Comissão Independente já recebeu 424 testemunhos de abusos na Igreja
A maior parte dos crimes reportados já prescreveu.
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País Abusos sexuais
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa já recebeu 424 testemunhos, revelou hoje o coordenador Pedro Strecht, assumindo que a maior parte dos crimes reportados já prescreveu.
"Há 424 testemunhos recolhidos pelas diversas formas englobadas no trabalho da Comissão. Juntam-se a estes oito casos enviados pelas comissões diocesanas. O número mínimo de vítimas será muitíssimo maior do que as quatro centenas e os abusos compreendem todas as formas descritas na lei portuguesa", afirmou o pedopsiquiatra, assinalando: "A maior parte das situações encontra-se juridicamente prescrita".
O coordenador da Comissão salientou que os 424 depoimentos hoje anunciados são aqueles que foram validados pelos membros, mas que já receberam mais testemunhos. Quanto aos 17 casos já enviados para o Ministério Público, Pedro Strecht referiu que "dizem respeito a situações que, depois de análise detalhada, são considerados como não prescritos dentro do tempo em que aconteceram", destacando que "no final serão enviados todos os nomes".
Em conferência de imprensa realizada na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, o coordenador da Comissão Independente sublinhou que a prescrição é a razão da "grande diferença" entre o número de situações reportadas a esta entidade e as 17 situações que foram já remetidas ao MP. Sobre este aspeto, adiantou ainda que "agora existem mais 30 situações em estudo para idêntico procedimento" na justiça.
Suspeitos recolocados continuar a praticar crimes
Pedro Strecht explicou que existem vários casos em que o alegado abusador "é referido por diferentes pessoas ao longo dos anos [...] e em locais diversos", ou seja, os suspeitos continuaram a praticar os crimes mesmo quando recolocados em diferentes paróquias.
Segundo o pedopsiquiatra, há um número significativo de membros da igreja católica referidos como abusadores ao longo do intervalo de tempo entre os anos de 1950 e 2022. Assim sendo, sublinhou o coordenador, "este problema não só existiu, como atingiu uma grande expressividade, repetindo-se claramente em certos padrões que têm mesmo de ser evitados no futuro".
Algumas das situações assumiram proporções "endémicas"
As situações reportadas, revelou ainda Pedro Strecht, "traçam quadros graves existentes ao longo de décadas mais evidentes quanto mais para trás se recua no tempo, sendo que aí, em alguns locais, assumiram proporções verdadeiramente endémicas", de que foram vítimas crianças de ambos os sexos, de todos os pontos do país e "englobando as diversas realidades e grupos sociais".
Perante os dados recolhidos, esclareceu o especialista, "é inequívoco que os traumáticos acontecimentos do passado" que a maioria das vítimas "espera um pedido de perdão diretamente formulado pelos próprios abusadores", bem como da "hierarquia da Igreja Católica portuguesa".
Dados averiguados são entregues ao Ministério Público
Já o juiz conselheiro jubilado Álvaro Laborinho Lúcio assegurou que os dados da Comissão Independente não são transmitidos à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) ou às comunidades diocesanas, mas que a avaliação final da prescrição das situações reportadas passa pela justiça e não por esta comissão.
"A única entidade a que transmitimos é ao Ministério Público. Não somos nós quem julga a prescrição, damos sempre uma margem de erro, mas deve ser o Ministério Público a dizer", reforçou, continuando: "Este é um estudo cuidadoso e está a meu cargo, mas passa por todos. Nenhuma informação vai para fora da comissão, exceto para o Ministério Público".
Contudo, Laborinho Lúcio lembrou que a "comissão não foi constituída para denunciar os casos de abusos" e que este não é "o objetivo primeiro" dos membros desta entidade. Apesar disso, assegurou que todas as situações reportadas após 31 de outubro - a data limite para os testemunhos terem relevância estatística para o relatório final - não deixarão de ser comunicados ao MP.
Além de Pedro Strecht, fazem ainda parte da comissão Álvaro Laborinho Lúcio, juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça, Ana Nunes de Almeida, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Daniel Sampaio, psiquiatra, professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa, Filipa Tavares, assistente social e terapeuta familiar, e Catarina Vasconcelos, cineasta.
As denúncias e testemunhos podem chegar à comissão através do preenchimento de um inquérito 'online' em darvozaosilencio.org, através do número de telemóvel +351917110000 (diariamente entre as 10:00 e as 20:00), por correio eletrónico, em geral@darvozaosilencio.org e por carta para "Comissão Independente", Apartado 012079, EC Picoas 1061-011 Lisboa.
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