Relatora do Parlamento Europeu e negociadora com o Conselho e a Comissão do Pilar Social, a antiga ministra do Emprego e atual presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressivos afirma, em entrevista à Lusa, que há "aspetos positivos e oportunidades" na transição digital para um país como Portugal.
Maria João Rodrigues aponta que Portugal, pelas suas características é "um país muito agradável para se viver, do ponto de vista natural, do ponto de vista do que somos como população, como povo, como cultura".
"E, hoje, a transformação digital está a provocar uma alteração de paradigma que conduz a que, para certos empregos, é possível as pessoas escolherem onde é que querem trabalhar".
Nesse quadro, Portugal pode ter "pessoas a querer escolher trabalhar em Portugal para plataformas que operam à escala internacional", pessoas que "querem viver" em Portugal "porque gostam de viver" em Portugal.
Maria João Rodrigues não fala apenas de estrangeiros, mas também de "abrir uma outra latitude" relativamente "ao conjunto do território nacional", "porque portugueses que vivam em cidades, podem optar por querer viver em zonas mais do interior, pequenas vilas, pequenas aldeias".
"E isso é possível porque passa a haver uma desconexão entre emprego e geografia. E nós, Portugal, devemos aproveitar isso", defende.
"Nós podemos criar muitos empregos no território português, quer nas zonas urbanas, quer nas zonas rurais, se forem empregos a trabalhar para grandes plataformas internacionais. Temos grandes condições de atratividade para esse efeito", frisa.
Questionada sobre as falhas de cobertura de internet em algumas zonas do país, sobretudo do interior, Maria João Rodrigues afirma: "Ora aí está, para lá estar, tinham de se preparar para isso".
"Há outros países que já estão a implantar centros de trabalho conjunto, com infraestruturas modernas, atualizadas, onde trabalhadores por conta própria, trabalhadores por conta de outrem, podem encontrar essas infraestruturas avançadas, trabalham naquelas zonas do país porque gostam de viver lá e isso passou a ser possível porque trabalham à distância", exemplifica.
Um tal investimento, associado à transição digital, pode criar "uma oportunidade para uma nova vaga de empregos em Portugal", afirma.
Maria João Rodrigues, que defende uma regulação pela União Europeia (UE) das grandes plataformas digitais, que as vincule, quando são entidades empregadoras, a "estipular um contrato de trabalho com tudo o que é próprio de um contrato de trabalho", admite que uma tal regulação pode levar a uma "fuga" a recrutar trabalhadores na Europa.
"Essa questão é real, é uma preocupação", admite.
Essas plataformas, considera, não vão fugir da Europa "porque precisam de operar nestes mercados, que são mercados altamente rentáveis", mas podem "fugir é o trabalho que essas plataformas mobilizam para operarem".
"Podem entender ir buscar esses trabalhadores, não aqui na Europa, mas noutros pontos do mundo, e por isso é que a regulação das grandes plataformas hoje está transformada numa questão não só de política europeia, mas de política global", afirma.
"Há toda uma discussão no quadro multilateral internacional, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), as Nações Unidas, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), para criar um enquadramento coordenado das grandes plataformas em matéria de condições de trabalho e de pagamento de impostos", frisa.
Maria João Rodrigues admite ter "alguma esperança" em que essa discussão, com a eleição do presidente norte-americano, Joe Biden, nos Estados Unidos, "seja um pouco mais fácil", "porque na fase anterior estava tudo bloqueado".
"Neste momento, penso que há uma abertura do lado da administração americana, mas é uma questão chave e que não está resolvida. Não está resolvida", sublinhou.
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