Marcelo Rebelo de Sousa fez esta intervenção na abertura oficial da 26.ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, no sábado à noite, já de madrugada em Lisboa, numa cerimónia em que várias vezes se ouviu gritar "fora Bolsonaro".
O chefe de Estado procurou falar mais pausadamente, pronunciando as palavras e construindo as frases um pouco ao jeito brasileiro: "Prometi aqui vir para a Bienal, 26.ª Bienal. Prometi e cumpri. Político deve ser assim. Não sei se é muitas vezes, mas deve ser assim".
"Em minha casa, minha mãe era de esquerda, assistente social, socialista. Meu pai era de direita, médico, salazarista. Tinham em comum uma coisa, liam livros, e isso fazia a diferença", disse, explicando que assim nasceu o seu amor pelos livros.
Ao longo de cerca de meia hora, Marcelo Rebelo de Sousa contou como aos 15 anos começou a formar a sua biblioteca, colecionando livros antigos, como enquanto professor universitário recomendava e oferecia livros como prémios escolares e na comunicação social promoveu a leitura, considerando, porém, que tudo isso "era pouco".
"Entendi que devia fazer mais. Fiz-me editor. Foi aliás a aventura mais desgraçada da minha vida financeira, porque era muito feliz e perdia muito dinheiro, mas perdia com alegria", declarou, provocando risos na audiência.
A propósito dos problemas de editores e autores, apelou para se "continuar a investir no apoio à tradução -- não apenas à edição, mas à tradução".
Por fim, o Presidente da República falou da biblioteca que criou em Celorico de Basto, no distrito de Braga, quando "era o município mais pobre de Portugal", que hoje está "a caminho de 300 mil volumes", assinalando também que "já não é o mais pobre nem é dos mais pobres".
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, "significa que foi uma opção inteligente para sair da pobreza começar pela leitura, para sair da pobreza começar pela educação".
"A melhor saída para a pobreza, a mais duradoura, a mais transformadora é a cultura", reforçou, recebendo palmas.
"É a cultura, porque a cultura implica sempre, se for verdadeira e profunda, liberdade e democracia. E é isso que permite o uso da liberdade de expressão, o direito à crítica, que permite o fomento de alternativas, de diferenças, o respeito do princípio de que não há duas pessoas iguais. Somos todos iguais, mas todos diferentes", defendeu.
O Presidente da República referiu que os pais viveram em são Paulo de 1974 a 1993 e que com o 25 de Abril "a família ficou dividida" em relação à revolução, mas soube ainda assim conviver: "Continuámos civilizadamente a dar-nos porque tínhamos lido livros".
"Porque ler livros é enriquecer com cultura, é respeitar a tolerância, é cultivar a liberdade. É, mesmo em ditadura, admitir o pluralismo que deve corresponder a pensar diferente. E é isso que faz a diferença entre as sociedades que avançam e as sociedades que não avançam. É a cultura. Não é só a economia, não é só a finança, não é só o panorama social, que é fundamental", sustentou.
No fim do discurso, o chefe de Estado destacou a Festa do Livro que lançou nos jardins do Palácio de Belém, em colaboração com os editores.
Marcelo Rebelo de Sousa prometeu levar o amor pelos livros "até ao fim da vida" e acrescentou que prefere "ser recordado como alguém que amou apaixonadamente o livro e alguém que foi apaixonadamente professor do que ter sido membro do Governo, responsável municipal, Presidente da República".
"Tudo isso é muito importante e é uma responsabilidade cimeira, mas é transitória. Nós somos transitórios nas funções que exercemos", assinalou, argumentando ainda que "os líderes são importantes, mas são os povos que escrevem a história".
O Presidente da República chegou no sábado de manhã ao Rio de Janeiro, para participar numa cerimónia comemorativa da travessia aérea do Atlântico Sul feita há cem anos por Sacadura Cabral e Gago Coutinho, e depois seguiu para São Paulo, onde hoje tem uma agenda intensa.
Leia Também: "Não há portugueses puros, como não há brasileiros puros"