"Não é pelo projeto em si, mas pelo precedente que ele cria. A AR quer abrir a porta à condenação formal do plenário ao comportamento de um deputado?", questionou Augusto Santos Silva em entrevista ao Expresso, esta sexta-feira publicada.
Para o presidente da Assembleia da República, o que o preocupa não é o seu caso - porque acredita que o projeto não passaria no plenário -, mas sim "abrir essa porta".
"Doravante, qualquer partido poderia impor uma censura ao comportamento seja se quem for. Não é muito democrático. Se é razão suficiente para recusar a admissão? Tenho muitas dúvidas", sublinhou.
Na mesma entrevista ao semanário, o presidente da AR menoriza a questão com o partido de extrema-direita liderado por André Ventura, explicando que mantém o mesmo comportamento em relação a todos os partidos. "Faço pequenos alertas quando os senhores deputados usam figuras, certamente metafóricas, que possam ser consideradas ofensivas. E tenho feito reparos em relação a vários grupos parlamentares, não apenas a um", disse.
"O presidente da AR deve ser imparcial em relação ao debate político que ocorre no Parlamento, mas não pode ser imparcial quanto aos valores constitucionais. Sou a segunda figura do Estado democrático, tenho a obrigação de cumprir a Constituição", justificou.
Num despacho de cinco páginas, datado de terça-feira, o presidente do parlamento indica que pediu à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que "emita parecer sobre a conformidade constitucional e regimental" do projeto de resolução do Chega, "nomeadamente para efeito da sua admissibilidade".
No documento, divulgado aos jornalistas pelo Chega, a segunda figura do Estado defende que "a regra número um do funcionamento da Assembleia é a total liberdade de expressão" e que "nos termos regimentais, só a degradação gerada pela injúria ou a ofensa pode justificar a intervenção do presidente junto de quem esteja no uso da palavra".
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recebe hoje o presidente do Chega, André Ventura, em Belém, depois de o líder do partido ter pedido uma audiência para se queixar da forma como os trabalhos parlamentares no plenário têm sido conduzidos por Santos Silva.
O pedido surgiu um dia depois de os deputados do Chega terem, na quinta-feira da semana passada, abandonado o hemiciclo em protesto contra a condução dos trabalhos pelo presidente da Assembleia da República, após este ter comentado uma intervenção de Ventura sobre estrangeiros em Portugal.
O partido considerou que este foi um "mais um episódio lamentável por parte de Augusto Santos Silva relativamente ao Chega, demonstrando, uma vez mais, a sua falta de isenção e independência, comportando-se como um representante da maioria governativa, quando devia ser o garante do bom funcionamento dos trabalhos parlamentares, do pluralismo e da representatividade democrática".
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