DGS. "Extinguir totalmente" a Monkeypox "poderá ser difícil"

Margarida Tavares, porta-voz da Direção-Geral da Saúde (DGS) para o surto de Monkeypox, é a convidada desta segunda-feira do Vozes ao Minuto.

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Ema Gil Pires
01/08/2022 08:20 ‧ 01/08/2022 por Ema Gil Pires

País

Monkeypox

Portugal foi um dos primeiros países a registar casos no contexto do surto do vírus Monkeypox que, desde maio, tem vindo a assolar vários países a nível internacional. Uma realidade que, "provavelmente" a par do facto do nosso país ser altamente turístico, contribui para que o mesmo continue a constar do leque dos 10 países com mais casos acumulados da doença em todo o mundo, segundo os mais recentes dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A análise é de Margarida Tavares, porta-voz da Direção-Geral da Saúde (DGS) para o surto de Monkeypox em Portugal, que nesta entrevista ao Notícias ao Minuto destacou que existem evidências recentes que levantam preocupações acerca da possibilidade da Monkeypox poder a vir tornar-se uma doença endémica noutras regiões do planeta para além daquelas onde já o é - como acontece com alguns países africanos.

Para fazer face a tais cenários, a vacinação apresenta-se como uma chave fundamental. "Se passarmos a fazer uma vacinação preventiva", salientou a médica, será possível reduzir "grandemente" a infeção "em termos de importância epidemiológica".

Na entrevista desta segunda-feira, discutimos ainda com a especialista que é, também, diretora do Programa Nacional para as Infeções Sexualmente Transmissíveis e Infeção por VIH da DGS, a política de comunicação utilizada pelas autoridades de saúde portuguesas para dar resposta a este surto. "Foi escolhido sermos frontais, honestos e verdadeiros na comunicação", explicou.

Grande parte da caracterização da transmissão, da virulência, das complicações e da dinâmica do vírus nunca foram estudadas porque este era apenas um problema de África

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, recentemente, o surto de Monkeypox como uma emergência de saúde pública de preocupação internacional. Quer isto dizer que há, efetivamente, razões para inquietação?

Este é o nível máximo de alerta da OMS. Poderia ainda ser declarado um nível de pandemia - embora este caso já o seja, por definição, pois atinge vários países em vários continentes. Mas isto faz parte do processo para uma eventual declaração deste género. Tecnicamente, em Portugal, isto chama-se uma emergência de saúde pública de âmbito internacional. Mas isto reflete uma maior preocupação por parte da OMS e que eu acho justificada. Se eu estivesse no lugar do secretário-geral, teria feito o mesmo. 

Curiosamente, na reunião do Comité de Emergência os membros não foram unânimes - e nem sequer, ao que parece, a maioria deles foi a favor dessa declaração. Isto compreende-se, porque o principal argumento contra tal declaração é que o perfil dos casos, o perfil de transmissão e a epidemiologia não mudou. O que mudou foi, sobretudo, a quantidade: de há um mês atrás, quando foi feita a primeira reunião do Comité de Emergência sobre o Monkeypox, para esta reunião, o número de casos mais do que triplicou e o número de países atingidos quase duplicou.

O que isto quer dizer é que não está a haver um controlo da doença e que ela vai continuar se nada mais se fizer. Isto é uma tentativa de se implementar mais alguma coisa no que diz respeito, nomeadamente: à disponibilização de vacinas; à investigação sobre a eficácia das mesmas e sobre um eventual desenvolvimento de novas vacinas; à investigação sobre a eficácia dos antivíricos que existem e a sua disponibilização, porque eles são produzidos apenas escassamente e são caros; e ao investimento noutro tipo de investigação nunca feita até agora - apesar da doença existir há mais de 50 anos, em África, e de causar infeção e morte nessa região. Grande parte da caracterização da transmissão, da virulência, das complicações e da dinâmica do vírus nunca foram estudadas porque este era apenas um problema de África.

O aumento semanal de casos tem sido ligeiro e também constante. Podemos esperar que continue a ser assim e que não se verifique um aumento exponencial e bem mais preocupante da doença, como a certa altura aconteceu com a Covid-19, por exemplo?

Olhando para a curva epidémica, Portugal regista uma estabilização de casos. Andamos na ordem dos 50 a 70 novos casos diagnosticados por semana e isto já se mantém há quase oito semanas. É um padrão mais ou menos estável no país. 

