A Comissão liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que hoje apresentou em Lisboa o relatório de um ano de trabalho e que incidiu sobre o período desde 1950, recomenda "o reconhecimento, pela Igreja, da existência e extensão do problema e compromisso na sua adequada prevenção futura", nomeadamente através do "cumprimento do conceito de 'tolerância zero' proposto pelo Papa Francisco".
A adoção do "dever moral de denúncia, por parte da Igreja, e colaboração com o Ministério Público em casos de alegados crimes de abuso sexual", o pedido "efetivo de perdão sobre as situações que aconteceram no passado e sua materialização", bem como a "formação e supervisão continuada e externa de membros da Igreja, nomeadamente na área da sexualidade (sua e das crianças e adolescentes)", são outras recomendações que a comissão deixa à hierarquia da Igreja Católica em Portugal.
A comissão liderada por Pedro Strecht advoga a "cessação de espaços físicos fechados, individuais, enquanto locais de encontro e prática religiosa", a par da colocação em prática de "medidas preventivas eficazes, incluindo 'manuais de boas práticas' e 'locais de apoio ao testemunho e acompanhamento das vítimas e familiares'".
O "apoio psicológico continuado às vítimas do passado, atuais e futuras" é encarado, também, como responsabilidade da Igreja, em articulação com o Serviço Nacional de Saúde.
Já para a sociedade civil, a Comissão deixa também alguns conselhos, como o da "realização de um estudo nacional sobre abusos sexuais de crianças nos seus vários espaços de socialização".
O "reconhecimento inequívoco dos Direitos da Criança", o "empoderamento das crianças e famílias sobre o tema: o papel da Escola", o "aumento da idade da vítima para efeitos de prescrição de crimes" e a "celeridade da avaliação e resposta do sistema de justiça", são outras ideias deixadas pela comissão liderada por Strecht.
Este grupo de trabalho sublinha ainda a necessidade do "reforço do papel da comunicação social na investigação e tratamento do tema" e o "aumento da literacia emocional sobre as verdadeiras necessidades do desenvolvimento infantojuvenil, sobretudo no campo afetivo e sexual".
Hoje, ao intervir na sessão de apresentação do relatório da Comissão Independente sobre os casos de abuso na Igreja Católica desde 1950, Pedro Strecht revelou que foram validados 512 casos de 564 testemunhos recebidos, apontando a extrapolação de um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica começou a receber testemunhos em 11 de janeiro do ano passado.
Os casos de abusos sexuais revelados ao longo de 2022 abalaram a Igreja e a própria sociedade portuguesa, à imagem do que tinha ocorrido com iniciativas similares em outros países, com alegados casos de encobrimento pela hierarquia religiosa a motivarem pedidos de desculpa, num ano em que a Igreja se vê agora envolvida também em controvérsia, com a organização da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa.
Hoje será conhecida a primeira reação da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), presidida pelo bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas, e para 03 de março foi já convocada uma assembleia plenária extraordinária da CEP para analisar o relatório.
Liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, a comissão independente é ainda constituída pelo psiquiatra Daniel Sampaio, pelo antigo ministro da Justiça e juiz conselheiro jubilado Álvaro Laborinho Lúcio, pela socióloga e investigadora Ana Nunes de Almeida, pela assistente social e terapeuta familiar Filipa Tavares e pela cineasta Catarina Vasconcelos.
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