"Com certeza que iremos acatar a decisão judicial, mas em termos de saúde pública foi a decisão mais correta" a tomada pela delegada de Saúde da ilha Graciosa, declarou à agência Lusa o responsável máximo da Autoridade de Saúde dos Açores, Tiago Lopes.
O Tribunal Judicial da Comarca dos Açores decidiu hoje declarar procedente o 'habeas corpus' interposto por três cidadãos "privados da liberdade" desde 24 de julho numa unidade hoteleira da ilha Graciosa, no âmbito da covid-19.
De acordo com comunicado da autoridade judicial, a juiz do caso decidiu restituir os cidadãos à liberdade uma vez que a autoridade de saúde "não comunicou, em 24 horas ou em qualquer ulterior momento, a privação da liberdade ao juiz competente, para eventual validação, nos termos resultantes do n.º 5 da Resolução do Conselho do Governo Regional dos Açores n.º 164/2020, de 15 de Junho de 2020".
Tiago Lopes lembrou à Lusa a "estratégia de sucesso" dos Açores no combate à covid-19, lembrando que a região chegou a ter zero casos ativos positivos até há bem pouco tempo.
Nesse foco de defesa da "saúde pública" e do bem comum, o responsável reconheceu que a decisão judicial acarreta "alguns constrangimentos" para o futuro e pode limitar a "salvaguarda do interesse coletivo".
Segundo relatou no domingo à Lusa a requerente, Ângela Gonçalves, esta viajou na quinta-feira acompanhada pela filha, de cinco anos, e de um homem, num voo da SATA entre Lisboa e Ponta Delgada, tendo como destino final a ilha Graciosa.
"No voo S04121 sentámo-nos nos lugares 6D, 6E e 6F. Nesse mesmo voo, nos lugares 5E e 5F, sentaram-se dois passageiros, sendo que um deles, à chegada ao aeroporto de Ponta Delgada, foi sujeito a teste de despiste à covid-19, tendo acusado positivo", contou à agência Lusa no domingo Ângela Gonçalves, advogada de profissão.
Ângela Gonçalves seguia com testes de despiste à covid-19 feitos previamente, uma das possibilidades para quem viaja para o arquipélago.
Na sexta-feira de manhã, a advogada foi contactada pela delegada de Saúde da Graciosa, Carla Medeiros, que determinou o isolamento profilático dos três viajantes até 04 de agosto, a expensas dos próprios, "alegando que houve contacto próximo com o passageiro infetado".
"Só após muita insistência nossa foi determinada a realização de teste à covid-19", prosseguiu Ângela Gonçalves, acrescentando que os três testes deram resultado negativo.
Para a instância judicial, mesmo que aquela comunicação tivesse sido efetuada, nos termos resultantes das normas fixadas pelo Conselho do Governo Regional dos Açores, "outra não seria a decisão a partir do momento em que a suspeita de infeção foi afastada por novo teste, negativo, para covid-19, efetuado no dia 24 de julho aos requerentes".
O Tribunal Judicial da Comarca dos Açores considera que a privação da liberdade foi "manifestamente desproporcional, estando de resto as mencionadas pessoas, no que a infeção respeita, em situação mais favorável do que as dos demais passageiros não testados".
"Diante desses fundamentos, a senhora juiz entendeu não ser necessária a avaliação da conformidade à Constituição da República, do ponto de vista orgânico, da mencionada Resolução do Conselho do Governo n.º 164/2020, de 15 de Junho", refere o Tribunal.
A instância judicial determinou a extração de certidão do processado e remessa dele ao Ministério Público para "eventual instauração de procedimento criminal", lê-se no comunicado.
Dois outros passageiros que ficaram também isolados, um nas Flores e outro em São Miguel, pretendem avançar com 'habeas corpus', segundo disseram à Lusa os próprios.