"A arquitetura atravessa um tempo difícil, sujeita, entre outros, a um equívoco que pressinto bastante generalizado: ser a arquitetura um luxo caro" disse o arquiteto, que é o único português laureado com a Medalha de Ouro da UIA.
"A arquitetura não é um luxo, é um serviço que não se satisfaz para além do que lhe compete por formação com menos do que a beleza. É também uma forma de combate a desigualdade. Só pelo diálogo, pelo debate se pode desmontar este e outros equívocos", acrescentou.
Antes de encerrar sua breve intervenção no evento num vídeo de dois minutos, Álvaro Siza frisou que não poderia despedir-se "sem recordar comovidamente o grande amigo e grande arquiteto Paulo Mendes da Rocha".
Mendes da Rocha, falecido em maio passado, foi um dos arquitetos brasileiros mais premiados de sempre, era sócio honorário da Casa da Arquitetura de Matosinhos, instituição a que doou a totalidade do seu espólio. Em Portugal, Mendes da Rocha assinou o projeto do Museu Nacional dos Coches, em Lisboa.
Na sequência da abertura do congresso, em que também falaram organizadores, autoridades e representantes de conselhos de arquitetos do Brasil, aconteceu o debate "Diálogo Brasil Portugal", que prestou homenagem a Mendes da Rocha e do qual participaram os arquitetos portugueses Nuno Sampaio, Eduardo Souto Moura e a arquiteta brasileira Carla Juaçaba.
Ao iniciar o seu discurso, Carla Juaçaba lembrou frases de Mendes da Rocha para explicar sua visão sobre o momento atual da arquitetura, lembrando que ele defendia a coexistência entre a construção humana e a natureza.
"Paulo Mendes da Rocha tinha frases muito fortes sobre a relação do homem com a natureza e com a cidade. As frases respondem tão bem [a este momento] como os projetos dele. Como este último, que é uma fantasia, que ninguém encomendou, para a Praça da República (...) Ele desenhou uma infraestrutura urbana com lazer e realmente desenhou o homem e a paisagem", explicou.
"É o desenho de uma paisagem manufaturada, construída, que é o que temos que fazer agora, um desenho sobre o coexistir do homem com a natureza, o homem e a paisagem, o homem e a cidade", acrescentou a arquiteta brasileira, citando o projeto de Mendes da Rocha que sugere transformar a Praça da República, no centro de São Paulo, a maior cidade do Brasil, numa enorme piscina pública ou no que alguns chamaram de praia urbana.
Já Souto Moura salientou ter uma visão otimista sobre o papel dos arquitetos neste mundo em transformação já que as dificuldades desafiam os criadores a buscar novas possibilidade para planear suas intervenções na cidade e também novas ferramentas.
"Temos que ter consciência das dificuldades, cada vez maiores. Cada vez mais a arquitetura tem oposições, tem obstáculo, mas temos que arranjar uma maneira de contornar e sair deles", defendeu Souto Moura.
"Eu comparo a situação do arquiteto, do cliente com o círculo do sumo [luta tradicional japonesa] em que ganha quem conseguir por o adversário fora do círculo, ou anular o adversário (...) Com esta analogia quero dizer que no fundo não é a violência, a força que definem as situações, mas exatamente a estratégia que escolhemos para desviar de maneira que o próprio adversário saia do jogo", acrescentou o arquiteto português vencedor do Prémio Pritzker.
Souto Moura reconheceu que no dia a dia o trabalho dos arquitetos tem sido cada vez mais difícil, e até mesmo penoso, mas acrescentou ter a esperança de que se vai "arranjar outros instrumentos, outros materiais outras linguagens outros sistemas convertidos e outras formas".
"Isto não se inventa de um momento para outro, mas é uma resposta para o problema (...) A arquitetura é uma resposta", destacou.
Tal qual fez Siza na abertura do evento, Souto Moura também demonstrou a sua preocupação em relação ao custo da mão de obra usada nas construções e dos materiais necessários para dar vida aos projetos arquitetónicos, que tem trazido dificuldade aos profissionais para gerir orçamentos dos projetos.
Ao longo do debate, os participantes falaram também sobre referências e inspirações, a relação entre arquitetura e política, e importância de guardar acervo de arquitetos para utilizá-los em aulas e também fizeram algumas referências ao legado de Mendes da Rocha.
A decorrer desde março, em versão digital, o congresso tem vindo a reunir profissionais dos cinco continentes, em semanas temáticas de debate, que abordaram "Fragilidades e Desigualdades", "Diversidade e Mistura", "Mudanças e Emergências" e "Transitoriedades e Fluxos".
Durante a derradeira etapa, será feita a transferência da bandeira do congresso para a Dinamarca, que o acolherá em 2023, assim como do título de Capital Mundial da Arquitetura, para Copenhaga.
O 27.º Congresso Mundial de Arquitetos encerra no dia 22 de julho.
Marcado inicialmente para 2020, o congresso teve de ser adiado para este ano, por causa da pandemia de covid-19, decorrendo de forma virtual desde março. Excecionalmente, a sessão de domingo, segundo Nuno Sampaio, será em formato misto, alternando entre o digital e o presencial.
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