Agricultor culpa secretário de Estado de "prejuízos" na Quinta das Amoras
Luís Dias, que esteve em greve de fome em São Bento, acusa, em entrevista ao Notícias ao Minuto, Rui Martinho de estar a "desinformar" propositadamente o Governo para arrastar o caso, de forma a que as suas responsabilidades prescrevam.
© Twitter / Luís Dias
País Luís Dias
Luís Dias ficou conhecido dos portugueses depois de ter feito três greves de fome, junto ao Palácio de São Bento, em protesto contra a atuação do Estado no processo de financiamento da Quinta das Amoras, em Idanha-a-Nova.
Durante a última greve de fome, o empresário agrícola foi internado duas vezes. Uma delas depois de o primeiro-ministro ter afirmado, no Parlamento, que Luís não tinha razão e que não havia "nada a fazer", ao contrário do que prova um relatório da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, a que a revista Visão teve acesso.
Dias mais tarde, e depois de uma petição assinada por mais de 9 mil pessoas, o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves, dirigiu-se a Luís e deixou ao agricultor a promessa de um encontro que, entretanto, já aconteceu.
A greve de fome terminou naquele momento. Luís arrumou a tenda e trouxe na mala a esperança de que, desta vez, o caso seja mesmo resolvido. Na verdade, o agricultor não tem outra saída, está, como ele próprio diz, "à mercê da boa-fé do Governo", apesar de, as promessas feitas anteriormente terem sido sempre defraudadas.
Ao Notícias ao Minuto, Luís Dias explicou as várias falhas que, defende, terem sido cometidas ao longo dos anos no processo da Quinta das Amoras, que tinha com a ex-companheira, Maria José, e acusa o atual secretário de Estado da Agricultura, Rui Martinho, de uma "campanha de desinformação" para ocultar as suas "responsabilidades no caso", quando era presidente do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP).
Quando fui para Lisboa presumi que o primeiro-ministro fosse ficar ofendido pelo protesto, embora também nada tivesse feito para o evitar
Após 30 dias de greve de fome, recebeu uma visita secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves. Nessa altura ainda tinha esperanças que alguém do Governo se dirigir-se a si ou já as tinha perdido?
Para ser sincero já não tinha quaisquer esperanças, mas também sempre disse que não seria isso que me iria fazer parar. Quando fui para Lisboa presumi que o primeiro-ministro fosse ficar ofendido pelo protesto, embora também nada tivesse feito para o evitar e nós não tínhamos escolha. Achei, no entanto, que eventualmente iria falar, até porque todo o caso é absurdo. Porém, depois de o ter visto no Parlamento a dizer o que disse, quaisquer esperanças morreram aí e achei mesmo que o protesto iria ser levado a um fim terrível. Como disse, nós não tínhamos escolha, portanto, tentei não pensar muito nisso.
Na segunda-feira, dia 10 de outubro, teve a tão esperada reunião. Como correu? O que lhe disse o governante?
A reunião foi muito informal e serviu mais para esclarecer algumas dúvidas sobre do caso, perceber o que pensamos e falar de eventuais caminhos a seguir. Não podia ser muito mais que isso dado que o Sr. Secretário de Estado não tinha tido tempo de ler o relatório da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT).
Em algum momento Miguel Alves assumiu que houve falhas no tratamento do caso que envolve a Quinta das Amoras?
Não, nem acho que lhe caberia a ele assumir, quanto muito isso seria com a ministra da Agricultura. A intervenção do Sr. Secretário de Estado Adjunto é no sentido de encontrar consensos com o objetivo de resolver o caso. Pareceu-me uma pessoa bastante objetiva e ponderada, o que é excelente.
E de que falhas estamos a falar, segundo o Luís?