Penso que se o Monkeypox mantiver as suas características, e tendo por base o que conhecemos, não será um vírus muito explosivo. A não ser que existam circunstâncias muito especiais, como eu penso que terão existido neste surgimento abrupto de muitos casos no mundo e nesta manutenção de uma transmissão intensa em outros países. Isto tem a ver com múltiplos contactos entre múltiplas pessoas em rede. Mais do que as características do vírus, foi o comportamento da própria população afetada que fomentou esta transmissão rápida e intensa. Penso que na população em geral não haveria este tipo de transmissão, que também não se verificou em África. No entanto, em África estávamos a assistir a um aumento constante, sobretudo desde 2017, nos países ditos endémicos. Estava a tornar-se numa doença muito mais frequente em adultos do que em crianças, ao contrário do que acontecia anteriormente. Recorde-se que esta também já foi uma doença predominantemente transmitida por animais e agora também é já uma doença transmitida entre humanos. 

A vacinação é uma variável que pode mudar totalmente o curso da infeção

Portugal já iniciou o processo de vacinação de contactos próximos de pessoas infetadas pela doença. É a vacinação uma das ‘chaves’ para combater a propagação do vírus? 

A vacinação é uma variável que pode mudar totalmente o curso da infeção. Não podemos prever exatamente como é que as coisas se vão comportar - mas, se não tivéssemos vacina, diria que teríamos tendência a mantermo-nos mais ou menos neste nível, com um decréscimo muito lento de casos. 

Agora, podíamos correr o risco da infeção sair da população em que está a ser mais frequente - nomeadamente associada a contactos sexuais com múltiplos parceiros ou parceiras, e com parceiros novos e desconhecidos -, e poderíamos passar a ter infeções na população em geral, atingindo crianças, mulheres e pessoas com poucos parceiros ou contactos sexuais, e outras vias de transmissão assumirem alguma importância.

Com a vacinação, se passarmos a fazer uma vacinação preventiva, ou seja, de partes da população que possam ser consideradas de maior risco, poderemos conseguir, se não extinguir totalmente esta infeção - que eu começo a pensar que poderá ser difícil -, reduzi-la grandemente em termos de importância epidemiológica.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), Portugal é o nono país do mundo com mais casos acumulados de Monkeypox. Como podem estes números ser explicados?

Porque fomos um dos primeiros países a ser afetados pela doença e isso tem influência. Mas em termos de crescimento proporcional somos um dos países a registar menor crescimento, entre estes países mais afetados. Assim, diria que podem ter existido várias entradas do vírus no nosso país, simultâneas ou quase simultâneas: quer por indivíduos nacionais que tiveram contactos sexuais noutros países e depois regressaram; quer por, eventualmente, indivíduos estrangeiros que tiveram contactos sexuais no nosso país. Não foi uma única pessoa que entrou em Portugal com o vírus. Nós não conseguimos identificar essas viagens muito fortemente na nossa descrição epidemiológicas dos casos, mas elas existiram. Mas o que se notou é que, depois, rapidamente, dentro do nosso país houve uma dispersão muito grande.

Olhando os países que identificaram casos mais tardiamente do que nós, que começaram a ter casos já depois de Portugal e de Inglaterra ter anunciado a existência deste surto, a verdade é que a atenção deles era totalmente diferente do que a nossa quando tudo isto começou. Esses países têm essa vantagem. Quando nós nos apercebemos do surto, já tínhamos um acumulado de casos sintomáticos e, inevitavelmente, de casos a incubar que, depois, explodiram rapidamente - e, claro, demorámos algum tempo a conter essa primeira explosão. Mas isso mudou desde que se conseguiu transmitir informação, quer à população mais afetada, quer aos profissionais de saúde - que, por não estarem atentos a esta realidade, viam lesões na pele ou nas mucosas que, obviamente, perante uma pessoa que vive em Portugal e não saiu do país, não lhes passaria pela cabeça que era Monkeypox. Só depois de ter sido anunciado é que o nosso grau de conhecimento e de suspeição mudou totalmente. 

