O coordenador de inspeção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) demitiu-se esta terça-feira do cargo, depois das declarações do ministro da Administração Interna (MAI), Eduardo Cabrita, sobre a morte do cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa, avançou o Jornal de Notícias ao final do dia de ontem.
Na audição de ontem no Parlamento, o governante admitiu que o coordenador e outros 12 inspetores estariam a ser investigados num processo disciplinar sobre as circunstâncias que levaram à morte de Ihor Homeniuk.
Cinco dias depois da morte do cidadão ucraniano, o Gabinete de Inspeção emitiu um parecer onde se afirmava que, tendo em contas as imagens de videovigilância, o serviço "não encontrou indícios de agressões e maus tratos a esse cidadão". Eduardo Cabrita considerou o documento, assinado por João Ataíde, "extremamente grave".
Esta é a quarta demissão no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras desde que o caso de Ihor Homeniuk se tornou público. Cristina Gatões, diretora nacional do SEF, demitiu-se na última quarta-feira. Sérgio Henriques e Amílcar Vicente, diretor e diretor-adjunto de Fronteiras de Lisboa, afastaram-se a 30 de março.
Na audição no Parlamento, Eduardo Cabrita admitiu que ele e o Governo podem errar, mas não há dúvidas quanto a valores fundamentais dos direitos humanos, recusando demitir-se do cargo.
O governante lembrou que na certidão de óbito do cidadão constava "morte por paragem cardiorrespiratória" e que as agressões de que foi vítima só foram conhecidas pelo relatório da autópsia de 23 de abril.
Segundo o ministro, neste caso de homicídio de um cidadão que estava à guarda do SEF, "não bastava apurar a autoria moral do crime, era necessário ir mais além e apurar se houve encobrimento, negligência grosseira ou omissão de auxilio".
Ordem dos Médicos diz que foi ontem contactada pela primeira vez sobre caso
A este respeito, a Ordem do Médicos (OM) esclareceu que foi esta terça-feira contactada pela primeira vez pelo Ministério da Administração Interna, no âmbito do processo sobre a morte de Ihor Homeniuk, tendo o dossier sido encaminhado para eventual apuramento de matéria disciplinar.
"Na sequência das declarações do Senhor Ministro da Administração Interna no Parlamento, a Ordem dos Médicos esclarece que foi hoje [terça-feira], dia 15 de dezembro de 2020, contactada pela primeira vez pelo Ministério da Administração Interna, através da Inspeção-Geral da Administração Interna, no âmbito do processo relacionado com a morte de Ihor Homeniuk", afirma a OM em comunicado.
Segundo a Ordem dos Médicos, "o dossier foi encaminhado para o Conselho Disciplinar da Região Sul, para eventual apuramento de matéria disciplinar, num procedimento integrado nas boas práticas de colaboração institucional".
A Ordem dos Médicos clarifica, contudo, no comunicado que, "ao contrário do que tem sido noticiado, o documento preenchido no local do incidente pelo médico do INEM consiste numa verificação de óbito e não numa certidão de óbito".
O cidadão ucraniano terá sido vítima do crime de homicídio por parte de três inspetores do SEF, já acusados pelo Ministério Público, com a alegada cumplicidade de outros 12 inspetores. O julgamento deste caso terá início em 20 de janeiro.
De acordo com uma resolução do Conselho de Ministros, a indemnização será suportada pelo orçamento do SEF, "sendo o direito de regresso exercido nos termos que resultarem da responsabilidade individual judicialmente provada".
SEF já estava a ser vigiado pelo Comité Contra a Tortura da ONU
De sublinhar ainda que o último relatório do Comité Contra a Tortura da ONU, publicado há cerca de um ano, já expressava várias preocupações em relação à salvaguarda dos direitos humanos nas instalações geridas pelo SEF.
O órgão recomendou à autoridade que garantisse que advogados ou profissionais de saúde tivessem acesso às áreas internacionais tuteladas pela autoridade portuguesa. Em declarações ao canal da estação pública, José Trincão Marques, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (OA), confirmou que o órgão tem recebido várias denuncias sobre a falta de proteção jurídica dos cidadãos estrangeiros retidos nos aeroportos nacionais.