Pouco passava das 18:00 quando os últimos cinco autocarros com o logótipo "Douro Azul, Humanitarian Help - Ukraine Mission 22", com o desenho da bandeira de Portugal e Ucrânia impresso, chegaram à Casa dos Direitos Sociais, em Lisboa.
Primeiro, os voluntários retiraram as malas, de todas as cores e feitios, das bagageiras, onde não faltavam vários carrinhos de crianças. Em seguida, os refugiados ucranianos saíram, num compasso mais lento que a retirada das malas, na sua maioria mulheres e crianças, muitas delas de colo, com olhar tímido e rosto cansado.
Alguns reencontraram familiares e amigos, demorando-se em abraços longos e com lágrimas.
No total, esta missão trouxe para Portugal cerca de 400 pessoas. Todas elas, segundo os dinamizadores da iniciativa, queriam vir para o país.
"Aqui estão cerca de 300 e poucos refugiados", disse à Lusa Carlos Dinis, um dos dinamizadores da iniciativa, que estava no local.
"Em Vilar Formoso fizemos uma transferência [de um grupo de pessoas que não seguiu para Lisboa] em conjunto com a União de Misericórdias, que foi fundamental no apoio que nos deu", sublinhou o responsável.
Ainda durante a viagem de regresso a Lisboa, Hugo Antão, um dos dinamizadores da iniciativa, contou à Lusa como surgiu a ideia: "Há 15 dias estava em casa a ver as imagens na televisão e comecei a ver as bombas a cair e as crianças a chorar e o caos e achei que tinha de fazer alguma coisa", contou, numa voz cansada e emocionada.
"Comecei a mandar mensagens aos meus amigos para fazer um projeto sustentado para trazermos pessoas, mas não para apenas fazermos só transporte, a nossa ideia é criar condições para elas serem independentes, para terem uma segunda oportunidade, para terem uma vida igual à nossa", sublinhou Hugo Antão, que saiu de Cracóvia, tal como os cinco autocarros, na quinta-feira a meio da tarde. Os primeiros refugiados saíram no dia anterior com destino a Portugal.
"Partimos no domingo, dia 13 [de março], para Cracóvia", na Polónia, que foi "a cidade que escolhemos para ter a nossa base, é um projeto de grande envergadura e precisávamos de uma base para trabalhar", explicou Hugo Antão, salientando que para lá enviaram alimentos e medicamentos.
O responsável disse que todos os refugiados já têm um lugar para ficar.
"Fizemos um trabalho um bocadinho diferente" de outras missões, "a primeira que fizemos foi trabalhar com a comunidade local e encontrar pessoas que estavam disponíveis ou que queriam ou tinham intenção de vir para Portugal", relatou.
Essa foi a base do projeto desde o início porque "achámos que se as pessoas que nós trouxéssemos tivessem alguma ligação a Portugal a probabilidade de sermos bem sucedidos e de terem uma vida autónoma, com independência, seria maior e o sucesso de integração seria mais provável", defendeu.
E foi nesta procura que encontraram os cerca de 400 refugiados que estavam disponíveis "e queriam vir mesmo para Portugal", salientou.
A escolha de Portugal deveu-se a vários fatores: ou porque tinham família ou amigos que já cá estavam, "a palavra vai-se espalhando", na maioria das vezes por WhatsApp.
Os refugiados ucranianos "têm sempre para onde ir, alguns vão para a casa de familiares, outros estamos a coordenar com a União das Misericórdias, que nos deu um apoio fantástico, e arranjámos escolas para as crianças, arranjámos empregos para as mães de modo a que elas tenham a sua autonomia", prosseguiu.
"A nossa missão não acaba hoje, o transporte das pessoas é que acaba hoje", rematou.
Agora o desafio é outro: "Há o compromisso de todos - não só das pessoas que participaram na missão, mas da nossa rede de contactos, de toda a gente com quem falámos para conseguirmos ser bem-sucedidos nesta missão - para a próxima etapa, que é fazer a integração dessas pessoas em Portugal", apontou.
A segunda parte é "tentar convencer" os seus amigos e a sua rede de contactos de que "ainda há muito por fazer".
Isto porque existe uma população identificada, que são as crianças, "a maior parte órfãos, [que faz com que haja] a obrigação moral de ajudar", defendeu Hugo Antão.
O organizador da missão realçou: "Não basta a nossa iniciativa, a nossa boa vontade, é preciso envolver o Estado para que seja possível nós conseguirmos dar uma esperança a milhares de crianças que neste momento estão a viver o incerto".
Hugo Antão partilhou o que mais o impressionou nos refugiados que encontrou na Polónia: "O olhar vazio das crianças que lá ficaram".
"Se conseguirmos de alguma forma resgatar parte desta geração", não só para que possam ter uma vida em Portugal, mas também, depois de a guerra acabar, a Ucrânia poder ter pessoas "que possam reconstruir o país", é mais passo para a esperança.
Na "Missão Ucrânia 13 de março 22" estiveram envolvidos mais de 80 voluntários, referiu, agradecendo "a todas pessoas que tornaram este projeto possível".
O projeto envolveu ainda várias dezenas de empresas que apoiaram a iniciativa.
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