continuar a ser necessárias e mais: vai continuar a haver muita pressão para que haja migrações. As dinâmicas demográficas são muito desiguais, na Europa estamos a perder população, África tem a população a crescer a um ritmo tal que, até ao fim do século, se prevê que tenha mais população do que a Ásia e, portanto, vai haver pressão migratória sobre a Europa e a Europa vai precisar de migrantes. Não é só Portugal que está a envelhecer e a perder população, todas as sociedades europeias estão a caminho desta lenta redução e envelhecimento. As migrações bem geridas são um processo em que todos ganham: ganham os que querem emigrar e países que têm dificuldade em integrar no mercado de trabalho o crescimento da população que ainda têm e ganham os países que precisam de equilibrar a relação entre ativos e inativos que ficou desequilibrada com o envelhecimento e com a descida da natalidade e a diminuição da sua população.

O que nós não precisamos é de transformar a emigração numa espécie de desafio de vida ou de morte, porque isso significa que a emigração acontece na mesma mas acontece sempre associada a tensões grandes entre os países de destino e de origem. Os emigrantes chegam vencendo todas as barreiras e sentindo já por causa disso uma grande desidentificação com o país a que chegam – porque chegam indesejados – e os estados nacionais criam na imigração, quando ela tem esta dinâmica tão adversarial, uma imagem de ameaça que também não ajuda a promover a integração dos imigrantes. Precisávamos de ter uma imigração mais regulada, menos dramatizada, porque ela vai acontecer. E o nosso principal problema não devia ser tentar travar com as mãos uma espécie de rio, que só pode ser detido com uma barragem que não é possível de construir, devia ser muito mais canalizar, organizar, a emigração que temos.

Não é preciso ser adivinho – e todos os estudos e textos e intervenções políticas no início da guerra da Síria o mostravam – para perceber que íamos ter uma crise de refugiados Até porque há enclaves onde se passam questões problemáticas, como entre a Grécia e a Turquia, por exemplo…

Aí estamos a falar de situações de emergência que não são propriamente as migrações regulares que todos os anos acontecem. São migrações ligadas a crises de refugiados que, por sua vez, estão ligadas a crises e catástrofes normalmente produzidas em situações de guerra. Mas mesmo aí, provavelmente, a União Europeia já há muito tempo que devia ter negociado o modo como ia aceitar e integrar, faseadamente, os emigrantes refugiados que iam, naturalmente, acumular-se em função da continuidade da guerra.

Não é preciso ser adivinho – e todos os estudos e textos e intervenções políticas no início da guerra da Síria o mostravam – para perceber que íamos ter uma crise de refugiados. E, uma vez mais, em vez de tentarmos organizar a chegada dos refugiados desde o princípio, a reação foi fazer de conta que não havia e depois apanhar com a necessidade de dar uma resposta ao problema quando ele já estava quase incontrolável. É sempre preferível, nestes casos, prevenir, antecipar e organizar do que reagir no último momento. Que é o que tem estado a acontecer com a crise dos refugiados da Síria.

Voltando à minha pergunta, não daria um cartão amarelo ou vermelho a nenhum governo europeu ou mundial em particular?

Há governos que estão a fazer melhor e outros pior no campo das migrações. Os governos como o da Hungria ou como o governo polaco, para falar do caso de países da União Europeia, são governos que têm optado pelas piores soluções e pelos piores discursos sobre as migrações. Se quiser, dou um cartão vermelho a esses dois. 

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