"(...) Nenhuma conduta omissiva pode ser imputada aos senhores engenheiros José Geria e Casimiro Pedro e, mesmo que essa omissão lhes pudesse ser imputada, ainda assim, tal ação devida não teria tido qualquer impacto no que ocorreu naquela fase inicial do incêndio e, muito menos, nos resultados verificados", afirmou João Lima Cluny, no Tribunal Judicial de Leiria, onde prosseguiram as alegações finais.
Aos funcionários José Geria e Casimiro Pedro da E-REDES (antiga EDP), que tinha a responsabilidade da linha de média tensão Lousã-Pedrógão, onde ocorreram descargas elétricas que originaram os incêndios de junho de 2017, estão imputados 63 crimes de homicídio e 44 de ofensa à integridade física, 12 dos quais graves, todos por negligência.
De acordo com o Ministério Público (MP), secundado pelo juiz de instrução criminal, enquanto responsáveis pela gestão e manutenção daquela linha, aqueles não procederam, "por si ou por intermédio de outrem, ao corte/decote das árvores e vegetação existentes nos terrenos por baixo da mesma", tendo omitido "os procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível naquela linha".
O MP pediu a condenação a prisão efetiva de Casimiro Pedro, que detinha a área operacional, e, sem pedir a absolvição, considerou que José Geria deve ser "julgado de acordo com a prova produzida".
No decurso das alegações, o advogado sublinhou que, independentemente do que fosse feito nas proximidades da linha elétrica, "nada teria impedido aquele incêndio de se propagar inicialmente".
"Perante esta realidade, o Direito Penal não pode, não tem o direto de intervir. Eu não posso punir aquele que omitiu um dever se essa omissão não for relevante para o resultado final", declarou, depois de ter elencado o papel dos comandos distrital e nacional no combate aos incêndios de Pedrógão Grande.
"É, pois, evidente que entre a alegada propagação do incêndio e os resultados lamentáveis em causa nestes autos ocorreram um conjunto de decisões e opções que, pela sua relevância e importância, impedem que, juridicamente, se vá, ainda procurar buscar àquele primeiro momento" qualquer nexo causal com as "omissões imputadas, erradamente", aos arguidos da elétrica.
Para o advogado, o que aconteceu em 17 de junho de 2017 teve essencialmente três causas: um incêndio catastrófico, imprevisível e raro; problemas de ordenamento do território; e carências de meios globais e nacionais".
João Lima Cluny alertou depois para a existência de "prova proibida", referindo-se ao relatório da Comissão Técnica Independente, criada pela Assembleia da República, e do relatório do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais encomendado pelo Governo, este coordenado por Domingos Xavier Viegas.
Dirigindo-se ao coletivo de juízes, o advogado sustentou que, "em grande parte do seu conteúdo", os relatórios não são mais do que "repositórios do que os membros das equipas ouviram das pessoas que, efetivamente, viveram o fogo e, no fundo", um repositório testemunhal que não pode ser valorado nos autos, dado que é no julgamento que a prova é produzida.
Deixando claro que "foi dos arguidos que aquelas equipas retiraram grande parte das conclusões a que chegaram", João Lima Cluny defendeu que os devem ser "julgados prova proibida".
Sobre a medida da pena, confessou-se "chocado, mas muito chocado mesmo" com os pedidos de prisão efetiva para alguns arguidos, realçando que o que mais o chocou foi, nalguns casos, mas não o do arguido Casimiro Pedro, o MP ter sustentado o pedido com as "elevadas necessidades de prevenção especial".
"Alguém acredita que estes seres humanos que estão aqui sentados (...) precisam de uma pena para não cometerem o mesmo tipo de atos?", perguntou.
Pedindo a absolvição dos arguidos pelos crimes e pelos pedidos de indemnização, João Lima Cluny acrescentou que "inexiste facto ilícito, inexiste facto culposo, inexiste nexo de causalidade".
As alegações finais continuam na quinta-feira.
Leia Também: Pedrógão Grande. Estado "falhou" na obrigação de manter pessoas seguras