"O senhor primeiro ministro transmitiu-me de forma clara aquilo que é o respeito e a confiança que tem pelos médicos portugueses, aquilo que espera dos médicos nesta época e sempre, e deixou uma palavra também aos representantes da Ordem dos Médicos daquilo que é a valorização do trabalho destes profissionais", começou por dizer Miguel Guimarães à saída da reunião com António Costa que durou cerca de três horas.
Sobre o surto no lar de Reguengos de Monsaraz, "não haverá muito a dizer, para além daquilo que já é conhecido", disse Miguel Guimarães, assinalando que a situação "está entregue às autoridades competentes", nomeadamente ao Ministério Público e outras.
"Gostava também de deixar uma palavra importante" em relação ao desafio do próximo outono/inverno no que toca ao "combate à doença Covid-19", indicou o responsável referindo-se à eventual segunda vaga da doença para a qual o país se deve preparar.
"Temos que contar com a segunda onda, prevenir esta situação", alertou o bastonário, sublinhando ser "absolutamente essencial que nos preocupemos mais com a questão dos lares".
Miguel Guimarães deixou ainda um apelo a "todas as pessoas que têm funções de gestão nos lares que tenham um cuidado muito especial neste período de pandemia para serem cumpridas de facto as regras". Finalizando, o bastonário da Ordem dos Médicos endereçou uma "palavra de apreço" e de agradecimento a todos os médicos portugueses por todo o trabalho que têm feito seja nos hospitais, nos centros de saúde, nas instituições de saúde pública, na medicina do trabalho, ou nos lares.
"Têm feito um trabalho verdadeiramente extraordinário", elogiou, deixando uma mensagem de "solidariedade forte" para aqueles médicos que tiveram a trabalhar no lar de Reguengos, "médicos de família que, mesmo às vezes não tendo as condições mais adequadas, não deixaram de estar presentes".
O bastonário agradeceu, por fim, ao primeiro-ministro a "oportunidade" que deu à Ordem para explicar várias situações relacionadas com aquilo que é a ativade da OM, por um lado, por outro, a auditoria feita ao lar de Reguengos de Monsaraz.
"Conversa muito franca e útil"
António Costa, por seu turno, agradeceu a "conversa muito franca" e "útil" que teve com o bastonário, quer sobre "o contributo que a Ordem tem dado, quer também para trocarmos informações sobre aquilo que tem sido a atuação do Estado do SNS para responder à pandemia". "Mereceu natural atenção a situação que diz respeito aos lares", frisou o chefe do Executivo, sublinhando que esta é uma realidade "que não é nova na sociedade portuguesa".
"Como é sabido, uma das prioridades da reforma do nosso sistema passa pelo desenvolvimento da rede de cuidados continuados integrados, pelo desenvolvimento dos programas de assistência domiciliária (para reduzir o grau de institucionalização), e este é um problema que temos que olhar colectivamente", no trabalho de parceria com IPSS, Misericórdias, onde "a colaboração da OM é absolutamente essencial", referiu, destacando que este é um debate "tão mais urgente quanto útil fazer" no país.
"Claro que não podemos nunca confundir as árvores com as florestas", prosseguiu António Costa, referindo quer em relação à atuação dos médicos, quer dos lares, quer do Estado. "Sobre casos concretos, as instituições apurarão a informação que já está disponível".
Reuni hoje com o senhor @BastonarioOM. Uma conversa franca e útil para troca de informações. Transmiti, de forma inequívoca, o meu apreço e consideração que tenho pelos médicos, pelo seu trabalho, assim como pela generalidade dos profissionais de saúde. pic.twitter.com/F2sy57yslA
— António Costa (@antoniocostapm) August 25, 2020
O primeiro-ministro disse ficar "particularmente satisfeito de o senhor bastonário, espero, sair daqui sem a menor dúvida sobre a enorme consideração e apreço" que tem pelos médicos e pelo "enorme trabalho que estão a desenvolver" todos os profissionais de saúde.
Sobre o que aí vem, Costa reiterou que o país tem sempre de desejar o melhor, mas tem, simultaneamente, de se preparar para o pior. "Desejamos seguramente que não haja segunda vaga mas temos de nos preparar para o risco da segunda a vaga", exemplificou, lembrando que cada um dos cidadãos não pode "baixar a guarda" e cumprir as regras definidas. Ao mesmo tempo, continuou, exige-se às entidades e ao Estado e demais associações públicas, que se faça um trabalho conjunto.
