Gulbenkian reconhece papel da ciência nas crises climática e ecológica
O papel "determinante" da ciência no combate às alterações climáticas e crise ecológica está na origem da entrega do Prémio Gulbenkian para a Humanidade 2022 ao IPCC e ao IPBES, reconheceram o júri e as instituições.
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País Prémio Gulbenkian
O Prémio, no valor de um milhão de euros, distinguiu hoje duas organizações intergovernamentais que produzem conhecimento científico sobre as alterações climáticas e a forma de as combater e mitigar, o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC), e a perda de biodiversidade, as suas consequências e soluções possíveis, a Plataforma Intergovernamental Ciência-Política sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES).
O júri considerou como "determinante" o trabalho do IPCC no acompanhamento dos compromissos do Acordo de Paris sobre o clima, "através da publicação regular de relatórios", resultado do trabalho voluntário de milhares de cientistas de todo o mundo.
A IPBES, também através da produção de relatórios, afirmou-se como "uma plataforma de excelência no combate à crise ecológica (ou perda de biodiversidade) através da informação científica", considerou igualmente o júri.
A IPBES é um organismo intergovernamental independente dedicado a melhorar a relação entre o conhecimento científico e os decisores políticos, em questões de biodiversidade, proteção dos ecossistemas, bem-estar humano e sustentabilidade.
Sobre o prémio, o presidente do IPCC, Hoesung Lee, considerou que a ciência "é o instrumento mais importante" que existe para combater as alterações climáticas", que considerou "uma ameaça clara e iminente ao bem-estar e meios de subsistência humanos, ao bem-estar do planeta e de todas as espécies".
Os cientistas do IPCC, nas palavras de Hoesung Lee, produzem o conhecimento mais sólido e atualizado sobre as alterações climáticas e transmitem esse conhecimento aos decisores políticos, dos quais esperam uma ação climática mais "decisiva e eficaz".
Anne Larigauderie, secretária-executiva da IPBES, considerou o prémio às duas entidades uma "poderosa declaração que confirma que a perda global de espécies, a destruição de ecossistemas e a degradação dos benefícios da natureza para as pessoas, em conjunto, representa uma crise não só de magnitude semelhante à das alterações climáticas, mas também uma crise que deve ser abordada pelo menos com o mesmo caráter de urgência".
Citada num comunicado da Fundação Gulbenkian, a responsável agradece o prémio "em nome de milhares de cientistas e de detentores de conhecimento, incluindo aqueles provenientes de comunidades indígenas e locais, que, de forma voluntária, trabalharam com o IPBES nos últimos anos".
"A mensagem principal dos nossos especialistas é que ou combatemos e resolvemos as crises da biodiversidade e do clima, juntas, ou falharemos em ambas as frentes", avisou.
O júri do Prémio Gulbenkian considera que as duas organizações destacam a necessidade de se olhar para a crise climática e para a biodiversidade em conjunto e recorrendo a soluções baseadas na natureza.
O IPCC é um organismo criado sob os auspícios da ONU em 1988. Em 2007, juntamente com o antigo vice-Presidente dos Estados Unidos Al Gore, recebeu o Prémio Nobel da Paz.
Numa iniciativa da Organização Meteorológica Mundial (OMM) e do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), o IPCC tem-se destacado pelos relatórios que divulga, que juntam informação científica sobre causas, riscos e consequências das alterações climáticas, seja para a humanidade seja para o planeta.
A IPBES foi criada em 2012 na Cidade do Panamá por cerca de 100 governos mas tem atualmente a participação de 139 Estados e de organizações não-governamentais, cientistas, representes de comunidades locais e povos indígenas. Ainda que não seja um organismo da ONU, tem o apoio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
A IPBES produz relatórios e recomendações sobre questões específicas ligadas à biodiversidade, quer regionais quer globais. Num relatório de 2019 fez uma avaliação das alterações na natureza nos últimos 50 anos, alertando para a perda de biodiversidade provocada pela ação do Homem e preconizando mudanças profundas a nível económico, social, político e tecnológico.
O IPCC produz relatórios para os quais contribuem milhares de cientistas de todo o mundo, que avaliam artigos científicos sobre as alterações climáticas, os seus impactos, os riscos e as formas de reduzir esses riscos, sendo considerado a maior autoridade mundial em termos de alterações climáticas e aquecimento global.
Desde 1990 o IPCC já divulgou quase meia centena de relatórios, de vários géneros, com destaque para um, em 2018, sobre os impactos do aquecimento global de 1,5ºC (graus celsius) acima dos níveis pré-industriais e trajetórias de emissões de gases com efeito de estufa.
No documento os cientistas avisavam para a necessidade de transformações "rápidas e sem precedentes" nos sistemas de energia, transportes, construção e indústria, para limitar o aquecimento global a 1,5ºC, e alertavam para as consequências, mais catastróficas, de se ultrapassar essa barreira.
Na altura, o IPCC avisou que limitar o aquecimento a 1,5ºC pode impedir a extinção de espécies e a destruição total dos recifes de coral e pode reduzir a subida do nível do mar e salvar áreas costeiras. Exceder esse limite levará a chuvas torrenciais e secas profundas, a saúde será afetada e o crescimento económico também.
Em 2019, num relatório centrado nos efeitos das alterações climáticas nos oceanos e nas massas de gelo permanente da Terra, o IPCC avisava que sem uma redução urgente dos gases com efeito de estufa os gelos permanentes irão derreter e elevar os níveis os oceanos, afetando mais de mil milhões de pessoas. O Ártico estava a aquecer mais do dobro da média do resto do mundo, dizia.
Em agosto do ano passado o IPCC divulgou outro relatório ainda mais alarmante, avisando que a temperatura global subirá 2,7 graus em 2100 com o atual ritmo de emissões de gases com efeito de estufa.
Já este ano, outro relatório do IPCC voltava a avisar para as consequências irreversíveis do aquecimento global provocado pelas atividades humanas e dizia que as alterações climáticas já colocam em risco 3,3 a 3,6 mil milhões de pessoas, quase metade da humanidade.
E se forem superados os 1,5ºC de aumento de temperatura podem extinguir-se entre 3% e 14% das espécies terrestres, avisava o IPCC no relatório.
Os avisos do IPCC, considerou o júri do Prémio Gulbenkian, têm sido fundamentais "não só para o avanço de muitas ações políticas e públicas, mas também para a necessidade de colocar um 'caráter de urgência' na forma como, em termos de agenda política, é abordada a questão do combate à crise climática".
O IPBES e o IPCC têm-se "destacado na promoção da relação entre ciência, clima, biodiversidade e sociedade, representando o melhor que se faz nesta área, em todo o mundo", considerou o júri.
O Prémio Gulbenkian para a Humanidade, cujo júri é presidido por Angela Merkel, foi instituído pela Fundação Calouste Gulbenkian com o propósito de distinguir pessoas ou organizações de todo o mundo cujo trabalho tem contribuído para mitigar o impacto das alterações climáticas.
Foi atribuído pela primeira vez em 2020, tendo distinguido a jovem ativista sueca Greta Thunberg.
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