"Vimos um incêndio que ao início parecia normal, com acessos difíceis. Tentámos logo combater (..) e as condições alteraram-se", afirmou no Tribunal Judicial de Leiria Bruno Carvalho, que integrou a primeira viatura a chegar a Escalos Fundeiros, onde deflagrou o primeiro foco de incêndio.
Este bombeiro referiu que se tratou de um fogo com "uma progressão muto rápida", insistindo que "parecia normal", mas "rodou completamente, tornando-se muito violento".
"Rodou 180 graus, para o lado oposto, quando tivemos de proteger a população de Escalos", adiantou a testemunha, assinalando que nunca ouviu ou viu meios aéreos.
Bruno Carvalho sublinhou ainda que houve pedidos de reforços de meios, várias vezes, desde o início do fogo.
"Sim, foram pedidos meios para o local. Nós ouvíamos a comunicação via SIRESP [Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal]", declarou, quando questionado pela procuradora da República Ana Mexia.
À pergunta sobre o que era respondido, Bruno Carvalho explicou: "Muitas vezes silêncio, porque havia problemas de comunicação nessa altura e, muitas vezes, não havia resposta".
Já quando confrontado por advogados, o bombeiro declarou desconhecer se o comandante da corporação de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, um dos 11 arguidos em julgamento, deu ordem para evacuar povoações.
"Essa não seria a nossa missão. Não tínhamos meios para o fazer, pelo menos a minha viatura não", acrescentou, esclarecendo que o "aumento do vento" foi a causa da rotação do incêndio, o que foi uma surpresa, "completamente".
Por outro lado, Bruno Carvalho assegurou ao coletivo de juízes que "até ao momento em que o vento mudou" o combate feito com os meios que dispunham era adequado.
"Quando ele fez a rotação foi quando nós nos apercebemos de que o incêndio tomou proporções anormais. Foi aí, para mim, que era um incêndio de grandes dimensões", salientou a testemunha.
Um outro bombeiro de Pedrógão Grande, David Simões, que também integrava a primeira viatura, descreveu um incêndio que "ao início era calmo" e "do nada ganhou uma velocidade muito forte", que atribuiu à alteração de ventos e ao aumento da sua intensidade.
Na sessão da manhã de hoje, quatros bombeiros da corporação de Figueiró dos Vinhos também testemunharam, com um deles a dizer que esteve no "incêndio cerca de 29 horas".
Outra testemunha, um inspetor da Polícia Judiciária, relacionou o início dos incêndios -- em Escalos Fundeiros e Regadas -- com descargas elétricas na linha de média tensão, junto à qual existiam árvores e vegetação, admitindo que aquelas possam ter sido originadas por descargas atmosféricas.
Em causa neste julgamento estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi (que tem a subconcessão rodoviária Pinhal Interior), e os ex-presidentes da Câmara de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente.
O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, também foi acusado, assim como o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves.
Aos funcionários das empresas, autarcas e ex-autarcas, assim como à responsável pelo Gabinete Técnico Florestal, são atribuídas responsabilidades pela omissão dos "procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível", quer na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, onde ocorreram duas descargas elétricas que desencadearam os incêndios, quer em estradas, de acordo com o Ministério Público.
No despacho de acusação, o Ministério Público explica que em 17 de junho de 2017, às 14:38, deflagrou um incêndio no Vale da Ribeira de Frades (Escalos Fundeiros), desencadeado por uma descarga elétrica de causa não apurada com origem na linha elétrica de média tensão Lousã-Pedrógão, da responsabilidade da então EDP Distribuição.
A existência de árvores e vegetação por baixo da linha elétrica "propiciou a ignição do incêndio" na manta morta, "produzida pela mencionada descarga elétrica", facilitando a sua propagação.
Ainda nesse dia, cerca das 16:00, "deflagrou um incêndio em Regadas [Pedrógão Grande]", desencadeado igualmente "por uma descarga elétrica de causa não apurada" com origem na mesma linha de média tensão, sendo que a zona inicial deste fogo apresentava semelhanças com a primeira.
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