No acórdão do Tribunal da Relação de Évora (TRE), datado do dia 13 deste mês e consultado hoje pela agência Lusa, os juízes desembargadores Nuno Garcia, António Condesso e Edgar Valente julgam "improcedente" o recurso do Ministério Público (MP).
O recurso agora recusado pedia a revogação do despacho da juíza de instrução criminal da Comarca de Santarém, que, em fevereiro, declarou a nulidade da acusação e determinou a remessa dos autos ao MP para que fosse sanada.
A juíza apontou, então, que a acusação não especificava o número normativo do crime de homicídio negligente imputado à fadista Cristina Branco e ao namorado de Sara Carreira, o ator Ivo Lucas, salientando a diferença do tipo de culpa e das molduras penais.
O artigo 137 do Código Penal estabelece no seu n.º 1 que "quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa" e no n.º 2 que, "em caso de negligência grosseira, o agente é punido com pena de prisão até cinco anos".
Por outro lado, a magistrada invocou "a falta de promoção do inquérito" quanto ao nexo causal entre a conduta de Paulo Neves, arguido que esteve na origem do primeiro embate e a morte da filha do cantor Tony Carreira, como alegado por este e pela mulher, Fernanda Antunes, no pedido de abertura de instrução.
Na decisão agora tomada, o TRE começa por frisar que "o que importa apreciar" no recurso do Ministério Público "é apenas saber se, tal como se entendeu na decisão recorrida, ocorreu nulidade insanável", por falta de promoção no processo pelo MP.
"No despacho recorrido não se declarou a nulidade por não se ter indicado em qual dos dois números do artigo 137 do Código Penal se entendeu que a conduta dos arguidos Cristina Branco e Ivo Lucas se enquadrava", salienta.
Segundo os juízes do TRE, com a remessa dos autos para que fosse sanada a nulidade relacionada com a falta de promoção do MP, foi sugerido "que se aproveitasse esse momento para colmatar também a falta de indicação do número do artigo 137 do Código Penal".
Se ocorresse apenas esta nulidade, adianta o acórdão do TRE, "certamente que não teria ocorrido qualquer tipo de remessa do processo apenas para esse efeito".
Quanto "à questão principal" do recurso, como é designada no acórdão da Relação de Évora, relacionada com a falta de promoção do MP, os desembargadores consideram que "não assiste razão ao recorrente" e que "bem andou a decisão recorrida".
Assinalando que "resulta do próprio teor da acusação que todo o processo causal do acidente se iniciou com a conduta do arguido Paulo Neves", os juízes notam que, no despacho final do inquérito, "o MP não toma posição concreta e explícita sobre esta questão".
"Não acusa o arguido Paulo Neves de crime do homicídio negligente, nem arquiva o inquérito nessa parte", mas "devia tê-lo feito, sob pena de ocorrer, como ocorre, falta de promoção", é argumentado na decisão.
O acórdão do TRE refere ainda que "a circunstância de a nulidade ser legalmente qualificada como insanável não significa que a mesma não possa ser corrigida", observando que a insanabilidade significa que "ela pode ser conhecida oficiosamente a todo o tempo".
"É por isso que não se vislumbra qualquer impedimento a que a J.I.C. [juíza de instrução criminal] a conheça nos termos e no momento processual em que a conheceu", acrescenta.
No recurso, o MP afirmava que a juíza de instrução declarou a nulidade da acusação sem declarar aberta a instrução requerida pelos pais de Sara Carreira e também por Cristina Branco e Tiago Pacheco (condutores das duas viaturas que tiveram embate direto com o veículo conduzido por Ivo Lucas, o único que não pediu abertura de instrução).
De acordo com o MP, a juíza, em vez de apreciar os pedidos dos assistentes, apreciou a acusação "de modo a aferir se esta se adapta" ao requerimento de abertura de instrução.
A procuradora Zita Jorge afirma que o juiz de instrução está impedido de, antes de aberta a instrução, declarar a omissão de pronuncia de factos cuja investigação cabe ao MP e de nulidade insanável decorrida na fase investigatória.
Para a procuradora, a instrução não visa "sindicar a linha investigatória" do MP durante o inquérito, mas sim decidir arquivamento ou envio para julgamento, salientando que nenhum interveniente processual arguiu nulidades, pelo que considera que a juíza "extrapolou as suas funções de juiz de instrução".
Na acusação deduzida em dezembro de 2021, o MP acusou Ivo Lucas e Cristina Branco de homicídio negligente e por duas contraordenações ao Código da Estrada (ambas graves no caso da fadista e uma leve e uma grave no do ator), no caso do acidente que vitimou a cantora Sara Carreira, ocorrido em dezembro de 2020 na autoestrada 1 (A1), junto a Santarém.
Foram ainda acusados da prática do crime de condução perigosa outros dois condutores envolvidos no acidente, Paulo Neves (também acusado por três contraordenações ao Código da Estrada, uma leve, uma grave e uma muito grave) e Tiago Pacheco (também por duas contraordenações, uma leve e uma grave).
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