Reagindo à polémica que rodeia a Câmara Municipal de Setúbal quanto ao acolhimento de refugiados ucranianos por uma instituição pró-Rússia, Luís Marques Mendes apontou o dedo ao autarca daquela região, que acusou de mostrar falta de “prudência” e de “sentido de responsabilidade”. Considerou, também, que a investigação anunciada pelo primeiro-ministro, António Costa, terá um único desfecho: não dará em “nada”.
No seu habitual espaço de comentário na SIC Notícias, Marques Mendes começou por referir os aspetos positivos associados ao acolhimento de refugiados ucranianos em Portugal que, a seu ver, tem “corrido muito bem”, tanto do “lado da generosidade”, como “do lado da eficácia das autoridades”.
Por sua vez, também positiva foi “a manchete do Expresso de anteontem, que levantou este caso”. Para o comentador, tratou-se de “verdadeiro serviço público”, uma vez que “já se tinham falado destas matérias, mas só quando o Expresso veio a público é que este vendaval aconteceu”, explicou.
Recorde-se que, segundo a notícia avançada pelo semanário, pelo menos 160 refugiados ucranianos terão sido recebidos por Igor Khashin, da Associação dos Emigrantes de Leste (Edintsvo), e pela mulher, Yulia Khashin, funcionária da Câmara Municipal de Setúbal de origem russa. Estes terão, alegadamente, fotocopiado documentos de identificação dos refugiados ucranianos, no âmbito da Linha de Apoio aos Refugiados da autarquia.
Na sua ótica, este caso “é mais grave do que aquele que aconteceu no ano passado, na Câmara de Lisboa, no tempo de Fernando Medina”, quando o organismo enviou dados de três ativistas russos residentes em Portugal para Moscovo.
“Se for tudo como está descrito no Expresso, isto não é um processo meramente de carácter burocrático, de uma falha burocrática ou administrativa. Isto é quase espionagem, espionagem de guerra. Perguntar a ucranianos onde é que está o seu marido e ter um conjunto de informações que não são necessárias para os processos de integração é quase espionagem, é gravíssimo”, clarificou, salientando que “[na] Câmara de Lisboa foi uma falha burocrática grave; aqui é ainda mais grave. É assustador”.
O comentador foi mais longe, referindo não saber se o caso revela “desleixo”, ou “má-fé” por parte do órgão municipal. Revela, contudo, “falta de bom senso do ponto de vista político”.
“Então você, presidente da Câmara, coloca a atender cidadãos ucranianos, que estão em situação altamente vulnerável, um cidadão ou uma cidadã, ainda que portuguesa, mas de origem russa?”, lançou, assegurando que “os russos não são todos nem de longe, nem de perto, apoiantes de Vladimir Putin [presidente russo]”, mas trata-se de “uma questão de bom senso, para evitar desconforto da parte do cidadão ucraniano que está ali a ser atendido, e também evitar suspeitas”.
Recorrer aos serviços da Edintsvo poderia ser normal apenas "até ao início da guerra"
Marques Mendes teceu ainda duras críticas à explicação do autarca, André Martins, que alegou ter recorrido aos serviços de Igor Khashin, da Associação dos Emigrantes de Leste (Edintsvo), por trabalhar com a entidade “há 17 anos”, pelo que era algo “normal”.
“Diria o seguinte: [era] normal, até ao dia 24 de fevereiro, até ao início da guerra. A partir desse momento, em que a Rússia invadiu a Ucrânia, tudo mudou. O leste está dividido; estão uns a favor da Rússia, outros contra. O presidente da Câmara não percebe isto? Se não percebe isto, não é grande presidente da Câmara, porque é uma questão essencial”, atirou.
A seu ver, a Câmara Municipal de Setúbal “tem responsabilidades políticas”, sendo que deveria, por isso, ter suspendido, “pelo menos cautelarmente, a funcionária daquele atendimento e daquelas funções” logo que o caso veio à tona, face as declarações da embaixadora da Ucrânia, Inna Ohnivets, à CNN Portugal.
“O que o presidente da Câmara de Setúbal deveria ter feito nessa ocasião não era escrever uma carta ao primeiro-ministro a protestar, contestar ou pedir explicações. Deveria ter feito nessa altura, já que não tinha feito antes, aquilo que fez agora”, reiterou, acusando André Martins de ter tomado essa decisão “porque a manchete do Expresso teve um grande impacto”. “As declarações da embaixadora não tiveram tanto impacto”, concluiu.
“Um presidente da Câmara que levasse esta matéria a sério, com prudência, com cautela, com sentido de responsabilidade e com equilíbrio já deveria de ter atuado de outra maneira”, atirou.
Marques Mendes usou ainda como exemplo a influência de Putin na eleição do antigo presidente norte-americano Donald Trump, assim como na votação do Brexit, para mostrar que o presidente russo “está em todo o lado; é uma espécie de vírus”.
“As autoridades, seja no plano autárquico, seja no plano central, têm de ter mais cuidado”, alertou.
Quanto ao anúncio deste domingo de que o pedido de inquérito feito pela Câmara Municipal de Setúbal será remetido para a Comissão Nacional de Proteção de Dados e para o Ministério da Coesão Territorial, Marques Mendes foi claro: “A investigação não vai dar em nada, porque é uma questão política, não jurídica”.
Leia Também: Polémica em Setúbal. "Guerra também se trava por jogos de informações"