Os detidos na Operação Miríade da Polícia Judiciária (PJ), que envolve militares portugueses que estiveram em missões das Nações Unidas (ONU) na República Centro Africana, deverão começar a ser ouvidos esta terça-feira em primeiro interrogatório judicial.
Em causa estão suspeitas de contrabando de diamantes e ouro, tráfico de droga, contrafação e passagem de moeda falsa, acessos ilegítimos e burlas informáticas, no contexto de uma rede criminosa com ligações internacionais.
Forças Armadas atuaram logo, defende Costa
Sobre o caso, o primeiro-ministro defendeu que as Forças Armadas atuaram logo, comunicando às autoridades judiciárias para que tomassem as providências necessárias, perante suspeitas de crime por parte de militares portugueses em missão na República Centro Africana.
"Preocupa-me que haja uma rede de qualquer tipo de criminalidade onde quer que seja, e nas Forças Armadas por maioria de razão", declarou António Costa em entrevista à RTP, depois de confrontado com a investigação a uma rede criminosa com ligações internacionais e que se dedicará ao contrabando de diamantes e ouro, tráfico de estupefacientes, contrafação e passagem de moeda falsa.
O líder do Executivo salientou que "as próprias Forças Armadas detetaram e, mal detetaram, comunicaram às autoridades judiciárias para tomarem as providências necessárias". "Vivemos num país onde ninguém está acima das leis, sejam as Forças Armadas, sejam as forças de segurança, seja político, seja quem for", frisou.
Ministro informou a ONU das suspeitas em 2020
Por seu turno, o ministro da Defesa revelou ter informado as Nações Unidas (ONU) em 2020 das suspeitas de tráfico que recaíam sobre alguns militares portugueses em missão na República Centro-Africana, garantindo que estes já não se encontravam naquele território.
"Informei [a ONU] de que a denúncia tinha ocorrido, que o assunto tinha sido encaminhado para as nossas autoridades judiciais e que todos os elementos pertinentes tinham sido entregues para investigação judiciária. E também, naturalmente, que os militares sob suspeita já não estavam na RCA e que portanto podiam ter toda a confiança em relação às nossas Forças Armadas como sempre tiveram", adiantou João Gomes Cravinho.
Gomes Cravinho disse ter sido informado sobre as suspeitas de tráfico de diamantes e ouro em missões na República Centro-Africana por militares portugueses em dezembro de 2019 pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), almirante António Silva Ribeiro, que lhe falou da sua intenção de comunicar à Polícia Judiciária Militar (PJM) os casos.
Caso afeta imagem das Forças Armadas?
Questionado sobre se este caso terá um impacto negativo nas Forças Armadas, designadamente na sua imagem internacional, António Costa recusou. "Não creio. O senhor ministro da Defesa [João Gomes Cravinho] já o disse, informámos imediatamente as Nações Unidas do que tinha acontecido. Não vou desvalorizar dizendo que não é um caso inédito, qualquer caso é um caso em si grave", respondeu.
Na mesma linha, o ministro dos Negócios Estrangeiros destacou que Portugal é um "contribuinte líquido para a segurança internacional", considerando que as suspeitas em causa não afetam a imagem do país. "Não afeta a nossa imagem internacional. Se as autoridades judiciais entendem que há indícios que exigem investigações, essas investigações devem ser feitas. Vigora o princípio da separação dos poderes. não tenho nada a dizer sobre investigações em curso", disse Augusto Santos Silva.
"Excelência" das Forças Armadas não está em causa
Para o Presidente da República, a "excelência" das Forças Armadas não está em causa com as investigações ao alegado "tráfego de diamantes", considerando que a abertura da investigação interna só as "prestigia". "Em boa hora as Forças Armadas, logo que tiveram conhecimento da denúncia, que foi no final de 2019, procederam à investigação imediatamente, envolvendo a Polícia Judiciária Militar, depois alargou-se à Polícia Judiciária, naturalmente, pelas implicações mais vastas do que o domínio nomeadamente das Forças Armadas", disse o Chefe de Estado.
Visão diferente tem a Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) que considerou que a confirmarem-se as suspeitas de tráfico de diamantes e droga por elementos das Forças Armadas "está em causa o bom nome" da instituição e dos militares portugueses.
Além dos militares, entre os detidos há um elemento da Polícia de Segurança Pública (PSP), que já esteve nas Forças Armadas e estava ao serviço do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, e um guarda-provisório da GNR em formação, desde junho de 2021, no curso de guardas em Portalegre, também proveniente das Forças Armadas.
A Polícia Judiciária confirmou a execução de 100 mandados de busca e 10 detenções no âmbito da Operação Miríade, na sequência de um inquérito dirigido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa.
Em comunicado, o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) revelou que alguns militares portugueses em missões na República Centro-Africana (RCA) podem ter sido utilizados como correios no tráfico de diamantes, adiantando que o caso foi reportado em 2019.
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