No Dia da Criança, quando a Lusa visitou o local, Cláudia Sabença abre a porta da casa especializada para acolhimento de menores não acompanhados gerida pela Cruz Vermelha Portuguesa e a funcionar desde julho de 2020.
É a valência mais recente em Portugal, no quadro das várias opções de acolhimento de refugiados, e a diretora técnica da casa de acolhimento sublinha que os jovens que ali vivem, temporariamente, estão "bem integrados" numa "cidade muito rica em multiculturalidade".
A maior parte dos 21 menores que vivem na casa, situada numa zona central de Lisboa, é originária do Afeganistão (mas também do Egito, Gâmbia, Irão) e estava nos vários campos de refugiados na Grécia, tendo vindo para Portugal em resposta ao apelo do Governo de Atenas e da Comissão Europeia, em março de 2020, para a recolocação dos milhares de menores que se encontravam em campos de refugiados gregos.
Alguns tinham chegado a Lisboa há poucos dias, na leva que fez de Portugal o 4.º Estado-membro que mais menores não acompanhados já acolheu (cerca de uma centena).
"O nosso trabalho passa por recebê-los, responder às necessidades primárias todas e (...) enquadrá-los nas atividades lúdicas, pedagógicas, culturais, integrá-los na cidade de Lisboa, [onde] frequentam a escola", detalha Cláudia Sabença, especificando que, "dentro de casa, têm acompanhamento diário de uma equipa especializada" de 18 elementos.
Os jovens "ficam, em média, seis meses" na casa temporária, prazo que pode estender-se ao "tempo necessário para encontrar a resposta subsequente adequada", frisa a socióloga, que coordena a equipa multidisciplinar (assistentes sociais, psicólogos, professores, tradutores).
Sofia Bento, psicóloga, faz parte da equipa. "Por norma, são jovens muito resilientes. Têm algumas dificuldades próprias, não só das experiências nos campos de refugiados, dolorosas na maioria das vezes, e desafios próprios da faixa etária, da adolescência", descreve.
"São adolescentes que foram forçados a crescer, muitos deles os pais faleceram devido aos ataques dos talibãs, essas questões relacionadas com a guerra, e eles, enquanto rapazes, assumem o papel cuidador, das mães e das irmãs principalmente", esclarece.
A maior parte dos jovens contacta com as famílias, "numa base diária, através de vários canais", mas têm saudades.
"A maior das preocupações" é se vão conseguir subsistir sozinhos e conseguir "dar um futuro à família", conta Sofia Bento.
"As primeiras semanas são sempre um bocadinho mais complicadas, porque começam a entrar na rotina, começam a ir à escola, têm horários", coisa que não acontecia no "ambiente desestruturado" do campo de refugiados na Grécia.
"Têm algumas dificuldades ao nível do sono, têm muitos pesadelos, demoram muito tempo a adormecer, procuram cuidadores durante a noite", relata a psicóloga.
"Ao longo do tempo, notamos muitas melhorias, conseguem dormir mais tranquilos, até o estado de humor... andam muito mais felizes desde que foram integrados na escola", compara.
Os "traumas que trazem" são "a principal barreira", bem como "o afastamento da família", concorda a diretora técnica. Mas também a língua é um entrave. "Recorremos ao tradutor bastante, para comunicar com os jovens", diz.
"São jovens completamente normais. Têm a sua carga emocional, mas são jovens que estão à procura de um futuro. Estão muito entusiasmados por estarem em Portugal, querem muito estudar, querem muito ter um futuro profissional. Têm todas as características de um jovem de 15, 16, 17 anos, muito animados pelo desporto e por conhecer a cidade", descreve Cláudia Sabença.
Os jovens da casa da Cruz vermelha adoram desporto e valorizam a escola. Gostam de ir para a zona da Alameda e "passar lá as tardes", sentados na relva, a socializarem com outros que já estão em Portugal há tempo.
"Trazem muitos sonhos, diversificados. Temos de tudo: jovens que querem ser jogadores de futebol, outros querem ser barbeiros, mecânicos, cozinheiros, médicos, engenheiros... É uma panóplia de coisas que querem fazer e sonhos não lhes faltam", relata, reconhecendo que a integração na escola em ambiente formal é um desafio também. Agravado, em tempo de pandemia, pelo ensino à distância e o isolamento imposto.
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