Miguel, de 35 anos, e Pedro Ferreira Pinto, de 33, formam os ‘Iron Brothers’, uma dupla desportiva de irmãos apaixonados pelo desporto que compete na modalidade Iron Man, uma variante de longa distância do triatlo, que inclui natação, ciclismo de estrada e atletismo, em segmentos seguidos.
Pedro tem paralisia cerebral, condição que nunca o impediu, nem à família, de fazer o que lhes apetecesse: “Nunca ninguém fica para trás por não ser possível”, esclareceu o irmão mais velho. Cresceram a fazer “tudo juntos”, antes desta iniciativa tinham já feito cinco mini maratonas juntos, “mas sempre em ritmo leve e em grupo”. “Nunca passou daí”, recordam, exclamando: “Agora já não paramos”.
O Dia Mundial da Atividade Física significa, para os irmãos, que esta prática “tem que ser verdadeiramente inclusiva” e serve como alerta para o “papel fundamental” que os Iron Brothers acreditam que o desporto deverá ter. “A atividade física é antidepressiva, terapêutica, preventiva de doenças e liberdade. É no desporto que nos encontramos como poucos irmãos se encontram”, comentaram, deixando a questão: “Afinal quantos irmãos têm o privilégio de passar 24 horas seguidas juntos, em ambiente de desafio e entreajuda?”
Foi em 2018 que nasceu esta ideia e, desde então, nunca mais pararam. Até à data, já fizeram quatro meia maratonas, uma maratona, metade de um Iron Man e várias provas de 10 quilómetros. A união desportiva dos irmãos foi, na verdade, algo inesperado, que ocorreu depois de Miguel, que praticava crossfit, ter uma lesão que o impediu de treinar com cargas durante pelo menos seis meses.
Como tal, decidiu adaptar-se ao que conseguia fazer e começou por aceitar o desafio do Triatlo de Oeiras, na distância sprint, o que o entusiasmou e levou a inscreveu-se para o Ironman 70.3 de Cascais, com a missão de angariar dinheiro para ajudar a Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa (APCL).
De onde vem a inspiração dos 'Iron Brothers'?
Não que inspiração lhes faltasse, mas uma dupla de irmãos deu-lhes ainda mais motivação e força ao concluir a prova de Iron Man nos Estados Unidos da América: “Foi um momento emocional à mesa, com muitas lágrimas à mistura e que acabou com um olhar do Pedro. Um olhar muito característico que encerra uma pergunta quase sempre: Podemos?”, contou Miguel ao Notícias ao Minuto.
Embora parecesse uma loucura, quinze dias depois estavam os dois na Docapesca a fazer a primeira experiência de triatlo, no MyLx Triathlon Experience. Nesse momento nasceram os ‘Iron Brothers’: “Sabíamos que o projeto era para levar avante e teve que se arranjar um nome”, explicaram os irmãos, acrescentando que a ideia foi do Pedro e a escolha do nome do Miguel.
Não só se inspiraram em exemplos desportivos internacionais, a dupla americana ‘Team Hoyt’ e os irmãos ‘Pease’, da Kyple Pease Foundation, como foram buscar força a quem sempre esteve por perto, aos pais e à “normalidade com que enfrentaram toda a vida”. O intuito dos irmãos é conseguir demonstrar que o nosso país “tem pessoas corajosas”, bem como “tentar dignificar Portugal, o desporto adaptado português e todas as pessoas que se reveem em nós, com e sem paralisia cerebral”.
Embora se sintam determinados em treinar, confessam que nem todos dias têm vontade, mas a responsabilidade que “cresce a cada dia” não os deixa questionar que o que fazem “é importante” e, assim, motivam-se mutuamente. Competir em dupla é, nas suas palavras, “mais exigente que de forma individual, seja pelo peso, seja pelo dilatar das horas que se está em prova”, mas Miguel e Pedro têm algo que os favorece, o que chamam de “dopping do amor” e veem como uma vantagem porque nas provas Iron Man é proibido pedalar perto dos outros atletas. Porém como competem juntos, o Pedro não deixa o Miguel ficar mal e ajuda a criar “jogos psicológicos nos momentos chave”.
“A paralisia cerebral nunca definiu o Pedro”, admitiu Miguel, enquanto comentou que, por vezes, até há quem estranhe a maneira como se tratam porque “à parte das limitações naturais, todo o trato é feito exatamente como se nada se passasse”, esclareceu, acrescentando “sempre foi assim”, “não conhecemos outra maneira de viver”. Embora não seja um percurso fácil, os ‘Iron Brothers’ pretendem passar uma “mensagem de inclusão pura” e alertar para a “necessidade das pessoas com paralisia cerebral na sociedade e no desporto”.
Quais os obstáculos com que se deparam?
Apesar da incomparável força de vontade que têm, deparam-se com diversos obstáculos, entre eles o preço do material necessário às provas - como da cadeira adaptada a pessoas com paralisia cerebral que é “exorbitantemente caro” - e a “falta de preparação das provas” para receber atletas que competem tal como eles.
“Para haver uma verdadeira inclusão, não poderá haver um favor. Não pode ser uma autorização. Uma dupla devia apenas poder inscrever-se no site de uma prova, como qualquer outra pessoa”, frisaram, explicando que, a seu ver, seria algo “bastante simples de implementar. Bastaria colocar um campo onde perguntassem ‘Atleta com deficiência? Sim/Não’ e, em caso afirmativo, perguntar se seria necessário guia ou apoio à locomoção”.
Outra das adversidades que enfrentam é o facto de serem colocados “sempre com os mais lentos”, o que “pode criar situações em que alguém se desvia para cima da cadeira e se magoa” quando realizam uma ultrapassagem. Para colmatar esta falha na organização das competições, sugerem que seja ”permitido as cadeiras saírem do início, junto ao corredor lateral”, tal como acontece “nas provas americanas e em muitos países do mundo”.
Este ano, participaram já na Maratona de Sevilha, onde baixaram, como pretendiam, o seu tempo. Na agenda, segue-se o Challenge Lisboa, em maio, na distância de meio Iron Man: “A possibilidade de correr em festa junto dos nossos já alguns apoiantes e amigos”, comentaram. Depois deste desafio, gostariam de competir no Campeonato Europeu, em Hamburgo.
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