Ricardo Salgado, o último banqueiro será julgado por abuso de poder
O ex-presidente do BES Ricardo Salgado, que chegou a ser conhecido como 'dono disto tudo', irá ser julgado por três crimes de abuso de confiança no âmbito da Operação Marquês, mas estava acusado de muitos mais.
© Global Imagens
País Operação Marquês
O antigo banqueiro era acusado de 21 crimes de corrupção ativa de titular de cargo político, corrupção ativa, branqueamento de capitais, abuso de confiança, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada.
Salgado, que esteve mais de 20 anos na liderança do Banco Espírito Santo (BES), deixou o cargo em 20 de junho de 2014, antes da intervenção do Banco de Portugal na entidade, ocorrida em 03 de agosto desse ano, tendo-lhe sucedido Vítor Bento.
Cerca de um mês depois de abdicar da presidência do BES, após a pressão feita durante meses pelo supervisor bancário para que tal acontecesse, Ricardo Salgado foi detido em 24 de julho de 2014 no âmbito da operação Monte Branco, que investiga a maior rede de branqueamento de capitais descoberta em Portugal.
Desde então, vários outros processos de índole administrativa, contraordenacional e criminal foram instaurados contra os antigos gestores do BES, entre os quais Ricardo Salgado.
O Ministério Público acusou no ano passado 18 pessoas e sete empresas por vários crimes económico-financeiros e algumas das quais por associação criminosa, no processo BES/Universo Espírito Santo, em que a figura central é precisamente o ex-banqueiro.
Salgado foi acusado nessa altura de 65 crimes, incluindo associação criminosa, corrupção ativa no setor privado, burla qualificada, branqueamento de capitais e fraude fiscal.
A sua defesa considerou que a acusação "falsifica" a história do BES, sublinhando que o antigo banqueiro "não praticou qualquer crime".
Sobrinho-neto do fundador do banco, Salgado foi escolhido para liderar a área financeira do Grupo Espírito Santo em 1991, chegando a essa posição pouco antes da primeira fase de privatização do BES, em que a família queria recuperar o banco depois de ter perdido quase tudo com as nacionalizações de 1975.
Em abril de 1992, já com a família com uma posição de relevo no banco, Ricardo Salgado sobe a presidente executivo do BES, iniciando um percurso que levou ao aumento da quota de mercado e à internacionalização do banco.
Ao longo de duas décadas, foi sob a liderança de Ricardo Salgado que o banco da família Espírito Santo se tornou o terceiro maior de Portugal, com o banqueiro a concentrar em si cada vez mais poder, decidindo os negócios da família, mas também influenciando a vida nacional.
Depois de meses a dizer que não acreditava numa intervenção do FMI em Portugal, em abril de 2011, a declaração de Ricardo Salgado ao então ministro das Finanças Teixeira dos Santos - "É imperioso pedir ajuda, estamos numa situação limite" - terá levado o governante a "perceber naquele momento que tinha de agir", lê-se no livro "O último banqueiro - ascensão e queda de Ricardo Salgado", de Maria João Babo e Maria João Gago, lançado em 2014.
Um episódio que mostra como Ricardo Salgado sempre soube gerir as relações com o poder político. Perante a acusação de que o BES é o banco do regime, o banqueiro responde: "É o banco de todos os regimes".
Apesar da relação exímia com todos os governos, "com nenhum outro primeiro-ministro [Salgado] teve uma relação tão próxima como com José Sócrates", lê-se no livro, que constata as posições próximas em vários temas, como o fomento da economia pelas grandes obras públicas.
Salgado também elogiou por várias vezes o executivo de Passos Coelho, mas a relação teve percalços, caso do recado enviado pelo ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar, em junho de 2013.
"Vítor Gaspar entrou na reunião com a Associação Portuguesa de Bancos a pés juntos: 'Se eu fizesse declarações sobre a dívida do BES tinha muito a dizer', avisou, num tom claro, duro e incisivo, perante os 15 responsáveis convocados para o encontro no Ministério das Finanças", contam as autoras.
