Igreja pode ser responsabilizada por abusos se houver "dever de guarda"

O advogado Miguel Matias considerou, esta segunda-feira, acerca dos abusos sexuais na Igreja Católica, que se uma instituição tiver um dever concreto de vigilância e proteção de crianças pode ser responsabilizada, se não tiver tomado as medidas adequadas.

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© VALENTINE CHAPUIS/AFP via Getty Images

Lusa
06/03/2023 17:57 ‧ 06/03/2023 por Lusa

País

Abusos na Igreja

O advogado respondia à agência Lusa a propósito da questão de saber se as vítimas de abusos sexuais no seio da Igreja Católica poderão individualmente ou coletivamente vir a processar e formular pedidos de indemnização não só relativamente aos padres abusadores como também à Igreja Católica.

Em afirmações por escrito à agência Lusa, Miguel Matias notou contudo que, "em primeira linha, a obrigação de indemnizar é diretamente do autor do crime", pelo que "não pode existir qualquer consideração genérica, de um ponto de vista penal, das instituições responderem subsidiariamente ou solidariamente nesta obrigação de indemnizar" as vítimas de abuso sexual no seio da Igreja Católica.

Acrescentou, no entanto, que se "algumas destas instituições e entidades tinham um concreto dever de guarda, vigilância, proteção dessas crianças, podem, por isso, ser responsabilizadas nesse âmbito caso não tenham tomado um conjunto de medidas adequadas/necessárias para evitar esse quadro de abusos" sexuais.

Miguel Matias, que foi o advogado dos jovens da Casa Pia, num processo também ligado a abusos sexuais, mencionou também que no processo penal português vigora o princípio da suficiência, em que, sempre que possível, todas as questões relacionadas com um determinado processo penal devem ser tratadas no âmbito do próprio processo-crime.

"Por isso, se estamos a falar de indemnizações nascidas de processos criminais, as mesmas devem ser peticionadas no âmbito do próprio processo-crime, através de um pedido de indemnização cível, com a contabilização de todo o espetro do possível dano", precisou.

"Em terceiro lugar, e caso estejamos a falar de situações não denunciadas ou de processos-crime já prescritos, temos que sublinhar que os prazos de prescrição no âmbito cível e penal são diferenciados", explicou ainda Miguel Matias. Assim, no plano cível - adiantou o advogado - o prazo de prescrição ordinário é de 20 anos.

"Se, genericamente, estes pedidos de indemnização se enquadram em pedidos de responsabilidade civil extracontratuais cujo prazo é menor -- de apenas três anos, a verdade é que a situação pode ser diferente se houver um dever de cuidado/vigilância por parte da Igreja. Aqui estaremos perante uma espécie de `culpa in vigilando´ (e logo remetendo para um âmbito próximo da responsabilidade civil contratual) sendo possível defender o alargamento do prazo de prescrição até aos 20 anos que possibilita que, mesmo no limite, e sempre que haja prova considerável, também possa haver lugar a indemnização", pormenorizou Miguel Matias.

A Comissão Independente para o estudo dos abusos sexuais na Igreja Católica validou 512 testemunhos, apontando, por extrapolação, para pelo menos 4.815 vítimas. Vinte e cinco casos foram enviados ao Ministério Público, que abriu 15 inquéritos-crime, dos quais nove foram arquivados.

Os testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, o espaço temporal abrangido pelo trabalho da comissão.

No relatório, divulgado em fevereiro, a comissão alertou que os dados recolhidos nos arquivos eclesiásticos sobre a incidência dos abusos sexuais "devem ser entendidos como a 'ponta do iceberg'" deste fenómeno.

A comissão entregou à Conferência Episcopal Portuguesa uma lista de alegados abusadores, alguns no ativo, tendo esta remetido para as dioceses a decisão de afastamento de padres suspeitos de abusos e rejeitado atribuir indemnizações às vítimas.

Leia Também: Abusos? "Não pode continuar a haver vítimas, agressores e encobridores"

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