"A crise da pandemia retirou palco aos populistas de direita, àquilo que é a narrativa política destes partidos, baseada em chavões, em polémicas pontuais que aparecem e desaparecem rapidamente ou na proposta de soluções fáceis para resolver problemas com maior complexidade", explicitou o investigador Riccardo Marchi quando questionado sobre se esta crise poderá favorecer o discurso perpetrado por estas forças políticas.
O especialista falava durante a terceira sessão 'online' "A Pandemia COVID-19: quais as implicações para a política e segurança internacionais?", promovida entre o Instituto da Defesa Nacional (IDN) e o Centro de Estudos Internacionais (CEI) do ISCTE.
Riccardo Marchi explicou que a crise pandémica "tornou-se no centro do debate diário" e retirou 'de cena' o discurso utilizado pelas forças políticas populistas de direita, já que esse espaço na esfera pública é agora "muito ocupado por técnicos, quer por cientistas, quer por economistas, que avançaram perspetivas mais complexas" sobre o atual momento que os países estão a enfrentar.
A pandemia da doença provocada por um novo coronavírus (SARS-CoV-2) também colocou a descoberto a "dificuldade generalizada dos partidos populistas de direita em abordar" esta questão, uma evidência que também se verifica "nos partidos 'mainstream'".
O especialista sublinhou que há uma preocupação em relação à possibilidade de estas forças políticas aproveitarem a crise pandémica para disseminar o seu discurso, "como se aproveitaram nas primeiras décadas do século XX" e que têm aumentado as "análises entre o populismo atual e os movimentos fascistas" do último século.
Contudo, Riccardo Marchi disse que tem "dificuldade em ver esta crise, neste momento, como uma janela de oportunidade" que poderá ser "facilmente aproveitada e invocada" pelas forças políticas populistas de direita europeias.
"Os partidos populistas de direita na Europa e no Ocidente foram apanhados desprevenidos por esta pandemia", advogou, considerando, por isso, que não é possível "achar que haja uma tendência inequívoca" para a propagação do discurso defendido por estas forças.
O investigador do CEI acrescentou, inclusive, que estes partidos, independentemente de estarem no poder ou de serem oposição, reagiram de várias formas à implementação de medida para mitigar a propagação do novo coronavírus.
O especialista exemplificou que "houve líderes populistas", como, por exemplo, os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e do Brasil, Jair Bolsonaro, que "começaram com uma posição bastante 'soft'" e desvalorizaram a crise no princípio, mas, "com o crescimento da curva de contágio, mudaram radicalmente de posição".
Ao nível dos partidos na oposição, em Itália, por exemplo, "assumiram uma posição de confrontação dura com o Governo de Roma, criticando as políticas" implementadas, situação que também se verificou na Península Ibérica, com o Vox, em Espanha, e o Chega, em Portugal.
As forças políticas populistas de direita de outros países, no entanto, "avançaram críticas" aos governos nacionais, "mas não tentaram uma ofensiva muito dura", e houve ainda partidos deste segmento do espetro político que, perante a crise, "colaboraram com os governos".
Por isso, a diferença de reações dos partidos populistas de direita demonstra, na opinião do especialista, que "não há uma tendência inequívoca que foi confirmada pela crise" pandémica.
A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 299 mil mortos e infetou quase 4,4 milhões de pessoas em 196 países e territórios.
Mais de 1,5 milhões de doentes foram considerados curados.
Portugal contabiliza 1.184 mortos associados à covid-19 em 28.319 casos confirmados de infeção, segundo o último boletim diário da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre a pandemia.
Das pessoas infetadas, 680 estão hospitalizadas, das quais 108 em unidades de cuidados intensivos, e o número de casos recuperados é de 3.198.