Ucranianos e russos em Portugal acentuam divergências sobre conflito

A tensão entre a Rússia e a Ucrânia também é visível em Portugal, com representantes das duas comunidades a esgrimirem argumentos irreconciliáveis, dos receios de uma invasão à denúncia da imagem deformada que é transmitida do seu país.

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Lusa
19/12/2021 08:35 ‧ 19/12/2021 por Lusa

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"A escala do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, bem como a eventual invasão da Rússia à Ucrânia são produtos de 'fake news' que se produziram fora desses países, têm o objetivo de desestabilizar a região e praticamente todos os jornalistas sabem isso", declarou à agência Lusa Vladimir Pliassov, 69 anos, coordenador de Estudos Russos na Universidade de Coimbra.

Nas últimas semanas, a Ucrânia tem acusado a Rússia de concentrar mais de 90.000 soldados na fronteira entre os dois países com o objetivo de atacar o seu território, enquanto Moscovo acusa Kiev de ter concentrado 125.000 militares (metade dos efetivos das suas Forças Armadas) na região do Donbass (leste).

A Ucrânia é, desde 2014, palco de um conflito entre Kiev e separatistas pró-russos no leste do país, que já causou mais de 13.000 mortos e começou após a anexação da península da Crimeia pela Rússia.

A posição de Vladimir Pliassov, em Portugal desde 1988, contrasta com a da comunidade ucraniana no país, cujo representante disse à Lusa estar "muito preocupada" com a situação e mobilizada em torno de diversas iniciativas para pressionar o Governo e enviar auxílio aos soldados mobilizados no Leste.

"A nossa associação, juntamente com outras, escrevemos várias cartas ao primeiro-ministro, ministro dos Negócios Estrangeiros e ministro da Defesa de Portugal para ajudarem a Ucrânia a entrar na NATO", precisou Pavlo Sadokha, economista, 51 anos, presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal.

"Fui levar pessoalmente esse apoio dirigido ao leste da Ucrânia, para os nossos soldados ucranianos. Nessa altura vi que muitos desses soldados que estão a lutar no leste da Ucrânia são russófonos, são daquela terra, mas entendem que esta agressão russa não é devido à religião ou língua, (é) apenas porque pretendem ocupar esses territórios", sustentou.

Equipamento militar, incluindo botas, "porque em Portugal existem das melhores fábricas de sapatos", roupa especial para os soldados, produtos alimentares, farmacêuticos, foram então reunidos.

"Há mais pedidos entre a nossa comunidade e várias associações, começou a juntar-se dinheiro, produtos, para apoiar a Ucrânia quando necessário", acrescentou.

Antes, enviaram cartas e petições ao Governo português como forma de pressão "para um apoio político no sentido de uma integração mais rápida nas estruturas europeias".

"Vemos que o modelo de país que existe em Portugal é o mesmo que a Ucrânia tem de seguir. Tem algumas dificuldades, mas é um modelo único de democracia, aquilo pelo qual a Ucrânia durante tantos séculos lutou", esclareceu.

O académico russo assinalou, por seu turno, serem de nacionalidade ucraniana alguns dos seus cerca de 40 alunos (antes da pandemia tinha "entre 120 e 150 alunos") do curso de Literatura Russa.

"Tenho aulas muito interessantes, com alunos a favor e outros contra", numa referência às posições face à Rússia. "Até há gritaria, mas eu sou o moderador. Podem dizer o que quiserem, mas na base de factos. (o opositor russo Alexei) Navalny foi envenenado? Apresentem factos. Mas onde está o resultado das análises?", questionou.

Navalny foi envenenado em 2020 com um agente neurotóxico do tipo Novichok, substância desenvolvida pelos militares soviéticos, o que atribui às autoridades russas e estas sempre negaram.

Alguns dos alunos ucranianos trabalham no seu centro de estudos como voluntários, disse Pliassov, mas impõe exceções.

"Não trabalho com idiotas, que exprimem uma forma primária de nacionalismo. Quando dizem que a nação ucraniana, os ucranianos, foram o primeiro povo civilizado da Europa", assinalou.

O académico privilegia os contactos com o que designa por "pessoas normais". Neste caso "com ucranianos normais, não com aqueles que na rua levantam o braço esquerdo do coração para cima, a saudação de Hitler, e dizem 'viva a Ucrânia', 'vivam os heróis'. Isso não aceito", afirmou.

Sobre a situação de tensão entre o seu país e a Ucrânia, Pliassov insurge-se contra as 'fake news', incluindo as que diz serem divulgadas por Navalny, detido desde janeiro e cuja filha recebeu esta semana em seu nome o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, atribuído pelo Parlamento Europeu.

"Para quem lê jornais, vê televisão, por todo o lado se diz que a Rússia quer engolir a Ucrânia, por causa do Donbass, mas segundo o acordo de Minsk que foi assinado em 2015 com a França e Alemanha, são todos responsáveis pelo seu cumprimento", sublinhou.

Segundo o académico, as atuais preocupações e ameaças ocidentais possuem um objetivo mais amplo, a partilha do país e alguns "politólogos" defendem "a divisão da Rússia entre quatro e 18 regiões".

"Os ucranianos dizem que para a Rússia é suficiente a região de Moscovo. Mas a Rússia não é isso, a Rússia que temos foi criada durante mil anos, pelos nossos antepassados, e tinha vários nomes. Rússia, Império russo, União Soviética", sustentou.

"Alguém quer dividir a Rússia e ceder partes do país a alguns barões regionais que querem chegar ao poder (...). Não são os ucranianos que inventam coisas sobre a Rússia, nem russos sobre ucranianos", adiantou.

As trocas de opinião entre os seus membros da Associação dos Ucranianos dão conta de outra realidade, de acordo com o seu presidente.

"Nas redes sociais, nos nossos encontros, sempre falamos desta situação perigosa. E achamos que pode existir um ataque porque (o Presidente russo Vladimir) Putin mostrou que é imprevisível durante todos estes anos, sobretudo nos mais recentes. Sabemos que na própria Rússia são perseguidos os políticos da oposição", referiu Pavlo Sadokha.

E sobre a perspetiva de um conflito generalizado afirmou: "É um problema sério, se a Rússia atacar a Ucrânia vai aumentar a imigração dos ucranianos para salvarem a vida".

No entanto, Sadokha, casado com uma portuguesa e com familiares próximos a viverem no seu país de origem, admitiu um outro cenário, menos catastrófico.

"Não acredito que a Rússia chegue ao ponto de atacar a Ucrânia, porque o facto de a Ucrânia ter tanto apoio da União Europeia e dos Estados Unidos implica que a Rússia não tenha coragem de atacar. Mas nunca se sabe, porque (...) todos os dias vejo notícias da Rússia, e Putin, os generais e os políticos estão a perder a cabeça", disse ainda.

Leia Também: Ucrânia. EUA avisam Rússia de que não negoceiam sem aliados europeus

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