Estas circunstâncias e o facto de nós termos tido a infeção 'livre e solta', sem ninguém intervir, fez com que acumulássemos um grande número de casos, mas não só. Importa referir que também somos um país com muito turismo e que isso provavelmente teve importância. Notou-se o tempo que demorou a infeção a chegar de forma significativa ao Norte do país, pois foram precisas algumas semanas até nós começarmos a ter números de casos significativos no Norte. Na região de Lisboa e Vale do Tejo, isso foi muito rápido porque já existiam ali muitos casos acumulados por essa altura.

De facto, já foi encontrado material genético deste vírus em águas residuais

Começaram até a ser já detetadas evidências deste vírus em águas residuais nos Estados Unidos da América e a comunidade médica começa a alertar que tal poderá levar a que a doença se torne endémica e, consequentemente, tenha de vir a ser adotada uma vacinação universal contra a mesma. Os factos apontam nesse sentido?

Ainda é muito cedo para tirarmos muitas conclusões. De facto, já foi encontrado material genético deste vírus em águas residuais, nomeadamente em São Francisco. E isso pode ter importância, sem dúvida. Por um lado, significa que existe uma quantidade de vírus a circular na população que é significativa, para ser possível identificar-se em quantidades razoáveis nas águas residuais. Mas alerta-nos para a possibilidade de este ser um indicador de que o vírus pode estar não só entre humanos, mas que pode estabelecer-se também, eventualmente, entre animais. Nós sabemos que este é um vírus animal e continua a sê-lo, ainda não mudou o suficiente para deixar, aparentemente, de ser um vírus capaz de infetar outros animais, mas é importante lembrar que existem reservatórios - ou seja, animais onde o vírus existe sem causar doença aparente e, portanto, onde ele se preserva. 

Esses animais, aparentemente, seriam roedores existentes na África Central e Ocidental. Nós não sabemos se existem animais fora daquela região que sejam animais capazes de se tornarem reservatórios para este vírus - porque existem outros animais, como os macacos, que são hospedeiros acidentais, como o Homem. Mas podem existir roedores na região da Europa, da América ou da Austrália, por exemplo, em que a doença pode registar-se de forma endémica e isso poder causar 'spillovers' sucessivos para os humanos - e, dessa forma, a doença tornar-se endémica, também, na região e nas pessoas da região.

Pode haver outros mecanismos de endemicidade e temos um exemplo muito fácil de pensar. A varicela é um vírus que tem algumas semelhanças com este, por ser também um vírus de DNA. Mas é um vírus caracteristicamente humano. Se o Monkeypox também se tornar um vírus humano e se existir transmissão assintomática, esses poderão ser fatores (embora ainda não provados) a favorecer a manutenção do vírus entre nós. E aí será uma opção vacinar a população, como se fez com a varíola ou, pelo menos, vacinar grupos particularmente expostos e que tenham um risco maior. Nós não sabemos como essa manutenção do vírus, se existir, vai afetar as pessoas em particular. Mas poderão haver grupos preferenciais para vacinação, por exemplo.

E quem é que seriam os principais visados por medidas dessa natureza, no âmbito de uma vacinação mais ampla do que a que temos atualmente?

Para este surto não está definido, mas existem pistas. Até agora, dada a limitação do número de vacinas a nível mundial, estamos a vacinar apenas pessoas que tinham tido contacto com alguém supostamente ou confirmadamente infetado, os ditos contactos próximos de casos. Dado que não está a ser fácil essa vacinação, por vários constrangimentos que existem, nomeadamente, na identificação atempada desses contactos, e também numa tentativa de conter mais rapidamente este surto - porque é mais eficaz a vacinação preventiva do que a vacinação pós-exposição -, a OMS está a recomendar que se tente, mantendo a vacinação pós-exposição, também avançar para a vacinação preventiva. Aí, neste contexto e com esta epidemiologia, as pessoas escolhidas seriam aquelas que têm contactos sexuais de risco, nomeadamente com múltiplos ou, frequentemente, com novos parceiros sexuais.

Os profissionais de saúde podem ser equacionados, em determinado momento - embora até agora, com estes milhares de casos, não existam números significativos neste grupo. As pessoas imunodeprimidas podem ser outro grupo potencial, mais à frente, a vacinar - porque elas podem ter consequências graves como resultado da infeção, o que não está a verificar-se na maior parte das pessoas jovens que estão a ser infetadas e cuja maioria tem uma doença muito ligeira e autolimitada, mesmo que incómoda. Essa vai ser uma decisão dinâmica, que vai mudando quer com a epidemiologia, quer com a disponibilidade de vacinas.

