Tancos: "Investigação paralela" da PJ Militar foi "completamente ilegal"
A ex-procuradora-geral da República Joana Marques Vidal reiterou hoje que a "investigação paralela" da PJ Militar ao furto do armamento de Tancos foi "completamente ilegal" e insistiu que a competência exclusiva para investigar o crime era da PJ.
© Global Imagens
País Joana Marques Vidal
Joana Marques Vidal depôs hoje como testemunha no julgamento do processo de Tancos, no Tribunal de Santarém, dizendo que "a investigação paralela da Polícia Judiciária Militar [PJM] sem qualquer suporte à direção do inquérito [Ministério Público] era completamente ilegal", justificando que a linha de investigação que estava a ser seguida era a de terrorismo, criminalidade violenta e organizada, "da competência exclusiva da PJ"
Tecendo várias críticas à atuação da PJM neste caso e à atitude do seu ex-diretor e arguido Luis Vieira, a magistrada admitiu, porém, que teria sido desejável que, após a atribuição do processo ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e à PJ, tivessem sido definidas as regras de colaboração institucional da PJM.
Manifestando a sua posição com base na experiência adquirida, a magistrada foi crítica em relação à atuação da PJM em vários processos, considerando existir uma "deficiência na formação dos seus elementos" e uma deficiente coordenação entre investigadores", devido à exigência de respostas perante as hierarquias, que "pode, por vezes, sobrepor-se à responsabilidades de responder perante as autoridades judiciárias, neste caso ao Ministério Público".
A testemunha defendeu inclusivamente a reformulação da investigação de crimes militares
Joana Marques Vidal partilhou ainda o teor do telefonema (03 de julho de 2017) que teve com o ex-diretor da PJM, quando lhe comunicou que a investigação do furto seria da PJ, dizendo que o coronel teve uma "reação desabrida, exaltada" e se mostrou "inconformado" com a decisão e que ficou com a sensação que "faltava conhecimento sobre os princípios estruturantes do Código de Processo Penal".
A magistrada insistiu que em causa estava criminalidade altamente organizada, eventuais ações terroristas e tráfico internacional de armas e esses crimes são da competência exclusiva da PJ.
"O Ministério Público, eu própria e o diretor do DCIAP estávamos convencidos que entre as linhas de investigação havia uma possibilidade credível que o material fosse usado para atos terroristas", sublinhou.
Em termos temporais, a ex-PGR contou ao tribunal que soube do furto do material militar dos paióis pela comunicações social e que, meses mais tarde, teve conhecimento do achamento do mesmo, na Chamusca, através do diretor do DCIAP que lhe falou do comunicado público da PJM.
"Logo que a PJ Militar recebeu a chamada anónima [que na ocasião era tida como verdadeira] a denunciar o local das armas tinha a obrigação legal de comunicar ao MP", criticou.
Lamentou ainda que, no dia do achamento do material, tenha tentado "insistentemente" falar com Luis Vieira, sem sucesso, atitude que admitiu a ter irritado e que comunicou isso mesmo ao ministro da Defesa, na altura Azeredo Lopes, e também arguido neste processo, a quem chegou mesmo a dizer que a atitude dos elementos da PJM na investigação era passível de procedimento disciplinar.
O processo de Tancos tem 23 arguidos, dez arguidos respondem por associação criminosa, tráfico e mediação de armas e terrorismo, pelo alegado envolvimento no furto do armamento e os restantes 13, entre eles Azeredo Lopes, dois elementos da PJM e vários militares da GNR, sobre a manobra de encenação/encobrimento na recuperação do material ocorrida na região da Chamusca, numa operação que envolveu a PJM, em colaboração com elementos da GNR de Loulé.
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