"A cronologia dos factos mostra, também, que o jornalismo tradicional foi mais rápido do que os 'fact-checkers' a criar contranarrativas e a difundi-las", explicita o relatório "O Falso Plano de Desconfinamento: Uma Anatomia da Desinformação e da Contranarrativa", produzido pelo MediaLab, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE.
Contudo, o documento especifica que "antes de jornalistas e 'fact-checkers' ocuparem o espaço da contranarrativa, a presença de cidadãos com voz no espaço público do Twitter foi instrumental" para gerar um "ambiente propício à criação de vozes críticas e a uma dúvida metódica" sobre a veracidade do falso plano de desconfinamento.
Em 25 de fevereiro, um documento em formato PDF, semelhante a outros apresentados pelo Governo, circulou pelas redes sociais WhatsApp, Twitter, Facebook e Instagram. O documento falso continha várias medidas sobre os moldes em que supostamente decorreria o desconfinamento.
Mais tarde, Carlos Macedo e Cunha, colunista do Observador, disse que era o autor deste documento falso. Ao semanário Expresso referiu que foi partilhado com um "grupo fechado de amigos". O alegado plano de desconfinamento foi, entretanto, adulterado e difundido pela 'web'.
A informação foi desmentida, no mesmo dia, pelos canais oficiais do Governo. Uma nota divulgada pelo gabinete do primeiro-ministro, António Costa, referiu que se encontrava "a circular um documento falso" que apresentava "um suposto plano de desconfinamento imputado ao Governo" e que consistia em uma "adulteração abusiva da tabela de desconfinamento divulgada em abril do ano passado".
O executivo também comunicou que a "falsificação" seria comunicada ao Ministério Público.
Em 27 de fevereiro, o primeiro-ministro anunciou que o verdadeiro plano de desconfinamento apenas vai ser apresentado em 11 de março.
O relatório divulgado hoje pelo MediaLab refere que este conteúdo falso "levou cerca de uma hora a ganhar tração no WhatsApp", através de partilhas, a maioria das quais em grupos.
Os "primeiros desmentidos públicos", no entanto, que permitiram o 'arranque' da contranarrativa que levou à descredibilização total do documento, ocorreram no Twitter e "foram exteriores ao jornalismo, aos 'fact-checkers'" e ao Governo.
O período em que os primeiros desmentidos dos utilizadores das redes sociais ocorreram foi também de uma hora.
Os órgãos de comunicação social "entraram na produção da contranarrativa entre 15 e 30 minutos" mais tarde dos que os cidadãos individuais, no entanto, conferiram "tração necessária à contranarrativa" e igualaram a "viralidade da desinformação nos grupos de WhatsApp" e chegou ao Facebook.
Os 'fact-checkers' chegaram à contranarrativa com um "intervalo entre uma hora e meia e três horas mais tarde", assim como o Governo, mas ambos serviram para reafirmar o desmentido e encerrar "o ciclo de resposta".
O MediaLab também fez um questionário no qual participaram 3.350 pessoas e que permitiu inferir que o "WhatsApp foi a plataforma cujo maior número de participante indicou ter sido aquela [rede social] através da qual receberam/viram" o conteúdo falso "pela primeira vez, representando 68,10%" do total da amostra.
Deste total, 52,3% receberam este conteúdo de desinformação através de um grupo de WhatsApp.
O WhatsApp é cada vez mais um meio preferencial para a difusão de 'fake news', já que é uma rede social "fechada" e os conteúdos permanecem nos grupos, ao contrário do Facebook, Instagram e Twitter, que são redes sociais "abertas" e, por isso, conseguem remover os conteúdos falsos, impedindo que continuem a propagar-se.
O relatório do MediLab também esclarece, através da análise cronológica dos acontecimentos, que a contranarrativa sobre a falsidade do documento foi "facilitada pela condição prévia de desconfiança de muitos destinatários".
60% das pessoas que responderam ao questionário referiram que decorrera entre dez e 30 minutos entre a "visualização da desinformação" o desmentido.
De acordo com a cronologia dos acontecimentos, acompanhada pelos investigadores do MediaLab, no Facebook, Twitter e Instagram entre o "primeiro 'tweet' sobre o falso plano de desconfinamento, sem imagem", e o "primeiro utilizador que desconfia que o plano é falso" decorreram 32 minutos.
O relatório do MediaLab pode ser consultado na íntegra aqui.
Leia Também: 'Fake news' são "novo normal" e há "transição" mundial para "nova ordem"