Pensar num alargamento das pessoas a vacinar é mais difícil de ser equacionado com apenas 2.700 vacinas

Recentemente, em declarações às RTP, disse que a falta de vacinas tem dificultado um robustecimento da estratégia de prevenção. As autoridades portuguesas estão em contacto com a Comissão Europeia de forma a garantir um maior abastecimento, nomeadamente através do mecanismo de compra conjunta definido para o efeito? 

A falta de vacinas é um facto e, portanto, pensar num alargamento das pessoas a vacinar é mais difícil de ser equacionado com apenas 2.700 vacinas. Ainda para mais quando muitas destas pessoas têm indicação para receberem duas doses, com quatro semanas de intervalo, para ficarem efetivamente imunes - porque são pessoas que poderão estar associadas a um risco contínuo. 

Uma coisa é vacinar uma pessoa que foi exposta ocasionalmente, outra coisa é vacinar pessoas que podem manter-se em risco. Ou seja, isto permite-nos vacinar pouco mais de 1.000 pessoas. Parece-me difícil ter uma estratégia em que se oferece uma vacina e que depois, a meio, corremos o risco de, eventualmente, não ter mais para continuar a vacinar pessoas em iguais circunstâncias. Isso é preocupante, como é óbvio, para qualquer autoridade.

Estão já a ser ponderados, até mesmo ao nível das autoridades europeias, mecanismos para tentar colmatar esse problema?

Isso está a ser ponderado desde início. Quando nós fizemos parte do mecanismo conjunto de aquisição de vacinas centralizado na autoridade europeia de preparação e resposta a emergências de saúde pública saúde (HERA, no acrónimo inglês), a mesma fez o trabalho de ver quantas doses conseguiam encontrar e ratearam essas doses pelos países. Mas já nessa altura se previa que poderíamos vir a precisar de mais. E houve agora uma reunião muito recente em que deram conta de que continuam esse esforço: mostraram a dificuldade que existe relativamente a uma produção mais alargada a curto prazo e, portanto, está a pensar-se já em compras para 2023. Mas, de qualquer maneira, ainda poderá haver alguma disponibilidade, durante este ano, que permita colocar mais vacinas nos países mais necessitados.

Porque esta primeira remessa não teve em conta a dimensão da epidemia em cada país, mas sim a população que cada país tinha. Isto gerou enormes diferenças em termos de acesso. Há países enormes que não têm casos praticamente nenhuns ainda, ao passo que há países pequenos, que é o nosso caso, que foi durante muito tempo o 'campeão' de casos. E, portanto, essa redistribuição poderá ser um mecanismo utilizado até existirem vacinas em número suficiente para serem compradas - e isso está a ser equacionado no seio desse grupo e dos países europeus que fazem parte deste mecanismo conjunto. Vamos reavaliar tecnicamente a estratégia e, muito provavelmente, avançaremos para algo mais abrangente que inclua, pelo menos, alguma estratégia de vacinação pré-exposição.

Segundo a Direção-Geral da Saúde (DGS), esta é uma infeção consideravelmente mais frequente nos homens, com 99,6% dos casos a dizer respeito a infeções masculinas. O que pode explicar este facto? 

Não tenho conhecimento de nenhum fator endógeno ao vírus que faça com que as mulheres tenham menos suscetibilidade do que os homens. Na epidemiologia portuguesa e de muitos outros países, a grande maioria dos infetados são, de facto, homens que se autoidentificam como homens que têm relações sexuais com homens e que têm, também, múltiplos parceiros sexuais e contactos sexuais frequentes com novos parceiros. Essa é, neste momento, a população afetada. Existem algumas mulheres, quer em Portugal, quer noutros países, mas ainda são casos muito esporádicos. Isto porque ainda é dominante a transmissão em redes de contactos sexuais como as descritas.

Há sempre vozes discordantes, há sempre órgãos de comunicação social que nem sempre têm uma comunicação tão cuidada e há sempre pessoas que estigmatizam

De facto, desde o início da disseminação da doença que a mesma tem vindo a ser fortemente associada a indivíduos pertencentes à comunidade LGBT. Considera que a política de comunicação adotada pelas autoridades de saúde, nacionais e internacionais, tem sido a mais correta? 

