"A experiência é péssima, acho que a minha mulher ficou pendurada por um fio", começou por explicar à Lusa este português natural de Lourenço Marques (hoje Maputo), Moçambique, a sua experiência com a doença da Covid-19, que já causou cerca de 1,3 milhões de infeções na África do Sul em dez meses.
"Isto é um choque, porque cada vez que o telefone toca, não sabemos o que será a chamada e se toca à noite ainda pior, é uma situação entre a vida e a morte", frisou.
Natália da Silva, de 74 anos, natural de Chaves, Portugal, foi hospitalizada com Covid-19, nos cuidados intensivos, em Joanesburgo, cinco dias depois da viagem ao Cabo.
"Primeiro só ia fazer o teste e ficou lá, depois a médica disse que ficava nos cuidados intensivos, a enfermeira nos cuidados intensivos explicou que ela não estava a melhorar, embora a médica não tenha referido que estivesse pior, ligou-a a um ventilador, que é o último recurso", referiu à Lusa.
"Está nos cuidados intensivos há mais de 20 dias, mas agora está a melhorar sem dúvida porque fui vê-la na terça-feira e tinha saído do ventilador, fizeram-lhe uma traqueostomia para poder respirar melhor e os médicos são da opinião que irá ajudá-la na recuperação", adiantou Rogério da Silva.
"Já estou casado há 52 anos e fomos celebrar no Blue Train, e perder a única pessoa de família que tenho aqui na África do Sul, porque só tenho um irmão em Portugal, é um choque muito grande", sublinhou.
O casal, que vive em Sandton, norte de Joanesburgo, tinha inicialmente planeado celebrar o aniversário de casamento em Portugal, referiu Rogério da Silva, mas ficaram impedidos de viajar com o cancelamento de voos internacionais devido ao confinamento da covid-19 decretado nos dois países.
Depois de Gauteng e KwaZulu-Natal, a província do Cabo, onde se situa a Cidade do Cabo, é das regiões do país mais fustigadas pelo vírus da SARS-Cov-2 desde março, encontrando-se agora em mutação com uma nova variante que se transmite mais rapidamente, segundo as autoridades, apesar da época de intenso calor nesta altura do ano.
O Padre Lemos, missionário português da Igreja de Santo António de Mayfair, subúrbio a oeste do centro de Joanesburgo, conseguiu recuperar do novo coronavírus que contraiu em agosto, três meses antes de celebrar 92 anos em novembro do ano passado.
"Em alguns aspetos até julgo que fiquei melhor, mas já não tenho aquela destreza de correr de um lado para o outro como estava habituado, porque 92 é o vírus da idade", descreve à Lusa com ironia a experiência por que passou, afirmando que foi hospitalizado "já era de noite e vi logo na cara deles que teria de ficar internado".
"Custou-me imenso com a agravante de que não falo muito bem o inglês, mas lá me servi de algumas palavras que sei e ainda de outras em changana [uma das línguas do sul de Moçambique] porque conheci enfermeiras que falavam e que me ajudaram", recordou.
"Mesmo assim, não era há vontade e passar as horas, os dias assim ali na mesma posição, totalmente contrário à minha vontade e ao meu hábito, queria sair, não tinha com quem comunicar, ali ninguém falava o português, ninguém me podia visitar, foi um tempo terrível", explicou o missionário de 92 anos.
No dia em que "finalmente consegui vir para casa", sentiu-se melhor, com o apoio de "três padres, um deles o Padre Carlos que já está no Brasil, que foram excelentes para comigo e lá fui arribando devagarinho".
"Foi para o hospital, mas não aguentou, conseguimos tirá-lo do hospital e o restante do tratamento foi em casa em isolamento, mas eu vi aquele homem morto", disse à Lusa por WhatsApp o Padre Carlos.
"Com ajuda de uma portuguesa, a Sra Rita, da paróquia, conseguimos levá-lo para casa (?) toda a medicação que estava a tomar no hospital continuou a fazer em casa, transformou-se o quarto numa enfermaria, com oxigénio e todos os cuidados, contratamos um enfermeiro e ele recuperou", recordou o missionário brasileiro.
A pandemia "invisível", como descreve o Padre Lemos, pároco da Igreja Portuguesa de Mayfair, deixou "algumas sequelas" que consegue agora suportar por estar "em casa, no nosso lugar", um "sofrimento" que diz ser comparável aos tempos de guerra civil que viveu durante 12 anos em Moçambique depois de 1975.
"Embora aqui fosse mais breve, lá foi muito mais longa, nós nunca estávamos sossegados, a guerra estava onde a gente não sabia, ouvíamos as metralhadoras, tinha de se refugiar de qualquer maneira, o mais seguro possível, e fui resistindo e lá fiquei até 1987 quando vim depois para aqui [África do Sul]", salienta o Padre Lemos para quem a covid-19 está a criar um sentimento de inquietação com a ideia de perigo real.