Basicamente e resumindo: a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro (DRAPC), em 2014, tentou impedir a construção da quinta, impondo penalizações financeiras inventadas e completamente ilegais, com as quais tentaram paralisar a exploração durante dois anos. Além disso, quando a quinta foi devastada por ventos fortíssimos, em dezembro de 2017, a mesma DRAPC mentiu sobre a existência de apoios europeus de emergência para a reconstrução. Quando isto se descobriu, em 2018, o então secretário de estado da Agricultura, Luís Vieira, mandou a DRAPC ‘compor’ os relatórios da catástrofe, negando que tivesse havido uma tempestade ou danos sérios na exploração, para assim encobrir o caso. De forma deliberada e consciente, o Ministério da Agricultura mentiu ao Ministério Público e ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa para encobrir tudo. Quando isto foi descoberto e os apoios Europeus abertos, o PDR chamou estranhamente a si o processo e, em vez de o tramitar urgentemente como seria normal, arrastou-o bem para além do prazo legal.
A somar a isso tudo, o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP) arrastou o pedido de adiantamento das verbas, fundamental para salvar a quinta, durante uns incríveis 14 meses, recusando todos os contactos e negando-se a informar como devia ser feito o pedido. Quando finalmente decidiram esclarecer, em 2020, as plantas já tinham morrido tornando a reconstrução das estufas só por si inútil.
Tudo isto é, evidentemente gravíssimo. O relatório [da IGAMAOT] pôs a nu não só inúmeras falhas no Ministério da Agricultura, como a ausência de competência técnica dos quadros destes, a falta de disciplina e de controlo dos funcionários e os esquemas de captura de fundos europeus. A lista é grande, ao ponto de uma das conclusões do relatório (e que parece ter assustado muito gente) ser que devia ser feita uma auditoria aos fundos europeus de 2014 ao presente.
Infelizmente, apesar da gravidade e implicações do relatório não me parece que muitas pessoas no Governo o tenham lido. A ministra da Agricultura, pelas declarações dela, certamente não o leu. E isso é grave porque o relatório mostra como, na ausência de disciplina e controlos no Ministério da Agricultura, os agricultores encontram-se completamente à mercê dos funcionários que fazem o que querem num clima totalmente propício à corrupção.
Há uma falha clara na lei dos trabalhadores da função pública, que faz contar o prazo da prescrição a partir do momento em que o ato ilegal é cometido e não a partir de quando se toma conhecimento dele
O relatório da IGAMAOT dá razão, em muitos aspetos, ao Luís, contudo, realça que não há sanções disciplinares porque os factos apurados "encontram-se prescritos". O que pensa disto?
Estamos em Portugal, para o nosso país é o normal. Há uma falha clara na lei dos trabalhadores da função pública, que faz contar o prazo da prescrição a partir do momento em que o ato ilegal é cometido e não a partir de quando se toma conhecimento dele. Isso faz com que seja praticamente impossível um funcionário público ser punido, basta-lhe que ninguém saiba ou então negar e arrastar as coisas durante um ano e está safo.
No nosso caso, as coisas não são assim tão lineares porque a mesma lei diz que, quando as infrações têm responsabilidade criminal, vale o prazo do processo crime e este vai até 2037. Quando a investigação da IGAMAOT foi feita isto ainda não tinha sido determinado.
Portanto, o Estado tem meios para sancionar disciplinarmente todos os envolvidos e o Ministério Público pugnou por isso. Só que o assunto foi delegado no secretário de Estado da Agricultura, Rui Martinho, que é um dos envolvidos: está a vê-lo abrir um processo disciplinar a ele próprio?
Eu tenho assistido incrédulo a esta campanha de desinformação do secretário de Estado da Agricultura, Rui Martinho
Falando em Rui Martinho, o secretário de Estado da Agricultura afirmou, numa audição realizada a semana passada, que o pagamento ao Luís e à Maria José foi recusado porque “era suportado numa fatura falsa”. O que tem a dizer sobre isso?
Nunca foi feito qualquer pedido de pagamento ao IFAP e, consequentemente, nunca houve qualquer fatura falsa! Os pedidos de pagamento nem sequer são tratados pelo IFAP, mas sim pelas DRAP. Atente-se ao absurdo: se as verbas da medida 6.2.2 são adiantas a pedido, sem qualquer garantia, a que propósito é que alguém precisaria de uma fatura falsa para as obter?