Esse é um assunto extremamente valorizado por nós desde que nos apercebemos que os primeiros casos, registados em clínicas de infeções sexualmente transmissíveis, eram identificados em pessoas que se identificavam com homens que tinham relações sexuais com homens. Assim como aconteceu com os primeiros casos ingleses, com o vírus Monkeypox a ter sido identificado num conjunto de quatro homens que se assumiam, recorrendo à terminologia inglesa, como fazendo parte do grupo composto por 'homens homossexuais, bissexuais ou que tinham relações sexuais com homens'. Em Portugal, nós falamos apenas da prática e não abordamos a orientação sexual. 

No próprio dia em que confirmámos os primeiros casos tivemos uma reunião com líderes desta comunidade, antes mesmo de falarmos com imprensa, porque era muito importante termos um fio condutor nesta comunicação e que a comunidade percebesse quais eram os nossos objetivos e os nossos receios (porque ninguém está imune a não saber comunicar factos difíceis e sensíveis como são estes). E foi escolhido sermos frontais, honestos e verdadeiros na comunicação. É isso que temos feito, ao mesmo tempo envolvendo fortemente a comunidade - considerando aquilo que esta nos aconselha, as práticas que implementa e a produção de informação específica para dentro da mesma. Tudo isso tem sido tido em conta. Quando os objetivos do Estado e do Ministério da Saúde são complementados pelos mesmos objetivos da população afetada, e há aqui uma participação efetiva, julgo que as coisas só podem correr bem - como têm corrido, penso eu, nesse aspeto. 

Há sempre vozes discordantes, há sempre órgãos de comunicação social que nem sempre têm uma comunicação tão cuidada e há sempre pessoas que estigmatizam. Mas acho que temos conseguido e esperamos continuar a conseguir que a generalidade da nossa população seja respeitosa e compreenda que, pelo facto de o vírus estar agora nesta população, não quer dizer que amanhã não esteja noutra qualquer.

Nós só precisamos de ter conhecimento da sua existência, não precisamos de saber pormenores e não queremos imiscuir-nos na vida de ninguém. Toda a gente tem direito à sua privacidade e à sua confidencialidade de dados

Terá este estigma consequências reais no número de casos já detetados? Ou poderá estar a fazer com que certos casos fiquem por comunicar e, consequentemente, por receber tratamento?

Tenho-me interrogado muito sobre isso e tenho feito um esforço gigantesco para, apesar das minhas responsabilidades, manter-me a fazer trabalho clínico. Porque quando nós temos essa experiência de clínica é sempre diferente, pois falo sempre muito intensamente com os meus pacientes sobre todos estes assuntos e porque, de facto, tento auscultar essa possibilidade. Por vezes pergunto: "Acha que há pessoas que têm a infeção e não recorrem aos cuidados de saúde?". Ora, admito que haja. Admito que já ouvi falar de um caso ou outro, mas acho que são absolutamente esporádicos. Até porque eu acho que, em Portugal, existe uma confiança nos vários serviços de saúde e as pessoas têm resposta em vários locais, inclusive aqueles que recorrem a serviços privados onde sentem alguma maior confidencialidade. Mas eu penso que mesmo nesses serviços privados, e apelo a que assim seja, os casos estão a ser declarados e notificados, pois nós estamos a ter conhecimento da sua existência. E nós só precisamos de ter conhecimento da sua existência, não precisamos de saber pormenores e não queremos imiscuir-nos na vida de ninguém. Toda a gente tem direito à sua privacidade e à sua confidencialidade de dados. 

Mas penso que não será um fenómeno relevante e espero que assim continue a ser. E espero também que todos nós, enquanto sociedade, saibamos ter isso em conta. Por vezes diz-se que nós, portugueses, somos um povo maravilhoso e pacato, porque temos muitos direitos adquiridos. Mas temos de continuar a lutar por esses direitos porque eles não são adquiridos. E pior: é que há muitos outros países em que nada disto é assim, em que o contágio é penalizado e em que a homossexualidade é criminalizada. É enorme o peso que isto pode ter em muitos outros locais do mundo. Temos falta de outras coisas mas, felizmente, Portugal tem sido capaz de respeitar estes direitos humanos.

Leia Também: Há 633 casos confirmados de Monkeypox em Portugal. Dois são em mulheres

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