"Não há um mundo sem falhas, (...) mas perante as falhas, aquilo que temos de fazer, mais do que atirar pedras e apontar o dedo, é procurar responder em concreto às realidades que existem", afirmou Costa, defendendo que o país não pode ter a ingenuidade de acreditar que vai em semanas ou poucos meses resolver problemas estruturais que já existiam antes da pandemia (problemas na habitação, na mobilidade, nas condições de residência de idosos, no SNS), lembrando o "esforço muito grande" que tem sido feito para prestar os melhores cuidados de saúdes.
Dirigindo-se, por último, ao bastonário, António Costa reforçou: "Espero que todos os mal-entendidos estejam esclarecidos e fico particularmente reconhecido pela forma como testemunhou de forma inequívoca a minha consideração pelos médicos portugueses".
Recorde-se que foi a Ordem dos Médicos (OM) a pedir esta segunda-feira uma reunião com o primeiro-ministro, com caráter de urgência.
No comunicado, a estrutura liderada por Miguel Guimarães considerou que as afirmações de António Costa sobre os médicos, "independentemente de serem proferidas de forma pública ou em privado, traduzem um estado de espírito ofensivo para os médicos e um sentimento negativo por uma classe profissional".
Em causa um vídeo de sete segundos que circulou nas redes sociais e onde se via António Costa numa conversa privada com jornalistas do Expresso alegadamente chamando "cobardes" aos médicos envolvidos no caso do surto em Reguengos de Monsaraz, que matou 18 pessoas.
"Declarações ofensivas para todos os médicos e para os doentes que precisam de nós, sobretudo os mais vulneráveis, são um mau serviço dos governantes ao país, e em nada contribuem para a necessária união num momento de pandemia", sublinhava a OM.
Falhas em Reguengos
Em entrevista ao semanário Expresso, cuja primeira parte foi publicada no sábado, o primeiro-ministro assumiu que houve falhas na situação que envolveu o lar de Reguengos de Monsaraz, mas reforçou que a instituição "é de uma fundação privada" e que, "quando foi alertado, o Estado reagiu imediatamente".
Costa reiterou que mantém confiança na ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, que tem sido criticada, e disse depois: "Não acordámos agora por causa do relatório de uma entidade [Ordem dos Médicos] que não tem competência legal para fazer esse estudo."
Sobre esta contestação à legitimidade para fazer uma auditoria ao cuidados prestados no lar de Reguengos, a Ordem refere que é uma associação pública profissional à qual são permitidas realizar auditorias aos cuidados clínicos prestados em unidades de saúde ou outras.
O estatuto da OM "contempla um Conselho Nacional (...) para realizar auditorias da qualidade no território nacional, como foi o caso da auditoria aos cuidados clínicos prestados aos utentes do Lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva, em Reguengos de Monsaraz", escreve a Ordem, sublinhando as colaborações que faz com hospitais e unidades do Serviço Nacional de Saúde, Administrações Regionais de Saúde, Entidade Reguladora de Saúde, Direção-Geral da Saúde e com o Ministério da Saúde.
De acordo com o comunicado, a auditoria ao lar surgiu depois de várias queixas por parte da sub-região de Évora da Ordem, do Conselho Regional do Sul e do bastonário, "sobre a falência do cumprimento das normas emitidas pela DGS na prestação de cuidados de saúde aos idosos" do referido lar, "que foram ignoradas pelas autoridades competentes".
A Ordem insiste que os médicos de família nunca se recusaram a colaborar e continuaram a cuidar e tratar dos idosos doentes, estando o seu trabalho devidamente documentado.
"Os últimos meses, com a pandemia da Covid-19, confirmaram a qualidade dos médicos Portugueses e a sua coragem e espírito de sacrifício, arriscando a sua vida para salvar os doentes, perante um vírus novo, mesmo com a inicial incompreensível falta de equipamentos de proteção individual e outros meios adequados. Deixámos para trás as nossas famílias e conseguimos colocar Portugal como um bom exemplo no tratamento a estes doentes, com uma taxa de letalidade que compara muito bem a nível internacional", lia-se na nota.