Quanto ao mundo empresarial, o livro conta como o BES esteve envolvido na internacionalização da Portugal Telecom (PT) para o Brasil, na Oferta Pública de Aquisição (OPA) da Sonaecom sobre a PT (que levou o presidente da Sonae a dizer que o insucesso da operação foi a vitória dos "bloqueadores do progresso, de uma instituição que tem uma longa história de relações especiais com quase todos os governos") e contribuiu para a emergência da Ongoing.
Mas a reputação da família ia sendo fragilizada com os sucessivos casos em se via envolvida - como as operações "Furacão" e "Monte Branco", os casos dos submarinos e Portucale -, assim como as retificações de IRS feitas por Salgado, que se terá "esquecido" de declarar 8,5 milhões de euros recebidos pelo construtor José Guilherme por consultoria para negócios em Angola, em 2011.
O banqueiro desmentiu sempre que viessem de comissões e, segundo relatam as autoras do livro, justificou no Banco de Portugal e na justiça ter recebido, afinal, 14 milhões de euros num ato de caráter espontâneo.
Em paralelo, começaram a vir a público os problemas no BES Angola e as más relações com Álvaro Sobrinho, que em tempos foi seu delfim, o azedar das relações com o aliado Pedro Queiroz Pereira (da Semapa), a luta pela liderança do grupo com o primo José Maria Ricciardi e os problemas de endividamento e irregularidades detetados em empresas do GES.
Salgado foi também ouvido longas horas na comissão parlamentar de inquérito à gestão do BES/GES, onde foi confrontado pelos deputados dos grupos parlamentares com inúmeras perguntas, muitas das quais ficaram sem resposta.
Casado e pai de três filhos, Ricardo Espírito Santo Silva Salgado nasceu em 25 de junho de 1944, em Cascais, mas passou os primeiros anos da sua vida em Lisboa, na Lapa, onde viveu.
Estudou numa escola primária pública e, mais tarde, ingressou no Liceu Pedro Nunes.
Em 1969, licenciou-se no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras da Universidade Técnica de Lisboa e cumpriu o Serviço Militar na Marinha de Guerra Portuguesa, no Curso de Formação de Oficiais da Reserva Naval.
Três anos depois, em 1972, entrou para a equipa do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, primeiro para assumir a direção do Gabinete de Estudos Económicos e mais tarde a Direção de Crédito, onde permaneceu até 1975, aquando da nacionalização do banco.
O banqueiro português lançou-se a partir do Brasil, entre 1976 e 1982, na reconstrução do Grupo Espírito Santo, trabalho a que deu seguimento depois na Suíça, de 1982 a 1991.
Após a reprivatização do banco em 1991, Ricardo Salgado chegava então à presidência executiva do BES. Um ano depois era nomeado "Economista do Ano" pela Associação Portuguesa de Economistas e em 2001 "Personalidade do Ano" pela Câmara Portuguesa de Comércio do Brasil.
Em 2002, foi nomeado para o Supervisory Board da Euronext NV, em Amesterdão, e em 2006 participou na fusão da Euronext com o New York Stock Exchange (NYSE), integrando o conselho como membro não executivo até 2011, tendo ainda sido administrador não executivo do Banco Bradesco (Brasil), de 2003 a 2012.
O antigo homem forte do BES foi membro do conselho superior do GES, vice-presidente do Conselho de Administração e presidente executivo do banco, cargos que acumulou ainda com a presidência do Conselho de Administração da Espírito Santo Financial Group, SA-Luxemburgo e a presidência do Conselho de Administração do Banco Espírito Santo de Investimento (atual Haitong Bank).
Salgado integrou ainda os Conselhos de Administração da Banque Privée Espírito Santo SA-Lausanne e do Banque Espírito Santo et de la Vénétie-Paris.
Ao longo da sua vida, foi várias vezes distinguido, tendo sido condecorado "Chevalier de L´Orde du Mérite National de France" em 1994 e recebido o "Grau de Grande Oficial da Ordem do Cruzeiro do Sul", pelo Presidente da República Federativa do Brasil, em 1998.
Em 2005, foi condecorado "Chevalier de la Légion D´Honneur da República Francesa" e, em 2012, "Commander's Cross Order of Merit da República da Hungria".
Em julho de 2013, a Universidade Técnica de Lisboa distinguiu-o com o doutoramento 'honoris causa' por serviços prestados à economia, cultura, ciência e à universidade.
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