"news_bold">"Em março tínhamos uma ideia de etiqueta diferente. Agora já não usamos dois pares de luvas, já não usamos aquelas coisas que parecem astronautas (...). Conseguimos [ao anular procedimentos de antes] uma multiplicação da nossa atividade para dar resposta a uma fase claramente maior da covid-19, mas as outras doenças não pararam", disse à agência Lusa, o diretor do maior serviço de Medicina Interna do país, Jorge Almeida.
Com 209 camas para doentes de todas as patologias, 11 em cuidados intermédios, nove dedicadas a AVC (Acidente Vascular Cerebral) e 32 no hospital de Valongo que também faz parte do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), Jorge Almeida atualiza os números de internamento ao minuto.
"Ao contrário da outra vez [referindo-se à primeira vaga da covid-19] não nos esgotamos no SARS-CoV--2. Vamos ter de nos esgotar nos dois lados e sabemos que temos de manter a capacidade de resposta. Não há nenhum português da região do nosso hospital que vai deixar de ser tratado. Isso asseguro desde já independente do cansaço das pessoas, independente de termos já bastantes profissionais de quarentena ou doentes", frisa.
Num tempo em que a pandemia obriga a adaptações de serviços, realocação de camas e redistribuição de profissionais, o plano do CHUSJ para o inverno começou a ser desenhado em maio.
Ainda que admitindo que fala em causa própria, Jorge Almeida diz "ter a certeza" de que o Hospital de São João está "melhor organizado do que qualquer outro", mas salvaguarda: "Nenhum hospital de organiza para além da sua capacidade".
"Este hospital, na primeira fase, esteve -- com o Santo António e Braga -- praticamente sozinho. Quando os outros se envolveram, já isto estava a resolver-se. Nesta fase estão todos envolvidos", refere o diretor que questionado sobre se o preocupa que a menor capacidade de outros hospitais recaia sobre o CHUSJ é direto.
"Claramente", diz Jorge Almeida, explicando que "a pressão já existe habitualmente" sem novo coronavírus porque o São João é "referência para uma franja significativa da população norte e para grande parte das patologias".
Ao lado, com os pés fora da enfermaria e sem o tal fato de astronauta vestido, ouve-se o médico Francisco de Carvalho Ferrão perguntar ao doente que na segunda-feira ocupava a cama 327 do serviço de Medicina Interna se tem condições para regressar a casa e permanecer isolado.
O paciente de 58 anos, internado devido a um AVC, podia receber alta, mas teria de cumprir quarentena em casa. "Ponha a máscara direita. Em casa não pode estar com ninguém pelo menos 14 dias", diz-lhe o médico.
Já a enfermeira chefe de Medicina Interna, Graça Silva, explica à Lusa o porquê daqueles conselhos estarem a ser passados em cima de um quadrado de papel que contém produto com ação desinfetante e não atrás das linhas que permanecem no chão do serviço.
"Os circuitos foram alterados. A experiência veio mostrar que alguns procedimentos não eram necessários. Isso equivale a menos recursos e equipamentos", descreve, mas deixando a nota de que "a pressão atual é grande".
Também a enfermeira chefe do serviço de Medicina Intensiva, Rosa Moreira, fala da "experiência acumulada" como "uma vantagem", mas alerta para o "cansaço já se faz notar".
"Uma das principais preocupações são sem dúvida os recursos humanos e tudo o que poderá vir a acontecer no futuro (...). Nas áreas que estão reservadas a doentes covid, os profissionais estão muito bem preparados e muito protegidos", garante.
Rosa Moreira faz à Lusa o retrato de uma unidade instalada no piso 08 que era dedicada a cuidados intensivos para doentes neurocríticos, mas que a pandemia transformou em área exclusiva para doentes com infeção covid-19 grave.
Quem a coordena é Nuno Príncipe, médico de Medicina Intensiva que trabalha no diz ser "o fim de linha".
Alerta que "apesar de já se saber muito mais do que na primeira onda ainda não se conhece integralmente este vírus" e que ainda que só uma percentagem de doentes com covid-19 fique internado e uma menor percentagem necessite de cuidados intensivos", recusa responder à Lusa de forma matemática sobre tempos de internamento.
"O doente que esteve aqui internado menos tempo, esteve oito dias. Os doentes que são ventilados de forma invasiva ficam semanas na unidade. São internamentos bastante prolongados", refere, aproveitando o pretexto para reforçar mensagens sobre o comportamento da sociedade.
"Já sabemos que existem coisas que ajudam [a evitar o contágio]. Pedem-se meia dúzia de coisas que nem sempre são cumpridas pela população e nem às vezes pelos nossos líderes", lamenta Nuno Príncipe.
Já as enfermeiras chefes da Medicina Interna e da Medicina Intensiva desconstroem a ideia de que só os idosos sofrem com a covid-19.
"Os jovens são aqueles que estão muitas vezes assintomáticos e levam a doença aos que têm maior risco", frisa Rosa Moreira, enquanto Graça Silva pede que "se evitem comezainas" e recorda que em pleno outubro, ainda longe do frio que causa muitas agudizações nos doentes crónicos, "a situação já é muito complicada".
A pandemia de covid-19 já provocou mais de 1,1 milhões de mortos no mundo desde dezembro do ano passado, incluindo 2.371 em Portugal.
Na terça-feira o Hospital de São João tinha 95 doentes internados em enfermaria e 25 em cuidados intensivos.
Na chamada primeira vaga, e quando a atividade programada não urgente estava suspensa, este hospital chegou a acolher 140 doentes em enfermaria e 60 em cuidados intensivos.
Entretanto, o nível três do plano de contingência do CHUSJ, de um total de quatro patamares, foi ativado a 13 de outubro.