O processo nasceu de uma ação interposta em 2007 contra o então Ministério das Obras Públicas (agora tuteladas pelo Ministério das Infraestruturas) e a Estradas de Portugal (entretanto integrada na Infraestruturas de Portugal) por um morador da zona abrangida pelo último sublanço da estrada (Buraca-Pontinha), já concretizado.
A ação pedia a anulação da Declaração de Utilidade Pública (DUP) urgente para as expropriações, alegando que a obra "viola manifestamente não só a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) emitida, bem como as regras da Lei de Bases do Ambiente".
Na segunda-feira passada, os advogados intervenientes no processo redigiram, com a supervisão do tribunal, um acordo que, ao ser analisado pelos envolvidos, não foi aceite pelo réu (ministério), disse à Lusa o autor da ação.
De acordo com Jorge Alves, "após a intenção por parte do réu e contrainteressada [Estradas de Portugal] de alcançar um acordo", foi elaborada uma proposta do mesmo. No documento, explicou, o Governo "assumia de forma tímida um 'mea culpa' relativamente à violação da DIA", e era "referido o compromisso de envio de um relatório sobre os dados de monitorização do ruído e emissões gasosas e de partículas referentes ao projeto já implementado".
Este relatório seria enviado à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) de forma a fazer um cruzamento desses dados com as eventuais queixas, reclamações ou outros incidentes relevantes relativos à exploração da via, segundo Jorge Alves.
Tanto o autor da ação como o Ministério Público consideraram que para haver "efeitos práticos" era preciso acrescentar ao acordo a necessidade de a APA fazer uma avaliação dos dados, "no sentido da realização de uma pós-avaliação do projeto já executado, de forma a que, se viessem a verificar-se impactes ambientais, fossem adotadas as medidas de minimização dos mesmos, adequando-os aos parâmetros legais".
No entendimento do autor da ação, pretendia-se que fosse feita uma pós-avaliação dos impactes ambientais, para corrigir o facto de o projeto executado não ter sido sujeito a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) conforme exigido legalmente.
"Esta alteração de texto que incorporava esta intenção não foi bem acolhida pelo réu, que rejeitou o acordo", ficando agendada audiência de julgamento para o dia 24 de maio, explicou Jorge Alves.
O autor da ação afirmou que a recusa de acordo não o surpreendeu, mostrando-se, no entanto, "perplexo com a atitude do réu e da contrainteressada", que considera ser "desadequada, tendo em conta a prova existente e fundamentada de que a obra foi feita sem a obrigatória AIA, e em claro incumprimento da DIA, facto comprovado por escrito pela própria APA".
Passados 14 anos de ter sido colocada a ação em tribunal, visando "o cumprimento da lei e a salvaguarda do respeito pelas instituições e cidadãos", Jorge Alves considerou agora que "os responsáveis atuais do Governo não estão interessados em corrigir erros anteriormente cometidos, mas, pelo contrário, continuar a 'alimentá-los'".
"Este incumprimento é também assumido na Comissão de Ambiente da Assembleia da República, uns anos após a obra ter sido adjudicada e estar no terreno, pelo próprio ministro do Ambiente, Francisco Nunes Correia, na data em exercício", lembrou, igualmente.
Numa sessão em tribunal em setembro de 2010, os técnicos da APA responsáveis pela avaliação dos projetos para conclusão da CRIL revelaram que os pareceres emitidos foram negativos e não suportavam a DIA.
No texto da ação, interposta no tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, o autor alegou que a obra deste sublanço violava não só a DIA emitida, como as regras da Lei de Bases do Ambiente:
"Está mais do que provado que o projeto em construção viola a Declaração de Impacte Ambiental, que considerava essencial a redução de quatro para três faixas por sentido de tráfego na zona junto ao bairro de Santa Cruz", disse então à agência Lusa o autor, Jorge Alves.
"Foi sobre o projeto inicial que foi emitida a DIA, que condiciona tudo à escolha de uma solução em túnel coberto para esta zona", referiu.
A DIA foi alterada em 2007, na sequência de um pedido da então Estradas de Portugal e com base num parecer técnico do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), que remeteu a decisão para a APA, mas sublinhou que não lhe tinham sido fornecidos estudos que permitissem avaliar detalhadamente as vantagens do projeto.
Contudo, nesse parecer técnico, o LNEC referia: "O prolongamento do túnel permite potencialmente evitar o contacto do ambiente exterior com as fontes de poluição no interior do túnel nos troços cobertos, mas pode gerar fontes de poluição mais intensas nos emboquilhamentos e outras aberturas para o exterior".
Aos documentos inicialmente entregues com a ação interposta em tribunal foi acrescentado o relatório final da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, que decidiu enviar todo o processo para a Procuradoria-Geral da República.
Segundo o autor da ação, o processo administrativo da conclusão da CRIL está "recheado de procedimentos que não deveriam ser aceitáveis num Estado de direito", entre os quais "suspeita de manipulação de parecer técnico (parecer do LNEC), além da adjudicação da obra por mais de 16 milhões de euros ao sétimo concorrente (Bento Pedroso/Odebrecht)".
O troço final da CRIL liga o nó da Buraca (Amadora) ao da Pontinha (Odivelas) e este à rotunda de Benfica (Lisboa), numa extensão aproximada de 4,5 quilómetros.
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