Sem casos positivos, Corvo entende isolamento como uma vantagem

No Corvo, a mais pequena ilha dos Açores e uma das três do arquipélago onde o novo coronavírus ainda não entrou, a população, que sempre lutou contra o isolamento, entende-o agora como uma vantagem.

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Lusa
25/04/2020 10:00 ‧ 25/04/2020 por Lusa

País

Covid-19

 

 

Os 17 quilómetros quadrados que a ilha do Corvo rouba ao mar são suficientes para dar morada ao vulcão que lhe deu origem, o Monte Gordo, onde fica a lagoa do Caldeirão. Tudo o resto é escarpa, exceto a pequena fajã lávica na encosta sul da ilha, onde a Vila do Corvo se organiza em anfiteatro para avistar a vizinha ilha das Flores, mas também o mar.

A ilha mais pequena dos Açores, com 464 habitantes, segundo os dados do PORDATA de 2018, é uma três ilhas açorianas que ainda não regista qualquer caso positivo de covid-19, a doença respiratória provocada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2. As outras duas são a vizinha ilha das Flores e, na ponta oposta do arquipélago, Santa Maria.

À agência Lusa, o presidente da Câmara do único município da ilha referiu que a população está a cumprir as regras do confinamento, mas "aquilo que contribuiu mais foi a restrição de entrada de pessoas, quer por avião, quer por barco".

"A partir da altura em que as pessoas têm a noção de que não temos nenhum caso, fazem a sua vida mais normal, vão à mercearia ou à farmácia sem aquele medo de serem infetadas, mas, de resto, continuam a cumprir", explicou José Manuel Silva.

 Ainda assim, os recintos que agregam mais pessoas continuam fechados, como o pavilhão desportivo, o parque infantil, a praia, os cafés e restaurante.

O isolamento da ilha do grupo Ocidental traz "um descanso diferente, uma tranquilidade maior" em relação à possibilidade de contágio.

"Estamos cá no nosso 'casulo', digamos assim, não entram pessoas, nem de barco, nem de avião. Naturalmente, fica mais difícil [o vírus] entrar", disse.

Aqueles que continuam a ter de sair e voltar à ilha, por motivos médicos, como doentes oncológicos ou grávidas - que têm de se deslocar a uma das três ilhas com hospital (São Miguel, Terceira e Faial) para fazerem tratamentos ou irem a consultas de especialidade -, são submetidos a quarentena assim que regressam.

O presidente da Câmara lembrou que um caso de covid-19 no Corvo "pode ser uma situação bastante mais grave do que noutro sítio qualquer", não só devido à proximidade entre habitantes na ilha, mas também "atendendo aos recursos", já que "não há grandes capacidades de resposta a nível de saúde".

Em caso positivo, a pessoa em causa teria de ser levada para um hospital.

A unidade de saúde de ilha "tem um plano de contingência e tem uma sala que consegue ser isolada do resto da unidade de saúde". Está também preparado um plano de contingência para "isolar os contactos próximos" de um eventual caso de infeção.

Na economia da ilha, o confinamento não teve ainda um grande impacto, tirando nas atividades relacionadas com o turismo, adiantou José Manuel Silva, já que "o comércio continua a funcionar" e "os agricultores continuam a desenvolver o seu trabalho normal".

"Para já, não há gado para embarcar. Pode ser um problema, quando chegarmos a essa altura, na exportação do gado vivo, que é o que nós fazemos", acrescentou.

Já para os cafés, o restaurante, os alojamentos locais e a unidade hoteleira, a situação é outra.

"Para alguns deles, como são em nome individual, os apoios não são tão bons como para empresas. Aqui não há grandes empresas, é tudo à base das microempresas, muitas delas são empresas familiares", observou.

O único restaurante da ilha mantém-se em funcionamento, fornecendo refeições para 'take-away', mas terá tido uma quebra, uma vez que as pessoas, "como passam mais tempo em casa, cozinham mais".

A Lusa tentou contactar o restaurante O Caldeirão, mas sem sucesso.

Já o dono do Comodoro, único hotel da ilha, referiu que "o impacto é enorme, mas não há casos no Corvo, e ainda bem".

"Vamos ser se a gente consegue ultrapassar esta calamidade e, depois, ver se a gente consegue recuperar o resto do tempo que nos falta", confiou Manuel Rita.

O empresário, que foi também presidente do município, acredita que "o Corvo, as Flores e Santa Maria, que ainda não têm casos, poderão abrir internamente, mas nunca será abrir a ninguém de fora, que venha num avião para o Corvo".

"De maneira que estamos sempre condicionados a este tempo de espera", lamentou.

O negócio é familiar e nele trabalham, além de Manuel Rita, a sua mulher e a filha, que é sócia-gerente: "Os sócios-gerentes não podem ir para o fundo de desemprego, porque, ainda se pudessem ir, a gente punha a sócia-gerente no fundo de desemprego e não tinha de pagar ordenado, mas, assim, temos de pagar. Temos de aguentar e isso é sempre difícil".

Resta-lhe "lidar com os bancos para ver se se empurra para a frente".

O isolamento "já não é coisa a que os corvinos não estejam habituados", lembrou.

E, apesar das dificuldades, a paragem forçada sempre dá para descansar: "Eu nunca tinha tido férias na minha vida, esperei pelos 73 anos para ter férias, mas ainda bem que vieram. Porque eu estive emigrado na América, depois vim para cá e nunca tive férias", reconheceu Manuel Rita, entre risos.

 

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