Em entrevista à Lusa a propósito do primeiro aniversário da invasão da Rússia na Ucrânia, que hoje se assinala, João Gomes Cravinho disse que o apoio de Portugal à Ucrânia "está sempre a ser calibrado" e sublinhou "uma grande generosidade" que é reconhecida por parte de Kiev.
"Se olharmos para aquilo que Portugal tem dado em termos militares, em termos do nosso PIB em termos 'per capita', vemos que Portugal está entre os mais generosos. A nossa dimensão, naturalmente, não permite que sejamos os primeiros doadores, mas à nossa escala estamos a ser muito generosos", sustentou.
Essa generosidade vai continuar enquanto for necessária, prosseguiu, mas advertiu: "É evidente que não podemos todos os dias inventar novos meios para dar, os nossos próprios 'stocks' não são ilimitados, mas acredito que continuaremos a responder".
O chefe da diplomacia portuguesa apontou que apesar de ser "evidente que, à medida que as capacidades bilaterais se vão diminuindo, como é normal" - porque já foi fornecido muito equipamento -- "no âmbito multilateral, Portugal continuará a fazer parte daqueles que consideram fundamental apoiar a Ucrânia".
O ministro dos Negócios Estrangeiros referiu-se ao processo de aquisição conjunta por parte da União Europeia de equipamento militar, e de munições em particular, do qual "Portugal faz parte" e, nesse sentido, à medida que a situação se vai alterando, novas formas de responder às necessidades da Ucrânia vão sendo identificadas.
Além das viaturas blindadas M113 e geradores elétricos, e de militares portugueses estacionados num contingente da NATO na Roménia e de caças F16 presentes na Lituânia, Portugal vai enviar três tanques pesados Leopard 2, de fabrico alemão, para as forças de Kiev.
O fornecimento destes carros de combate, tal como os norte-americanos Abrams, mereceu fortes resistências das autoridades de Berlim e de Washington, que acabaram no fim do mês passado por ceder à forte pressão da Ucrânia e de vários países aliados.
Abstendo-se de comentar as motivações das resistências alemã e norte-americana, João Gomes Cravinho declarou, a esse respeito, que, do lado de Portugal "houve sempre abertura para considerar as várias propostas" dos ucranianos, mas numa perspetiva de conjunto.
"Com a escala que temos, as capacidades que temos, não podemos avançar sozinhos. Até porque, por exemplo, o envio de três Leopards para a Ucrânia não faria sentido se não fosse num quadro mais alargado, porque com três carros de combate não se faz nada", considerou.
Além dos tanques pesados, as forças de Kiev pedem mais equipamento militar para fazer face à intensificação da ofensiva russa, como caças e mísseis de longo alcance.
Mísseis de longo alcance é algo que Portugal não tem, referiu Cravinho, que era ministro da Defesa à data do início da invasão. Já em relação aos caças F-16 a convicção de Lisboa é que "não há justificação militar neste momento que imponha esse tipo de doação" para a Ucrânia.
"Nós temos F-16, é um número limitado, portanto, não sei se alguma vez haverá essa possibilidade, mas a nossa postura tem que sempre ser enquadrada e não há neste momento a convicção conjunta por parte dos países da União Europeia e por parte dos países da NATO de que seja a melhor forma de apoiar a Ucrânia", afirmou.
O ministro português concorda, porém, com as autoridades de Kiev que o equipamento militar seja fornecido depressa, dada a iminência de uma potencial nova ofensiva russa na primavera, e, "neste momento, é fundamental que os carros de combate cheguem o mais rapidamente possível ao terreno", tal como reforço de munições.
Esta pressa é também justificada porque a Rússia está a reforçar com meios humanos, a sua frente militar, apontou o governante, numa doutrina militar que "não atribui importância à vida humana", e o que se vê no terreno "é uma grande mobilização de homens para o ataque contra território ucraniano, com baixas absolutamente incríveis e absolutamente inaceitáveis para qualquer abordagem civilizada", que o Presidente russo, Vladimir Putin, impõe para mais um metro do território e "isso não é sustentável a prazo".
Do lado ucraniano, a defesa tem de ser feita "com meios, com equipamento militar, com equipamento tecnologicamente mais avançado, porque a Ucrânia simplesmente não tem os números em termos de homens que a Rússia tem", assinalou o governante, manifestando confiança de que as forças ucranianas ultrapassarão esta fase.
"Depois haverá outras necessidades que se irão impor. O essencial é que do nosso lado haja sempre disponibilidade para apoiar a Ucrânia naquilo que precisa, e no âmbito militar, as nossas forças armadas, as forças armadas de outros países, os ministérios da Defesa respetivos estão sempre muito atentos e a calibrar o seu apoio à Ucrânia de acordo com as necessidades", comentou.
No plano político, João Gomes Cravinho considerou que "já ficou muito claro" que do lado da União Europeia e dos Estados Unidos há uma mensagem central que o Presidente norte-americao, Joe Biden, levou na segunda-feira ao homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky: "Não vamos deixar cair Kiev".
Apesar de prever que o conflito se prolongue por bastante tempo, o chefe da diplomacia portuguesa não tem dúvidas de que "o Presidente Putin vai perder esta guerra", porque "há uma determinação muito grande, há uma capacidade de resistência ucraniana, que só se compreende quando nos lembramos que estão a defender a sua terra e alguma incompetência e falta de motivação por parte de Rússia, que estão a invadir uma terra alheia e com recurso a recrutas que mal sabem o que lá estão a fazer".
O líder russo "infelizmente não deu até agora nenhum sinal de ter compreendido isso, que é algo que boa parte do mundo já compreendeu, incluindo alguns dos seus aliados", defendeu o ministro, salientando que "é extremamente importante que a mensagem seja reiterada até ao dia em que o Presidente Putin comece a fazer planos para sair da Ucrânia, onde nunca devia ter entrado".
Quanto à possibilidade de o desfecho do conflito se encontrar em Moscovo, através de uma mudança na liderança do Kremlin, João Gomes Cravinho sustentou que Putin "fez algo de extremamente arriscado e pouco pensado, e nessas circunstâncias, pode ser que o seu próprio poder esteja em risco".
No entanto, destacou também, que "isto não é uma guerra contra a Rússia, não é uma guerra contra o Presidente Putin", mas uma guerra "de defesa pela integridade territorial da Ucrânia" e aquilo que forem as consequências para o Presidente russo "é um assunto perfeitamente secundário".
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