"Esta atividade assim tem que ser regulada. Isto já não tinha 'eira nem beira'", argumentou à agência Lusa Teresa Fernandes, de 42 anos, professora de Educação Física, residente na localidade de Longueira.
A docente, que dá aulas em escolas de Longueira e de Odemira (no distrito de Beja), já aguardava há mais tempo medidas "apertadas" para controlar os casos locais de covid-19, envolvendo sobretudo trabalhadores agrícolas, num concelho com muitas empresas do setor hortofrutícola.
O Governo decidiu decretar uma cerca sanitária às freguesias de São Teotónio e de Almograve, no concelho de Odemira, devido à elevada incidência de casos de covid-19, sobretudo em trabalhadores do setor agrícola, anunciou o primeiro-ministro, António Costa, na quinta-feira à noite.
Para Teresa Fernandes, "foi um desgoverno até agora, porque foi um 'fechar de olhos'" e "não quiseram saber da situação", apesar de "as pessoas com 'olhos abertos' do concelho" saberem "que isto estava a 'cair no buraco'".
Por isso, "por um lado, ainda bem que a 'covid' veio, para a 'bomba estalar'", acrescentou, criticando aspetos do negócio do aluguer de casas aos trabalhadores, muitos migrantes, ou a empresas de trabalho temporário.
Na zona, quem tem casas, "tem que as alugar e ganhar o seu", admitiu, acrescentando que há os que "têm consciência de que as coisas são assim e não querem saber, mas há outras pessoas que nem têm culpa".
"Alugam a casa por 'x' ao 'cabecilha'" da empresa de trabalho temporário e "ele é que depois põe os trabalhadores lá dentro", por vezes, "mais do que deviam lá estar, e ainda lhes cobra 'y'", criticou.
Por isso, a elevada incidência de casos de covid-19 nas duas freguesias não é admiração: "Dormindo em casas com 20 e 30 pessoas e andando aí de um lado para o outro como é que não havia de ser, se isto é super contagioso? Era impossível", desabafou.
Funcionário da Câmara de Odemira, Nélson Martins, residente em Odeceixe, no concelho vizinho de Aljezur, no Algarve, considerou que a cerca sanitária "é uma medida que se justifica" e que, "aliás, já devia ter sido tomada há mais tempo".
"Agora é que estamos, finalmente, com os 'pés no chão' e a 'cabeça no lugar', a tomar consciência daquilo que se passa no concelho. Já havia estes surtos há algum tempo", afiançou.
O funcionário camarário aludiu também a casas onde moram demasiados trabalhadores do setor agrícola e deu como exemplo a rua onde reside a mãe, em São Miguel, na freguesia de São Teotónio.
"São seis casas de um lado e do outro, tipicamente alentejanas, pequenas. Do lado da minha mãe, residem três pessoas, ela numa casa, um tio meu e outra pessoa noutra casa. Do outro lado, numa casa estão nove pessoas", trabalhadores agrícolas, "e devem estar mais uma data deles noutra", contou.
Durante o dia, "estão confinados, em casa, mas à noite todos saem para a rua. Estão fartos de estar fechados o dia todo, é muita gente dentro de casa", acrescentou.
Por isso, para Nélson Martins, "uma das grandes vantagens" que a cerca sanitária vai implicar é clara: "Vai ser, finalmente, tentarmos disciplinar isso".
Mas, estes casos de aglomeração de trabalhadores em casas locais não são exclusivos das duas freguesias com cerca sanitária, alertou ainda Teresa Fernandes.
"Vila Nova de Milfontes está cheia destes trabalhadores e aqui em Odemira, de manhã, há sempre autocarros a virem buscá-los à ponte, para irem trabalhar" para as empresas agrícolas, contou.
E agora, "como é que vão fazer? Quem regula isso? Não é exclusivo destas duas freguesias", salientou.
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