"Ao fim de um ano de pandemia [covid-19], realmente verificámos que há uma maior procura dos serviços nesta fase por alguns doentes" ao contrário do que aconteceu no início em que houve "uma grande restrição" dos doentes em ir ao serviço de urgência e às consultas, disse em entrevista à agência Lusa Joana Teixeira, médica psiquiatra do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL).
Segundo a especialista, "as pessoas isolaram-se e mesmo necessitando evitaram muitas vezes" ir ao hospital com receio de contrair covid-19.
"Agora nesta segunda fase [da pandemia] já se nota um maior cansaço das pessoas, já estão mais, não só sobrecarregadas do ponto vista da perturbação mental, já têm mais sintomas e vêm mais procurar ajuda porque realmente está a ser muito difícil lidar com o sofrimento no isolamento e, portanto, agora já verificámos um aumento do pedido de seguimento em consultas", disse Joana Teixeira na entrevista à Lusa no hospital, a propósito do aparecimento dos primeiros casos de covid-19 há precisamente um ano.
A psiquiatra sublinhou que, neste momento, na saúde mental existem basicamente "três grandes fatores a contribuir para o aumento dos pedidos para seguimento em consulta".
Um deles são os doentes que já tinham patologia psiquiátrica e que estavam estabilizados e que agora se nota de novo uma exacerbação de sintomas de novo.
"Estavam bastante estabilizados, apesar de já terem um diagnóstico prévio, e agora voltam a ter um agravamento de sintomas ansiosos e depressivos ou de insónia", disse, adiantando que também há doentes que estão em seguimento e em que se nota um maior agravamento de sintomas de ansiedade.
"A pessoa acaba por vir na mesma às consultas, mas nota-se uma exacerbação da sua patologia de base que já estava em tratamento e que, muitas vezes, dificulta a nossa capacidade de intervenção porque vão ser doentes que necessitam de um prolongamento do tempo em consulta de cuidados mais intensos do que seria desejável, ou suposto, sem ser numa situação de pandemia", explicou Joana Teixeira.
Depois também há os doentes que não tinham patologia psiquiátrica e que "agora, em consequência do confinamento da pandemia e desta situação de maior pressão a nível familiar laboral e cultural, acabam por precisar de acompanhamento".
A maior procura agora registada também se deve aos médicos de família estarem a referenciar mais doentes para o Hospital Júlio de Matos, "muitos deles classificados como urgentes", disse a psiquiatra, explicando que a diminuição da referenciação também se deveu a uma "menor procura dos serviços dos cuidados de saúde primários pelos doentes" por motivos relacionados com patologias psiquiátricas.
"A maior parte deles está na prioridade normal, mas já se começam a ver alguns realmente com prioridade urgente para dar uma resposta mais rápida", salientou Joana Teixeira.
Relativamente ao internamento, afirmou que são doentes mais graves: "os doentes crónicos com patologia mental grave, muitas vezes, descompensam com o confinamento, com a falta de apoio que, se calhar, teriam noutra situação normal sem ser de pandemia".
"Este isolamento favorece até a má adesão à terapêutica em alguns casos e, portanto, isso faz com que haja descompensações mais graves da doença mental grave", disse, acrescentando que os internamentos não serão em maior número, mas os doentes estão com "patologia mais exacerbada, mais grave do que numa situação normal".
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