"Esta coloca toda a gente com mêdo, já é um efeito bem mau e bem nocivo para a nossa vida, para o nosso viver e até para a nossa saúde. Vivemos em mêdo e encerrados em casa ou com máscaras, é um sofrimento", afirma Lemos.
"Na guerra, mesmo uma guerra que não é localizada, que foi o caso da guerra em Moçambique, nós tínhamos o nosso à vontade, claro que havia outras restrições e foi terrível", sublinha.
Estima-se em 450 mil o número de portugueses e lusodescendentes na África do Sul, sendo a grande maioria residente em Gauteng, que contabiliza mais de 350 mil infeções de covid-19 entre a população de 15,5 milhões de pessoas, segundo as autoridades da saúde sul-africanas.
Embora não seja conhecido oficialmente o número exato de portugueses e lusodescendentes afetados pela doença na África do Sul, o impacto do novo coronavírus no seio da Comunidade Portuguesa já se faz sentir com a segunda vaga que assola agora o país, como é o caso também da família do empresário de construção civil, Jorge Pinto, que é natural de Coimbrão, distrito de Leiria.
"Tenho dois filhos e quatro netos, já todos apanhamos isso e o mais novo está agora de molho", conta à Lusa Jorge Pinto, explicando que "do nosso lado foi em março ou em abril e o nosso filho mais novo só apanhou agora com a família, foram de férias para o Cabo e voltou infetado".
"Ele, a mulher e os dois filhos estão em quarentena", frisou o empresário de 73 anos, acrescentando que "no meu caso, continuei sempre a trabalhar, só na altura em que fui contagiado é que parei 15 dias em que estivemos todos separados em isolamento".
Na obra, onde a construtora de Jorge Pinto emprega mais de uma centena de trabalhadores na construção de um bairro de 60 fogos, em Joanesburgo, "não tive ainda um trabalhador infetado com a covid-19".
"Tenho equipamento sanitário, gel e máquina para tirar a temperatura e sempre esse cuidado lá na obra, todos os dias registo o pessoal logo de manhã às sete horas antes de começar a trabalhar", sublinhou à Lusa Jorge Pinto.
Na opinião de António Vilaça, residente em Edenvale, arredores de Joanesburgo, "na generalidade os casos estão a aumentar no país e na comunidade portuguesa também têm aumentado bastante, pelo que sei".
"Hoje soube de um madeirense aqui do ?shop' que está infetado e há um médico também aqui perto de minha casa que está um bocado mal, tenho uma amiga que também foi infetada por uma amiga dela numa festa com malta portuguesa que também esteve internada, mas está em quarentena em casa, e o marido dessa amiga está bastante mal no hospital", explicou.
Para este 'designer' de interiores de 63 anos, o impacto financeiro das medidas governamentais de confinamento da pandemia decretadas desde março no país, "é um problema grande, porque tenho funcionários a trabalhar e muito poucas crianças no infantário", de que é proprietário, salientando, por outro lado, "aqui na África do Sul, tudo o que é casinos, lojas e restaurantes, está tudo parado e ainda não há projetos de trabalho", frisou.
Questionado se considera vacinar-se em Portugal uma vez que a vacina da covid-19 não se encontra disponível até abril na África do Sul, António Vilaça declara: "Julgo que ainda não se chegou a esse pânico no meu grupo de amigos, está tudo à espera e ninguém pensou nisso ainda até porque existe um movimento negativo contra a vacinação".
"Ninguém sabe ao certo o conteúdo da vacina e quais são os efeitos que a vacina tem, a pior coisa que tive até hoje foi uma vacina contra a gripe em que me fui vacinar contra a gripe e nunca na minha vida estive tão doente", frisou.
Todavia, o empresário lusodescendente Carlos Gouveia, natural da cidade de Germiston, antiga capital de têxteis no leste de Joanesburgo, refere que o impacto da doença originou um aumento de 20% de faturação na venda de produtos de primeira necessidade no seu supermercado e talho, onde emprega 40 pessoas há vinte anos.
"Do nosso lado o negócio está bom, claro que alguns clientes já ficaram doentes com a covid-19 e conheço pessoas portuguesas que morreram, connosco tivemos sorte até ao momento, estamos bem", adiantou à Lusa o proprietário do Glenvale Fruit Veg Hyper, em Edenvale.
"Os restaurantes fecharam e a nossa empresa está a faturar mais. Aliás todos os supermercados estão a fazer mais negócio, as pessoas passam menos tempo fora e estão em casa a comer mais, a nossa faturação aumentou cerca de 20%, porque as pessoas vão menos aos centros comerciais e preferem os supermercados mais pequenos onde é mais fácil de entrar e sair, e demora menos tempo a fazer as compras", salientou Carlos Gouveia.