Tudo isto foi investigado e apurado pela IGAMAOT. Não faz sentido insistir-se numa narrativa que não tem qualquer correspondência com a realidade.
Eu tenho assistido incrédulo a esta campanha de desinformação do secretário de Estado da Agricultura, Rui Martinho, para ocultar as responsabilidades dele no caso, o que nem sequer faz sentido porque tudo isto foi investigado pela IGAMAOT e está detalhado no relatório desta.
Eu tenho assistido incrédulo a esta campanha de desinformação do secretário de Estado da Agricultura
E, no entanto, apesar da gravidade do relatório e das implicações deste para o Governo, parece que ninguém no Executivo o leu. O pior é que, à custa da campanha de desinformação do Sr. Secretário de Estado, os aspetos graves do relatório da IGAMAOT, com repercussões importantes para o país e para a gestão dos fundos comunitários, estão a passar em claro.
Qual foi, então, o envolvimento do atual secretário de Estado da Agricultura no processo da Quinta das Amoras?
Quando a 13 de julho de 2020 enviei uma queixa ao presidente do IFAP relativamente ao comportamento dos funcionário do IFAP, que estavam a impedir a reconstrução da Quinta das Amoras, este era efetivamente o Sr. Rui Martinho, apesar dele incrivelmente andar a jurar o contrário. O normal, perante isto, teria sido o Sr. Rui Martinho ter dado seguimento à queixa abrindo processos disciplinares e diligenciado para que o problema fosse ultrapassado com a maior brevidade. Só que, em vez disso, o Sr. Rui Martinho, como a inspeção comprovou, leu a queixa e nada fez. Em consequência disso, quando o conselho diretivo do IFAP, em fevereiro de 2021, finalmente respondeu às questões, tinham passado já quatro anos, as plantas tinham morrido, tornando a reconstrução das estufas só por si inútil.
Infelizmente, esta omissão torna o Sr. Rui Martinho responsável por todos os prejuízos incorridos pela Quinta das Amoras, desde julho de 2020 até ao presente. Eu entendo que o Sr. Rui Martinho pense que, por um lapso pontual, não mereça arcar com a responsabilidade destes prejuízos todos. Qualquer pessoa no lugar dele sentir-se-ia desesperada. Mas o Sr. Rui Martinho não pode querer ‘resolver’ os problemas dele às nossas custas, à custa de desinformar a Sra. Ministra e os restantes membros do Governo.
Por outro lado, o Governo não podia delegar a resolução deste assunto logo na pessoa que mais tem a perder com ele. O conflito de interesses é gritante. Desde logo, pergunta-se: O Sr. Rui Martinho está a fazer o melhor para o Estado ou para ele? Porque a única pessoa que tem a ganhar com o arrastar da situação é ele pois vê, eventualmente, as responsabilidades prescreverem, ao mesmo tempo que isso causa prejuízos ao Estado e à Maria José.
Estamos completamente à mercê da boa-fé do Governo
Neste momento, o que espera que aconteça? Que esperanças trouxe a reunião com Miguel Alves?
Nós sempre pugnámos por uma solução mediada. O processo no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa não faz qualquer sentido, o Estado defende que não houve nenhuma tempestade grave que tenha causado os danos na quinta e que, portanto, não era obrigado a abrir os apoios europeus. Tudo coisas que já se provaram ser falsas e, pior, provou-se também que, no momento em que o Estado fez estas alegações ao tribunal, os responsáveis sabiam ser mentira. É um processo cujo arrastar só produz mais prejuízos inutilmente, prejudicando todos. Com tudo apurado pelo relatório não será difícil, na minha opinião, encontrar um consenso. Todos os dias o Governo faz isso nos mais diversos assuntos, afinal, o País não é governado por tribunais.
E quais serão os próximos passos?
Isso já não depende de nós. Estamos completamente à mercê da boa-fé do Governo.
Está pronto para uma nova greve se o caso não ficar resolvido?
Como disse acima, vamos acreditar na boa-fé do Governo.
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O Ministério da Agricultura e da Alimentação, "por dever de transparência e de informação", enviou ao Notícias ao Minuto uma nota de esclarecimento, que pode consultar aqui.
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