A Comissão de Inquérito da Ordem dos Médicos que fez o relatório sobre as condições do lar de Reguengos de Monsaraz - onde, recorde-se, houve um surto do novo coronavírus e 18 pessoas morreram -, não obteve autorização para entrar nas instalações a propósito da realização do inquérito. Segundo avança esta quarta-feira a TSF, os membros da Comissão também não conseguiram resposta a um pedido para ter acesso "ao relatório da situação inicial" que a Autoridade de Saúde tinha realizado.
No relatório, ainda de acordo com a rádio, pode ler-se que "não foi possível efetuar visita às instalações do lar (apenas às do pavilhão)", facto justificado pela instituição com uma "desinfeção e remodelação" do edifício. As condições que se viviam no lar Maria Inácia Vogado Perdigão Silva foram assim criticadas no documento da Ordem dos Médicos de acordo com base "em relatos de médicos que estiveram no local durante o surto".
De recordar que o relatório da Comissão de Inquérito da Ordem dos Médicos a que a RTP teve acesso revela que o diretor da Administração Regional de Saúde (ARS) do Alentejo, José Robalo, intimidou os médicos com um processo disciplinar perante os alertas para o facto de não haver condições no lar de Reguengos de Monsaraz.
Em declarações à RTP, o responsável confirmou a informação, alegando que só o fez para acautelar a prestação de cuidados aos 84 utentes do lar. "A recusa de qualquer profissional médico de prestar cuidados de saúde aos utentes do lar (que são utentes do SNS) levaria à instauração de um processo disciplinar nesta circunstância e em qualquer idêntica", alegou.
Numa entrevista, também à estação pública, o diretor da ARS do Alentejo garantiu que não pressionou os profissionais de saúde, mas admite que, a certa altura, a única posição que podia tomar, perante a recusa em prestarem cuidados de saúde aos utentes do lar de Reguengos de Monsaraz, era instaurar um processo disciplinar: "Não pressionei. O que disse, e que se veio a verificar, foi que, no contexto em que as pessoas se recusam a prestar cuidados, só me resta uma posição, que é instaurar um processo disciplinar", foram as palavras de José Robalo.
Médicos "não faltaram à chamada nem abandonaram os doentes"
O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) disse ontem que os médicos convocados pelas hierarquias para trabalhar no lar de Reguengos de Monsaraz não se furtaram ao cumprimento de quaisquer deveres "antes os honraram".
Numa mensagem dirigida ao primeiro-ministro, Jorge Roque da Cunha adianta que a convocação administrativa realizada pelas hierarquias "sob uma muito alta pressão coativa" configura grave exemplo de assédio moral e que estes não se recusaram a ver doentes.
Os médicos, fez sobressair, "que reiteradamente denunciaram, por intermédio das associações profissionais que os representam, os atropelos, desde logo omissivos, que os sistemas de assistência e solidariedade social e de saúde revelaram, não atuaram levianamente".
Já as Misericórdias questionaram, também esta terça-feira, a legitimidade da auditoria a lar de Reguengos, defendendo que a autoridade para as fazer é exclusivamente do Governo. O presidente da União das Misericórdias, Manuel Lemos, criticou assim a a auditoria "de moto-próprio" da Ordem dos Médicos e deixou rasgados elogios à ministra da tutela.
"Como diz o nosso povo: Cada macaco no seu galho. Não faz sentido que uma instituição qualquer - ainda que seja a Ordem dos Médicos, que não é uma instituição qualquer -, vá para dentro de um lar, onde não é obrigatório ter médicos, fazer uma auditoria", disse à Lusa.
Segundo revelou esta terça-feira a ministra Ana Mendes Godinho, a Segurança Social enviou ao Ministério Público um relatório sobre o lar de Reguengos de Monsaraz em 16 de julho, um mês depois do surto de Covid-19
Ana Mendes Godinho disse que "é nessa sede de processo que devem ser analisadas" todas as "matérias que constam dos vários relatórios que foram produzidos por várias entidades, alguns deles com elementos contraditórios".