Marc Veldhoen, que trabalha no Instituto de Medicina Molecular (IMM) João Lobo Antunes da Universidade de Lisboa, onde lidera o laboratório de Regulação do Sistema Imunitário, adiantou que o estudo vai ser apresentado em 18 de setembro a peritos da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O estudo, que será submetido para publicação na especialidade "nos próximos dias", está disponível desde a semana passada no portal Medrxiv, que distribui versões pré-publicadas, e portanto não validadas pelos pares, de artigos científicos sobre ciências da saúde.
Apesar de o período de cinco meses ser "relativamente curto" para uma resposta imunitária, Marc Veldhoen encara os resultados com certo otimismo, uma vez que indicam que os anticorpos para o coronavírus SARS-CoV-2, na origem da doença respiratória covid-19, "podem circular, e é provável que circulem para a maioria das pessoas, durante esse tempo".
Amostras de sangue de 189 pessoas (de um total de 210) acusaram a presença de anticorpos para o coronavírus passados 40 a 150 dias após um teste positivo de diagnóstico à covid-19.
As pessoas, entre os 18 e os 58 anos, eram saudáveis (não tinham uma doença conhecida) e a maioria (69%) eram homens.
"A boa notícia é que, nas pessoas das quais obtivemos amostras de sangue quase cinco meses após um teste para a covid-19 positivo, pudemos detetar ainda anticorpos e os níveis de IgC [um tipo de anticorpo] permaneceram bons", afirmou o imunologista do IMM, acrescentando que os anticorpos detetados "são úteis", pois, ao ligarem-se ao SARS-CoV-2, inibem o coronavírus de atacar as células, tendo por isso um efeito neutralizador.
Contudo, segundo Marc Veldhoen, o estudo não responde a uma "questão premente", essencial para uma vacina (que induz a formação de anticorpos) eficaz contra a covid-19: por quanto tempo estes anticorpos circulam, em média, no organismo, isto é, quanto tempo dura o seu efeito protetor.
O investigador holandês ressalvou, ainda, que o estudo - por se basear em amostras de sangue colhidas em momentos distintos após a confirmação da infeção, não sendo por isso um acompanhamento individualizado das pessoas ao longo do mesmo período - não permite aferir se alguém revelou baixos níveis de anticorpos desde o início ou se os níveis caíram mais rápido devido, por exemplo, à idade ou à gravidade dos sintomas.
Marc Veldhoen salientou que, tal como acontece normalmente com a maioria das infeções, os níveis de anticorpos para o SARS-CoV-2 detetados no sangue, que atingem um pico passadas três semanas sobre o aparecimento de sintomas, diminuem a partir da quarta semana.
"Se bem que os níveis de anticorpos não sejam tão elevados como na terceira semana, podemos facilmente detetá-los até aos 150 dias [cinco meses]", sustentou.
Os anticorpos, detetáveis no soro sanguíneo, são glicoproteínas produzidas por células do sistema imunitário em resposta a um antigénio, como uma bactéria ou um vírus como o SARS-CoV-2, com o qual reage, causando o seu enfraquecimento ou destruição.
O imunologista do IMM esclareceu que ter níveis baixos de anticorpos neutralizadores do novo coronavírus, "ou mesmo nenhum", tal "não significa que não exista nenhuma proteção imunitária".
"Após o primeiro contacto [com o novo coronavírus], as células imunitárias que podem combater o SARS-CoV-2 vão permanecer como 'células memória' e vão ser úteis se o vírus tentar infetar novamente. As 'células memória' que produzem anticorpos, as chamadas células B [ou linfócitos B de memória], estarão ativadas quando o SARS-CoV-2 voltar da próxima vez e vão produzir anticorpos mais rapidamente e com qualidade superior", explicou.
Por outro lado, as células imunitárias T de memória, subtipo de células T ou linfócitos T que se forma igualmente após uma infeção primária, irão "reagir melhor e mais rapidamente do que da primeira vez" que tiveram em contacto com o SARS-CoV-2 e "combater o vírus mais robustamente".
Um estudo divulgado há uma semana na publicação científica New England Journal of Medicine concluiu que os anticorpos que o corpo produz para combater o novo coronavírus duram pelo menos quatro meses depois do diagnóstico da infeção e não desaparecem rapidamente, ao contrário do que apontavam alguns estudos anteriores.
O trabalho, considerado o mais extenso sobre a resposta do sistema imunitário ao SARS-CoV-2, teve por base testes serológicos (recolha de uma amostra de sangue que permite detetar anticorpos para o coronavírus) feitos a mais de 30 mil pessoas na Islândia.
A pandemia da covid-19 já provocou mais de 904 mil mortos e quase 28 milhões de casos de infeção em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência noticiosa francesa AFP.
Em Portugal, morreram 1.852 pessoas dos 62.126 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.
O novo coronavírus (tipo de vírus) que causa a covid-19 foi detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China, tendo-se disseminado rapidamente pelo mundo.
Em 11 de março, a OMS declarou a covid-19 como uma pandemia.