"Este ano as vindimas foram mais cedo, os cursos de água estavam quase secos e, portanto, foi ainda mais visível este fenómeno", afirmou Rui Cortes, membro do #MovRioDouro e investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).
Um fenómeno que, exemplificou, é visível em linhas de água "pintadas" de uma "cor arroxeada" proveniente "do lançamento de efluentes sem o devido tratamento".
Rui Cortes referiu que é principalmente nesta altura do ano, em que se intensifica o trabalho nas adegas, que se "assiste a este problema" e considerou que as Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) "têm uma capacidade muito limitada, de um modo geral estão subdimensionadas, mesmo nas grandes unidades vitivinícolas" e, por isso, verifica-se "um despejo grande de efluentes da indústria diretamente para as linhas de água".
Foi precisamente para alertar para os problemas da poluição provocados pela indústria vitivinícola que o movimento cívico realizou hoje, uma conferência de imprensa, no cais de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, salientando que, em 2021, foram produzidos entre "1,5 a 4,5 milhões de hectolitros de efluentes vinícolas não tratados", o que diz ser equivalente a "60 a 180 piscinas olímpicas".
"Estes afluentes são altamente poluentes, não por toxicidade, mas pelo facto de terem um efeito a nível do abaixamento do PH e terem uma elevada carga orgânica, que é cerca de 10 a 100 vezes superior àquela que provém dos efluentes urbanos domésticos", explicou Rui Cortes.
O investigador disse que o "efeito a nível da fauna e piscícola é extremamente elevado", que "há uma mortalidade elevada", e considerou que se trata, também de um "problema a nível de saúde pública, porque esta água, com estas elevadas cargas orgânicas não é conveniente ser utilizada nem para rega, nem obviamente para abastecimento público".
António Pirra, também investigador da UTAD, desenvolveu o estudo "As adegas e o ambiente: gestão e tratamento da água na Região Demarcada do Douro".
"É necessário utilizar muita água para fazer um bom vinho e, no geral, as adegas de maior dimensão continuam sem dar grande atenção ao destino dos seus efluentes e resíduos sólidos, situação que se deve por um lado à falta de sensibilidade ambiental e ao desinteresse dos proprietários, motivados pela deficiente fiscalização e consequente impunidade da infração e, por outro lado, pela falta de conhecimento e preparação técnica dos responsáveis da adega na área dos efluentes. Esta questão assume, por isso, importância relevante dado o não-cumprimento da legislação em vigor", frisou António Pirra.
O investigador da UTAD defendeu que "a fileira vitivinícola deve minimizar o seu impacto ambiental, adaptando as tecnologias de produção aos constrangimentos ambientais, como a redução dos consumos de água e da quantidade de efluentes, e introduzindo sistemas de tratamento de efluentes eficientes, adaptados às especificidades das adegas, nomeadamente no que respeita à sua pequena e média dimensão e ausência de mão-de-obra especializada".
O #MovRioDouro, um movimento cívico de defesa dos rios da bacia hidrográfica do Douro, reclamou um "compromisso político" no combate aos afluentes vínicos não tratados.
Rui Cortes acrescentou que é preciso "que as autoridades estejam atentas a este fenómeno", designadamente a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e o Serviço de Proteção na Natureza e Ambiente (SEPNA) da GNR.
O investigador apontou para uma evolução positiva relativamente às unidades industriais, já que "há 30, 40 anos a maior parte não tinha sequer ETAR. "
"Isso agora não acontece. Podemos dizer que estão subdimensionadas, que não existe monitorização adequada dos efluentes que são lançados, mas é uma situação que não é tão calamitosa como a que se verificava", referiu.
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